Teimosia que custa caro

Teimosia que custa caro

A contra-tendência em negar os movimentos que o mercado global e economias estão fazendo, pode arruinar a próxima década ao Brasil, que insiste em um modelo empresarial retrógrado e conservador.

A gestão contemporânea deve, sempre que possível, observar as tendências de mercado que ocorrem ao seu redor. Tendências sociais que indicam mudanças no comportamento do consumidor, tendências econômicas que trazem novos arranjos do fluxo de capital e regras, tendências políticas que indicam novos cenários para cadeias de valor, tendências tecnológicas que impactam no desenvolvimento de novos processos e produtos. São diversos os aspectos que o empreendedor deve se atentar para não ficar pra trás.

Ao observar tais mudanças, nações criam condições para que suas empresas possam adaptar-se ao contexto e aproveitar novas oportunidades de inovação e de negócios. Se observamos as taxas de estabelecimento de negócios com até 3 anos de vida, o Brasil lidera disparado mundialmente. Mas ao avaliarmos a velocidade como inovamos, somos lanterninha, de acordo com dados do Global Entrepreneurship Monitor. Inovar é a garantir a sobrevivência dos negócios e enfatizar o valor, o diferencial, os resultados, a virtude. Em detrimento do mais do mesmo.

A cultura empresarial é determinante no processo de inovação. No Brasil, infelizmente, a maior parte das organizações ainda aposta em um estilo burocrata, centralizador, hierarquizado e pouco inclusivo. Ainda praticamos internamente um modelo de meritocracia que gera mais frustração do que felicidade. Duas características das empresas brasileiras, por exemplo, indicam um comportamento mais exploratório do que empreendedor: a ausência de criatividade para reconhecer e recompensar os colaboradores e a descapitalização da empresa com baixo reinvestimento do lucro.

Ao centrar-se mais para dentro (rotinas) e apegar-se ao produto atual, esquecendo-se da importância da criatividade e da inovação, o empresariado brasileiro está deixando de observar tendências nas quais deveria embarcar. Isto implica em não apenas não abrir as portas para o novo na empresa, mas também deixar de propor e cobrar políticas públicas que favoreçam tais mudanças. O PIX, por exemplo, é uma inovação tardia, mas muito bem vinda que aguardávamos há tempos. Mas ainda estamos muito distantes do que poderíamos ser.

Produtos ambientalmente responsáveis (alguns países já estão banindo o plástico, por exemplo), logística reversa, automação industrial, inteligência artificial, robotização, transportes e máquinas autônomas, cidades inteligentes, telemedicina, legalização da canábis, integração de serviços públicos, pesquisa científica em genética, vacinas e agro-ecologia, polícia investigativa e preventiva, etc. São inúmeras as novidades das quais países de primeiro mundo já propiciam a criação de novos negócios com produtos de altíssimo valor agregado, as quais o Brasil ainda apenas assiste. 

Alguns fatores contribuem para esse conservadorismo no nosso país:

comodismo da empresa familiar: empresários possuem foco no lucro e não no propósito da empresa, e satisfazem-se com o resultado financeiro atual;

aversão ao risco: considerando o ambiente de negócios brasileiros e sua complexa legislação tributária e fiscal, empresários evitam o risco;

escassez de capital acessível para inovação: embora exista algum esforço por parte de algumas instituições, as condições de acesso ao capital continuam afugentando os empreendedores que olham para o futuro;

descompasso entre indústria e academia: o ego, a assimetria econômico-cultural, ideologias, burocracia e outros detalhes ainda colocam Universidade e indústria em lados quase que opostos — desta forma, a pesquisa científica nacional contribui muito pouco para o desenvolvimento de produtos ou serviços de alto valor agregado por parte do mercado;

interferência religiosa: a religiosidade é parte importante da cultura de um povo, mas o atual modelo econômico dispensa, para efeitos práticos de progresso, boa parte de valores religiosos. Considera no máximo alguns rituais de forma protocolar. No Brasil, alguns costumes doutrinários e até bíblicos, ainda embaçam a visão empreendedora e atravancam a mudança necessária para a inovação;

ausência de planejamento estratégico de inovação: negócios baseados em commodities que geram muita riqueza, ainda precisam aprender a criar experimentos em novos negócios. Trata-se de formalizar investimentos de risco de forma sistemática (contínua) e sistematizada (processos, padronização);

baixa diversidade e inclusão: as empresas brasileiras ainda precisam aprender a desenvolver os profissionais do futuro. A maioria dos cursos universitários ainda não possuem uma grade curricular alinhada com as tendências que desenham o futuro econômico global; Também falta o reconhecimento da mulher, do negro, do LGBTQ+ e outras "minorias", como atores-chave no processo de mudança e inovação;

renda concentrada: a desigualdade no Brasil e o sistema tributário assimétrico, tira de grande parte da população a possibilidade de consumir e se desenvolver, se qualificar. A falta de acesso à renda, tira do cidadão, a dignidade. Isto prejudica diretamente o mercado e a inovação, já que o mercado do futuro depende de consumidores qualificados (intelectualmente, tecnologicamente, emocionalmente, etc.)

É hora virarmos a chave da cultura empresarial brasileira, ou vamos ter mais uma década perdida. A missão não é apenas do empreendedor, mas também do gestor público, dos educadores, dos pesquisadores e de todos aqueles que possam ser agentes de transformação social. De acordo com dados do IBGE (2018) 0,5% das empresas brasileiras, são responsáveis pela criação de 50% dos novos empregos criados no período de 3 anos. A folha de pagamento delas cresce 20% ao ano. São as empresas gazela - ou de alto crescimento. Apesar do conturbado ambiente político e econômico, elas existem e prosperam. O que podemos aprender com elas? Como vencer os fatores negativos críticos citados anteriormente? Este é o desafio pra 2021.

Resumiu perfeitamente a nossa conjuntura. Parabéns André, muito bom!

Maria Cecilia Flores Cordeiro

Economista. Consultora em inovação e negócios. Professora de graduação e pós graduação.

4 a

Como sempre preciso em suas análises André Luiz Turetta, MSc!

Maísa Luana Silvestrin

Inovação, Startups, Tecnologia, Recursos para Inovação, Projetos e Educação empreendedora

4 a

Muito bom André!!!

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