Thiago Carpini, "Suits" e as exigências que seguem o crescimento na carreira
Thiago Carpini é, talvez, um dos melhores exemplos de como o mundo corporativo pode ser "cruel", as vezes. E isso mesmo sem nunca ter batido ponto em um escritório na vida.
Como jogador, Carpini não teve lá grande destaque assim. Os maiores times em que jogou foram Ponte Preta e Atlético Mineiro, com passagens curtas. Seus trabalhos mais longos foram em times pequenos nas séries B, C e D do Brasileirão. Até que em junho de 2017 anuncia que estava se despedindo dos gramados. Dada sua atuação modesta, a "aposentadoria" não causou nenhum barulho.
Foi como técnico que Carpini cresceu. Teve atuações boas, mas em times pequenos. Começou como auxiliar no XV de Piracicaba, para logo após assumir o Guarani. Passou por Oeste, Inter de Limeira e Santo André, sendo que nesses dois últimos levou os times às quartas de final do Paulistão, em 2021 e 2022, respectivamente. Depois teve uma passagem rápida pela Ferroviária, até que assumiu o pequeno Água Santa.
Talvez ele nunca imaginasse que um time pequeno de um bairro da periferia de Diadema, sem nenhum título de expressão, o levasse a ser reconhecido nacionalmente.
Com o Água Santa, Carpini teve uma de suas melhores atuações, levando o time à final do Campeonato Paulista de 2023, um feito elogiável, além de conquistar o acesso ao Brasileirão pela série D e o direito de disputar a Copa do Brasil. Nesse campeonato Carpini não só levou o título de melhor técnico do Paulistão - superando até mesmo o superman-do-ego-inflamadíssimo Abel Pereira, como também virou queridinho da mídia esportiva brasileira, e foi alçado ao título de promessa do futebol brasileiro.
Tudo parecia correr bem ao novo super talento do futebol brasileiro, que vive de criar herois.
O problema é que o mesmo futebol que cria herois também os destroi, geralmente na mesma velocidade.
Depois de mais um bom trabalho, dessa vez no Juventude, Carpini chega enfim ao panteão sagrado do futebol brasileiro, tão almejado por qualquer profissional do futebol que se preze: a elite do futebol. Consagrando uma carreira que parecia não parar de crescer e ganhar robustez, Carpini assina com o São Paulo, em janeiro de 2024. E já chegou "chegando", como diriam os mais antigos. Quebrou o maior tabu do futebol de elite paulista: a invencibilidade de quase 10 anos do Corinthians sobre o São Paulo no Itaquerão. Não contente com isso, derrubou outro gigante: o mesmo superman-do-ego-inflamadíssimo Abel Pereira que o derrotou na final do Paulista em 2023, vencendo o Palmeiras na Supercopa Rei. Carpini virou figurinha carimbada na Globo. Todo mundo só falava nele, em como ele vinha se tornando o melhor treinador do Brasil. Parecia estar vivendo o auge de sua carreira. Nada parecia que iria dar errado.
Mas como eu disse lá em cima, o mesmo futebol que cria herois também os destroi, geralmente na mesma velocidade.
Bastou o São Paulo entrar em uma sequência de duas derrotas (sim, duas) para a carreira brilhante de Carpini ser questionada. No mesmo Paulistão onde em 2021 e 2022 Carpini foi eliminado com seus times nas quartas de final e ainda assim foi considerado um grande nome do futebol, Carpini foi chamado de "burro" pela torcida são-paulina em 2024, após a eliminação do time nas quartas do Paulistão. Depois de ser duramente criticado pela mesma imprensa que o carregou nos braços em 2023, Carpini foi demitido do São Paulo.
Mas espera: no mesmo campeonato, os times que Carpini dirigia chegaram à mesma classificação em 2021 (Inter de Limeira), 2022 (Santo André) e 2024 (São Paulo). Por que em 2021 e 2022 isso foi considerado um feito heroico e em 2024 Carpini foi chamado de "burro"?
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Eu digo porque: era o mesmo campeonato e a eliminação aconteceu na mesma etapa, mas os times eram muito diferentes.
Quanto mais você cresce, mais você é cobrado.
Para o Inter de Limeira e Santo André, chegar às quartas de final da elite do Paulistão era motivo de comemoração. Para o São Paulo, ser eliminado nessa mesma etapa foi inadmissível. Chegar à elite do futebol implica estar pronto às cobranças que um time de elite sofre.
Quando você cresce na carreira, precisa ter muito firme em seu mindset que a expectativa sobre suas entregas será maior. Algumas boas habilidades suas que eram elogiadas em espaços pequenos serão vistas como óbvias demais quando você chega num trabalho maior. Você deixará de ser elogiado pelas habilidades que te fizeram crescer, e será desafiado a mostrar mais; passará a ser cobrado por novas skills, sejam elas hard ou soft.
Na série Suits, uma frase me chamou muito a atenção logo na primeira temporada: "você prefere cair do terceiro andar ou continuar subindo e cair lá do alto?". No mesmo episódio, o protagonista brinca com uma colega de trabalho e finge ter sido furado por uma faca nas costas depois de uma brincadeira irônica da colega, e ouve dela: "se sua casca fosse mais grossa a faca não teria te furado".
Para crescer na carreira não podemos entrar em zonas de conforto. Ou você continua se especializando, continua se atualizando e criando "casca grossa" para disputar andares mais altos e atender às expectativas cada vez maiores, ou será atropelado pelo trator do capitalismo e terá de concorrer nos andares mais baixos, onde terá muito mais gente concorrendo.
Essa exigência pelo aperfeiçoamento não é ruim, óbvio que não. Crescer nos desafia, nos faz sentir incomodados com o lugar onde chegamos. Passamos a sentir vontade de querer saber mais, de querer crescer mais. É uma ambição positiva. Isso é saudável. Mas exige atitude. Você precisa se mexer. Se antes você precisava de uma graduação para se destacar, nos andares mais altos sua graduação não vai fazer muita diferença. E quer saber? É boa demais a sensação de estar adquirindo habilidades novas, competências novas.
Thiago Carpini é um técnico de grandes habilidades. Mas essas habilidades que o fizeram se destacar no mercado não serviram para o manter na elite do futebol. Ele precisa mostrar mais. Muito mais. E assim como funciona no futebol, funciona na vida, seja no mundo corporativo, seja como dono de uma pastelaria. Ou você continua se preparando e se blinda para enfrentar o mercado, ou você será trocado.
Assim como o inverso deve acontecer: quando suas habilidades são maiores do que o lugar onde você está, é hora de procurar um lugar novo, que te desafie mais.
Torço para que o Carpini se encontre novamente no futebol muito rapidamente. Mas mesmo com essa carreira brilhante, eu não o queria no Corinthians, meu time do coração; mas bem que eu queria que ele fosse contratado pelo Mirassol, meu segundo time.
Deu pra entender?