Sustentabilidade ou Fragmentação – A Unimed por trás dos números
Por Valter Hime (nov 2024)
Este artigo não tem a intenção de criar juízo de valor, mas sim oferecer uma visão dos reflexos do modelo da Unimed, analisado por um observador externo e desinteressado do mercado. A análise busca destacar os obstáculos e as transformações recentes que envolvem o sistema Unimed. Os dados apresentados são baseados em informações públicas divulgadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e foram compilados para facilitar a compreensão do artigo.
Atualmente, o Sistema Unimed forma uma das maiores redes de saúde suplementar do Brasil, atendendo a mais de 37% dos beneficiários de planos de saúde e aproximadamente quatro em cada dez operadoras ativas no país. No entanto, apesar de sua representatividade, o sistema enfrenta dilemas complexos. Um dos principais é sua fragmentação e estrutura descentralizada, em que cada operadora Unimed é independente e não está sujeita a uma governança centralizada, o que pode dificultar a uniformidade estratégica, os investimentos e a obtenção de ganhos de escala.
O modelo consolidador da indústria também impactou o sistema. Em 2011, o sistema contava com 321 operadoras registradas na ANS, número que caiu para 263 atualmente, mantendo, entretanto, grande potencial competitivo, já que representa uma parcela significativa das operadoras ativas com vidas beneficiárias, segundo a agência reguladora.
A redução no número de operadoras, no entanto, não resultou em um encolhimento do sistema, graças a um modelo de consolidação "autofágico". As operadoras que encerram suas atividades têm seus beneficiários absorvidos por outras operadoras do sistema, seja de forma voluntária ou por exigências da ANS. Diferentemente de outros players do mercado, essa consolidação não parece envolver custos de alienação de ativos, mas apenas os relacionados às despesas e receitas operacionais, o que facilita a execução desse movimento dentro do modelo cooperativista.
Apesar dessa redução, o sistema mantém invejável estabilidade. Em 2011, a Unimed cobria cerca de 17 milhões de beneficiários; hoje, são aproximadamente 19 milhões, com uma taxa média de crescimento anual perto de 1%. Esse crescimento acompanha o ritmo do mercado de saúde como um todo e mantém sua participação em cerca de 37% na indústria.
Em alguns casos, operadoras menores do sistema optam por não mais assumir riscos atuariais e se dedicam apenas à prestação de serviços médicos como rede credenciada exclusiva. Elas reconhecem que não possuem escala suficiente para alcançar a lucratividade desejada, mas conseguem manter a geração de renda para seus cooperados, que é um dos objetivos primários do modelo cooperativista.
Em março de 2013, o CADE eliminou a exigência de uni-militância, que obrigava os médicos cooperados a prestarem serviços exclusivamente para a Unimed. Desde então, esses profissionais podem se credenciar a outras operadoras de saúde, ampliando a concorrência e trazendo novas pressões para o sistema.
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Esse cenário ajuda a explicar por que um número significativo de operadoras apresenta taxas de crescimento negativas há quase 15 anos. Atualmente, 61 operadoras enfrentam retração anual de até 5%aa, e seis delas estão em processo de "run off".
A situação financeira também revela contrastes e disparidades internas no ecossistema Unimed. Enquanto 93 operadoras, atendendo cerca de 6 milhões de beneficiários, registraram prejuízos operacionais somando aproximadamente R$ 927 milhões, outras 174, com 13 milhões de beneficiários, tiveram lucro operacional conjunto de R$ 1,8 bilhão.
A escala é um fator determinante para a sustentabilidade no setor de saúde suplementar, essencial tanto para diluir riscos atuariais quanto para financiar custos administrativos. Em setembro de 2024, 43 operadoras do sistema destinavam mais de 35% de sua receita para despesas administrativas, o que pode representar obstáculos financeiros, limitando os recursos disponíveis para pagar sinistros, especialmente considerando que a sinistralidade da indústria é frequentemente superior a 80%.
Estudos indicam que operadoras com menos de 25 mil beneficiários enfrentam dificuldades para garantir sustentabilidade, tornando-se mais vulneráveis em cenários de consolidação. Atualmente, 128 operadoras têm menos de 25 mil beneficiários, sendo que 54 possuem menos de 10 mil. Esses números sugerem que o sistema pode passar por novas ondas de incorporações.
A estrutura de atendimento da Unimed inclui 163 hospitais próprios, além de prontos atendimentos, laboratórios e centros de diagnóstico. Essa infraestrutura pode enfrentar limitações para competir com o modelo predominante no Brasil, que favorece estruturas de atendimento verticalizadas. Com a aceleração do processo de consolidação, é esperado que essa infraestrutura cresça, permitindo ao sistema aproveitar melhor os ganhos de escala.
Em síntese, o sistema Unimed não lida apenas com a concorrência externa; seu maior obstáculo está, na verdade, dentro de casa, na busca por um equilíbrio entre sustentabilidade e fragmentação. A evolução do sistema dependerá de sua capacidade de gestão política para alcançar maior protagonismo na indústria, ampliar a capilaridade e superar as dificuldades para obter ganho de escala em um ambiente fragmentado. Com a implementação das mudanças necessárias, a Unimed poderá se consolidar como a maior operadora de saúde do Brasil, potencialmente inatingível para as demais do mercado.
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Consultoría em Benefícios Especializada
2 semValter parabéns pela publicação . Reflete com bastante exatidão a complexidade os números do mundo Unimed . A singularidade das singulares e mesmo tempo uma desvantagem , mas também um grande vantagem . Saber navegar no Sistema Unimed , como consultor / corretor requer bastante experiência que só e adquiriida na convivência com as diversas , Singulares, Federações , Unimed Nacional e Seguros Unimed .
Seguros | Negócios | Comercial | Operações
3 semMuito bom! É sempre bom repassarmos o sistema Unimed, que não deixa de ser uma "jabuticaba". Trabalhei durante três anos na Seguros Unimed, o primo rico do sistema. Até a cor verde difere do azul já desbotado das singulares. Mas é como você falou, um jogo político que se retro alimenta dos favores mútuos e em algumas ocasiões esqueceu da gestão e deu no que deu. Paulistana, São Paulo, Brasília e por aí vai. Mas por outro lado temos verdadeiros titãs do mercado onde atuam e que não dão chance para nenhuma outra operadora "se criar": É o caso de Santa Catarina, Campinas, RS, etc... Que se mantiveram fortes mesmo com a decisão que proibiu a exclusividade dos médicos.
Especialista em Políticas e Gestão da Saúde
3 semÓtimo artigo! Na minha dissertação de mestrado em administração de 2011 sobre AQUISIÇÃO, FUSÃO E INCORPORAÇÃO ENTRE COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO, uma das sugestões deixadas foi a reflexão sobre a viabilidade do modelo de cooperativas Unimeds operadoras isoladas ou aglutinadas, mas juntar o maior n° possível de operadoras menores numa maior tem muita resistência dentro do próprio Sistema Unimed.
Médico, Sócio fundador da ARM Consultoria e Gestão em Saúde, Mestre em Ciências da Saúde, pós-graduado em Administração Hospitalar e Medicina do Trabalho, MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Ex secretário de saude.
1 mExcelente e lúcida visão. Concordo plenamente. Como ex dirigente de uma singular de médio porte sempre acreditei que no dia que confluirem em um único objetivo a visão política e a visão cooperativista dos sócios, associadas à visão empresarial, porque antes de ser cooperativa, no mercado competitivo, tem que ser vista como empresa a oferecer sustentabilidade ao Sistema Unimed tornando - o imbativel.
Executivo de negócios
1 mInteressante