TEIMOSO SÓ VOLTA DE LONGE

TEIMOSO SÓ VOLTA DE LONGE

Porque quem ganha o pão com “organização, sistemas & métodos” MASP, PDCA, melhoria contínua e outros que tais não pode se contentar com respostas fáceis.

Este é um texto despretensioso e informal. É a opinião de um entusiasta do método, um eterno buscador da melhor maneira de fazer as coisas (eufemismo para teimoso).

Quando eu era garoto, além de curioso era muito insistente. Tomei algumas chineladas por isso e ouvi meu pai repetir “meu filho, teimoso só volta de longe”. Traduzindo, teimoso apanha mais do que a media antes de quebrar a cara por definitivo. Enquanto a maioria se contenta com as primeiras respostas, desiste nos primeiros obstáculos, aceita os primeiros nãos, o teimoso insiste até se convencer, mesmo que isso o leve até um último obstáculo, o último não, mesmo que a última resposta não seja muito diferente da primeira.

Essa teimosia me trouxe problemas além das chineladas e sermões paternos, mas também me garantiu sobrevivência, ganho de conhecimento e, em alguns casos, até certo destaque profissional. Um teimoso demora pra entender que é tido como chato, e demora mais ainda para tornar a teimosia algo digerível. Alguns teimosos, inclusive, nunca conseguirão simpatia popular. Claro que tem muito teimoso “sem noção”, que teima por teimar, e esses radicais xiitas respondem em grande monta, pelo preconceito contra nós, “teimosos funcionais”, digamos assim.

No trabalho, empiricamente e, na faculdade de administração, com ajuda de colegas e orientação de um ou dois professores, fui pegando o gosto pelo gerenciamento de processos de trabalho, pelo mapeamento da atividade produtiva e, por consequência, me familiarizando com a normatização dos procedimentos e o treinamento das pessoas, na busca pela melhoria contínua. Já que não podemos ser perfeitos, busquemos a excelência, o melhor que pudermos fazer.

E é aí que a teimosia pode ser útil. Aliás, deve ser útil. E será útil quando mover o teimoso em direção a um resultado, senão vira é um peso, um defeito. Claro que somente a vivência recheada de erros nos possibilita encontrar as doses certas de teimosia, seja para não desistir antes, seja para não emburrecer, seja para não frear depois da curva. Teimoso precisa ter a mente aberta ao aprendizado e à inovação.

Ser teimoso requer altas doses de resiliência, justamente porque as respostas certas não vêm fácil. E porque a arte de teimar não é muito querida por quem é “vítima” do teimoso. Claro que a teimosia não pode ser mera pirraça, birra ou cisma que não leva a nada, senão vira um bater cabeça, dar murro em ponta de faca. Teimosia não deve ser burrice. O teimoso precisa assimilar o golpe, entender a dificuldade e buscar novas abordagens.

Teimar exige disciplina ferrenha e foco no princípio de que nem sempre a última resposta será diferente da primeira. Mas o teimoso profissional precisa descobrir as duas coisas: qual é a última resposta e, quando a encontrou. Enquanto vai-se errando, chutando a bola antes do momento certo ou passando direto do ponto onde se deveria chegar, nós, os teimosos profissionais, vamos refinando nossa habilidade pouco amável de questionar até se chegar ao objetivo: qual é o problema? Qual é a solução? Qual é a causa? Qual é o melhor caminho? Por que se faz dessa maneira?

Alguns teimosos proeminentes criaram técnicas de teimosia. A mais famosa talvez seja o diagrama de Ishikawa, ou diagrama de causa e efeito ou, mais popularmente, espinha de peixe. A sétima ferramenta da qualidade para análise de processos trata-se de um método de ser teimoso com certa classe, tornando palatável e até aceitável o teimoso profissional porque Kaoru Ishikawa:

· Estabeleceu um limite para a teimosia: recomenda-se até 5 porquês para se chegar ao causador do problema (mas um teimoso é sempre um teimoso e alguns problemas teimam em se esconder mais do que outros);

· Deu nomes bacanas às coisas que o teimoso procura (causa raiz);

· Definiu o escopo, ou seja, onde vamos exercitar nossa teimosia: os “6M”, método, material, mão-de-obra, máquina, medida e meio-ambiente. Desse jeito ninguém escapa do teimoso, evitando reclamações do tipo, “por que só na minha área?”;

· Organizou a maneira de buscar a solução: hierarquizando as causas e sub-causas;

· Desenhou, para facilitar o entendimento (o desenho remete a uma espinha de peixe); então “quer que eu desenhe?” não é uma expressão irônica.

Do outro lado está o acomodado profissional. Aquele que, diante das questões acima, responde como João Grilo de O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna: “não sei, só sei que foi assim...” Acomodados são especialistas em não questionar o status quo, em dizer que faz assim porque assim sempre foi feito, mesmo tendo consciência e até certeza de que está fazendo errado.

Mas esse texto não é para falar dos acomodados, é para dizer: teimosos, continuem questionando, teimando, insistindo, buscando a melhor resposta. Nada melhor para um teimoso do que encontrar outro mais teimoso que ele.

Encontro teimoso deste modelo, que fazem perguntas para as quais, além de procurar a resposta, eu tenho que ficar matutando “por que eu não fiz essa pergunta? Por que deixei passar esse detalhe?”...

E todos estes teimosos são pessoas admiro, não só porque são mais bem sucedidos do que eu, alguns foram ou são meus chefes, meus pares, meus empregadores. Admiro-os porque, conscientemente ou não, é a teimosia que os move para o sucesso. Quando eu crescer, quero ser igual a esses caras.

Mas o legal de ser teimoso é que, ás vezes no fim da jornada não se dá de cara com um obstáculo intransponível, um não maior que os nãos anteriores. Nem sempre a resposta final é a mesma inicial, nem sempre é uma rua sem saída, mesmo que haja uma placa indicando o contrário. O bom de ser teimoso é que, de vez em quando, descobrimos soluções, saídas, melhorias, mesmo que isso não renda fama, foto ao lado da celebridade ou mesmo reconhecimento universal. O teimoso funcional é o cara que, depois de várias noites em claro, se dá ao luxo de realizar o velho clichê de deitar a cabeça no travesseiro e apagar, com aquele gostinho de missão cumprida, mesmo quando foi necessário voltar de longe.



Edgard Coutinho Pereira

Gerente de Operações | Logística | Green Belt | Supply Chain | Lean | Transportes | Last mile | Business Intelligence | WMS | Armazém | Melhoria contínua | E-commerce | Cross Docking

6 a

Adeildo, me identifiquei bastante no seu texto! Também me considero um teimoso funcional e reflito muito quando alguém diz: "O bom é inimigo do ótimo". Quando afirmam isso instintamente acredito que impede uma solução densa através do método, e a superficialidade da tratativa não alcança a causa raiz., também conhecido como "jeitinho". Como você mesmo disse, já que não podemos ser perfeitos, busquemos a excelência, o melhor que pudermos fazer. Gratidão por compartilhar.

Leonilson de Lima Doyle

Gestor Adm. Operacional e Processos do Hopsital São Vicente

8 a

Eu costumo dizer: o que vc chama de teimosia, eu chamou de persistência! É preciso alguns pilares para ser um "teimosa funcional". É preciso não ter medo de errar. É preciso conhecer as ferramentas. É preciso acreditar que tudo pode ser feito de uma maneira melhor em cada tentativa! Parabéns Del pelo artigo, e pela excelente visão sobre aqueles que são muitas vezes açoitados e agredidos por serem chamados de TEIMOSOS! Manda mais!!!

Leonilson de Lima Doyle

Gestor Adm. Operacional e Processos do Hopsital São Vicente

8 a

Como eu sempre digo: não sou teimoso, sou persistente !! Excelente visão em relação àqueles que são açoitados e ofendidos por serem teimosos! Del, parabéns pelo artigo e mande mais!!

David Lopes

M.Sc | IT Manager | Data Analytics Manager | Operational Excellence Manager | Digital Health | Mentor

8 a

adeildo sousa (Ildo), texto recheado de aprendizados expostos (diretos) e também muita coisa escondida entre uma linha e outra. Quem trabalhou, errou e aprendeu muito ao seu lado, entende muito mais que um leitor que não conhece o seu talento. Parabéns pelo texto, continue contribuindo neste espaço.

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