A Tia da Pedagogia e o futuro “hoje em dia”

A Tia da Pedagogia e o futuro “hoje em dia”

Se eu te perguntar qual é o senso comum com relação as pedagogas e pedagogos, o que você responderia? Se fosse realizada uma pesquisa em grande escala para descobrir qual é a primeira imagem que vem à cabeça das pessoas ao pedirmos que pensem em um profissional da pedagogia, professor de educação infantil ou pré-escola, qual imagem vocês acham que prevaleceria nas respostas?

               Pois bem, acho que seriam pesquisas muito pertinentes, mas tenho uma hipótese de que (tirando aqueles que trabalham na área, que se relacionam diretamente com este campo ou que tenham noção da profundidade no assunto) a imagem mais vezes projetada pelas pessoas seria a da “tia da pedagogia”, ou a “tia do Jardim de Infância”, algo do tipo. Temos então uma concepção de “hoje em dia” atrelada as profissionais da pedagogia.

               Tal imagem é de fato apenas uma imagem, no sentido de que é simplesmente imaginária e não condiz com a realidade. Assim, ela é uma construção coletiva que muito diminui esta importante área profissional que contribui de maneira riquíssima e fundamental no processo de formação de humanos (no sentido mais amplo possível). Explico o porquê:

               Um dos pontos mais fortes deste senso comum é que a educação infantil e pré-escola servem apenas como um depositário de crianças para que os pais trabalhem; outro ideia é que estas modalidades da Educação já são os primeiros passos para uma caminhada “evolutiva”, linear e acadêmico/profissional, colocando-as a necessidade de já se enquadrar (atenção aqui ao verbo “enquadrar”) as crianças como futuros profissionais e que ali já deram início a tal trajetória.

               Sim, de fato as crianças um dia crescerão e se tornarão profissionais com a necessidade de adentrar no mercado de trabalho, e sim, enquanto as crianças estão nas instituições de ensino os pais podem ter mais tranquilidade para executar suas profissões; mas é bem perigoso acreditar que são estes os objetivos principais da educação infantil e fazer deles os pilares deste segmento da Educação Formal. Isso se deve pelo fato de que crer nisso é delegar aos profissionais Pedagogos a função apenas de vigiar suas crianças e de brincar com elas.

               Calma aí, brincar com criança é algo pequeno, é algo fácil e simples? Não tem utilidade pedagógica nenhuma? Pois é, aí que muitos se enganam e corroboram com outro senso comum muito forte sobre estes profissionais: a ideia de que trabalhar com crianças é fácil já que é só brincar com elas (não é atoa o ditado popular: “isso é brincadeira de criança”).

               Acontece que poucos conseguem ver a gigantesca importância das brincadeiras para a socialização de nossos pequenos, para a construção de identidade, subjetividade, conhecimentos formas e informais, aprendizagem de lidar com adversidades, trabalhar em coletivo... e assim vai a lista quase que interminavelmente. Não faltam estudos, artigos, livros e afins para comprovar isso (as referências são vastas). Além disso, na formulação e escolha das brincadeiras, estes profissionais dedicam muito tempo de trabalho e atenção para formulá-las e executa-las. Não se esqueçam que durante a execução destas atividades as pedagogas(os) estão sempre com olhar e escuta atentos; e pode ter certeza, isso da um trabalhão e não é fácil.

               Para quem ainda não se convenceu da importância do período da infância na nossa vida e consequentemente na extrema relevância que tais profissionais tem em nossa sociedade, gostaria de lembra-los de um dos conhecimentos científicos mais revolucionários dos últimos 200 anos: a descoberta do inconsciente e a construção da Psicanálise. Não pretendo me aprofundar em conceitos ou termos complexos, mas só pra dar uma ideia, segundo a teoria Psicanalítica (que muitas vezes é refutada, mas sem sucesso) a nossa infância é simplesmente o momento em que iremos “formar”, “construir”, “descobrir” nossos desejos, recalques, mecanismos de defesa psicológicos; é quando construímos a base estrutural da nossa ideia de Eu, nossa identidade, nossos gostos e desgostos mais basilares. Segundo a teoria Psicanalítica, nunca conseguimos fugir de nossa infância ou de nossos desejos e traumas, conseguimos apenas lidar com elas de maneira mais saudável e equilibrada. Freud e Lacan são bem enfáticos nisso, e outra autora bacana é a Klein, que aponta inclusive para estes processos desde o nascimento do bebê.

               Para a maioria das crianças, a Escola ou pré-escola é o primeiro lugar que há o contato com o mundo exterior a sua casa, e isso tem uma relevância incalculável em como ela vai lidar com o mundo a sua volta e consigo mesma, tanto durante sua infância quanto no futuro.

               Encontramos bastante como um senso comum a ideia de que ser criança é ser menos, saber menos, estar em falta de, não ser capaz de. Honestamente, acho que quem pensa isso nunca conviveu com uma criança; ou está tão cego/surdo que não prestou atenção na complexidade que há em uma criança. É impressionante o poder de imaginação, investigação, curiosidade, criação, associação, percepção dos pequenos... E pode ter certeza, essa lista é maior.

Há uma quantidade enorme de autores e pensadores que falam que: “Nós nascemos criativos e desaprendemos depois”; “Nascemos exploradores e desaprendemos depois”; “Toda criança é um cientista que nós educamos para deixar de ser”; “Pensar como criança é não estar preso nas respostas certas e poder pensar criativamente além das prisões da lógica”... E assim vai. É importante sabermos: as crianças tem uma capacidade cerebral de adaptação, aprendizagem, criação e neuroplasticidade absurdamente enormes se comparadas as de um adulto! É impressionantemente complexo e rico o trabalho com uma criança.

Existe um estudo bem famoso que mostra como as crianças, mesmo que não sejam ensinadas diretamente ou indiretamente os padrões de beleza, inteligência, competência, elas conseguem observar os padrões e acabam os absorvendo. Desse estudo saiu até um vídeo no youtube de crianças sendo perguntadas sobre a boneca mais bonita ou mais inteligente ao serem apresentadas com uma boneca branca e outra negra. Vale a pena conferir.

               Está ficando um pouco difícil sustentar a imagem da “tia da pedagogia” que temos hoje em dia, não? Pois é, além de tudo isso, há a questão, esta PEQUENA questão: social e ética. É papel da escola e pré-escola mostrar para nossos pequenos que desigualdade social, racial, de gênero não é bacana. Claro, não é pra sair mostrando palestras, documentários e referências bibliográficas na educação infantil; mas é sim papel dos pedagogos e pedagogas, através de brincadeiras, histórias e atividades, conversar sobre o assunto, mostra-los que podem pensar de maneira humana e não simplesmente reproduzir o padrão que há instaurado. A responsabilidade na construção de uma sociedade mais igualitária e humana recai bastante nestas profissionais tão diminuídas e desvalorizadas.

               Goffman, um sociólogo canadense, cunhou um conceito bem interessante de ser pensado, que é o de “estigma social”. Este conceito fala um pouco sobre como as ideias “estigmatizantes” e construtoras de estereótipos que as sociedades apresentam tem o poder de enquadrar e “influenciar” as pessoas. A ideia é de que um grupo específico que é visto pelo resto da sociedade como atrelado a alguma característica ou gosto ou práticas, acaba por tender a acatar este estereótipo, mesmo que não tenha vindo de seu desejo ou crença pessoal.

               Imaginem isso aplicado os pedagogos e pedagogas que têm este “estigma social” de serem “a tia do jardim de infância” ou a “tia da creche” que é atrelado a inúmeras inverdades da profissão. Agora imaginem atrelado as crianças, estigmas que elas são incapazes, menores, que precisam se enquadrar e estar uniformizada ao meio. Pois é, a questão é bem profunda mesmo. Profunda e COLETIVA, ou melhor dizendo, SOCIAL. (Também é referente a uma questão ECONÔMICA, mas me atentarei a este tema especificamente em um outro texto)

               Acontece que não adianta então procurarmos a escola que mais valoriza tudo que é de bacana em educação infantil, e que super apoia os pedagogos e pedagogas (financeiramente e de suporte)... Não adianta porque vivemos em sociedade, e seu filho/filha que tiver a oportunidade de ter uma educação na primeira infância super rica, irá compartilhar a vida, o mundo, o trabalho, o cinema, e tudo que você possa pensar, com pessoas que não tiveram essa mesma educação. Por isso se faz necessário que no futuro possamos ter um senso comum diferente. Um senso comum que diga “hoje em dia, a tia da pedagogia é valorizada”; “hoje em dia, entendemos que a educação infantil é muito importante na construção de uma sociedade melhor”; “hoje em dia, ser pedagogo/pedagoga é reconhecido pelo seu grande valor”.

               Vale lembrar, que mesmo neste contexto, ser pedagogo/pedagoga é motivo de MUITO ORGULHO e satisfação, tanto pessoal quanto profissional (mesmo recebendo pouquíssimo). Quem convive e trabalha com pedagogia sente um amor a educação que é incrivelmente recompensante. Estes estereótipos e desvalorizações vem de fora, porque de dentro temos mesmo é muito orgulho e sabemos da grandeza que é ser PEDAGOGO.

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