Trabalhar com o que se ama nunca foi tão simples

Trabalhar com o que se ama nunca foi tão simples

Muita gente tem defendido que se trabalhamos com o que gostamos, tornamo-nos mais produtivos e, principalmente, mais felizes. E quando gostamos muito do que fazemos, o trabalho chega até mesmo a se confundir com diversão.

Isso é obviamente indiscutível, no entanto algumas contas não fecham. Se todas as pessoas do mundo, por exemplo, adotassem como regra que é preciso trabalhar apenas com o que se ama, pois assim elas seriam realmente felizes, certamente não haveria trabalho para todos e, ao mesmo tempo, muita atividade fundamental e necessária deixaria de ser realizada.

Além disso, ser feliz, sentir-se realizado, gostar do que se faz, são estados relativos, nunca absolutos. Você até pode gostar do que faz, mas o tempo todo? Você conheceu alguma pessoa que ame absolutamente tudo o que faz? A realidade é que ninguém está completamente satisfeito ou insatisfeito com o seu trabalho.

E talvez por essa razão não seja difícil encontrar pessoas que, mesmo não gostando, dedicam-se de coração e alma ao trabalho que realizam. Possivelmente isso ocorra porque elas se sentem realizadas e felizes pela sensação de dever cumprido ou, ainda, por sentirem-se úteis, por verem que o resultado do seu trabalho agrega algum valor na vida das pessoas. Nem todo varredor de ruas gosta do que faz, mas uma boa parte deles sabe que alguém precisa manter as ruas limpas e, afinal de contas, eles não se sentem felizes porque amam varrer ruas, mas porque, embora raramente sejam reconhecidos, eles sabem que todas as pessoas à sua volta estão contando com eles.

Por esses motivos, o discurso do "ame o que faz" algumas vezes aparenta ser frágil. Talvez também porque ele normalmente se ampare apenas na premissa da autosatisfação ou da "minha felicidade acima de tudo", sendo que há muito mais a ser considerado. As pessoas defendem que é preciso mudar de trabalho para ser feliz enquanto, tantas vezes, a única coisa que falta é mudar de perspectivas. Não se trata de fazer apologia ao comodismo ou conformismo, só me parece mais razoável e realista reconhecer que uma pessoa pode sentir-se realizada e feliz em qualquer atividade a que se dedique. E isso pode ser realmente simples.

Em tudo o que fazemos há muito de autodoação, porém isso normalmente não é algo explícito, claro ou objetivo. Já percebeu que em nosso ambiente de trabalho sempre há um colega que se destaca mais porque, além de muito esforçado, ele parece estar sempre de bem com a vida? Tudo indica que o grande segredo para ser feliz no trabalho e em qualquer lugar depende apenas de colocar as pessoas que nos cercam como a variável central da equação. Para isso, precisamos reconhecer que a nossa felicidade e realização infalivelmente derivam da felicidade e realização que proporcionamos. Ou, como diz Zig Ziglar: "O seu sucesso é proporcional ao número de pessoas que você ajuda".

Para citar um exemplo recente disso, há alguns dias eu solicitei um documento em um órgão público, e o servidor que me atendeu foi logo esclarecendo que seria preciso pelo menos 10 dias para emiti-lo. Expliquei então que seria muito importante obtê-lo em no máximo cinco dias, do contrário eu perderia uma oportunidade que faria toda a diferença para mim. E acho que o mais comum, nesses casos, é ser tratado com indiferença e receber uma resposta parecida com: "infelizmente não posso fazer nada". Mas em lugar disso, ele respondeu: "bem, então vamos tentar, vou encaminhar tudo ainda hoje". E esclareceu também que solicitaria urgência aos demais envolvidos no trâmite, uma vez que não dependia apenas dele.

Preciso confessar que fiquei surpreso quando, quatro dias depois, ele me ligou avisando que estava tudo pronto. E eu sei que tudo isso soa como o tradicional e desagradável "jeitinho brasileiro", mas não houve nenhum jeitinho, pois não propus qualquer tipo de favorecimento e tampouco ele sugeriu. Eu também não o conhecia ou fui a ele recomendado. Trata-se de um exemplo simples, mas genuíno, de alguém preocupado em cumprir o seu dever da melhor maneira possível. De alguém que se doa, e o faz naturalmente, com simplicidade, apenas tratando as pessoas com respeito, atenção e boa vontade. Certamente muita gente se sentiu, tal como eu, imensamente grata pela sincera preocupação em ajudar demonstrada pelo bom rapaz e, claro, por ter de fato ajudado. E é fácil imaginar que ele gosta do que faz, porque ficou claro que ele sabe depositar amor no que faz.

A moeda de troca, nesses casos, é algo normalmente muito simples. É um sorriso, um olhar, são palavras, é tudo que expressa gratidão. Sempre algo inestimável, pois todo mundo sabe que tudo o que vem do coração não tem preço - e de que outro modo poderia nascer a felicidade mais verdadeira?

Amar o que fazemos, portanto, não está exatamente associado ao que fazemos em si, mas às premissas e perspectivas que temos sobre o que estamos fazendo. E a velha discussão sobre a felicidade e satisfação no trabalho sempre será um tema bem-vindo, no entanto precisamos examiná-lo com mais cuidado.

O êxito em sermos felizes depende diretamente da nossa capacidade de gerar felicidade, não apenas como um resultado do que fazemos, mas do que somos. E, com isso, percebemos que é simples amar o nosso trabalho, não é difícil nos sentirmos felizes com o que fazemos, independente do que seja.

Gustavo Scheffer

Editor e revisor de textos; pesquisador de cinema

7 a

Ótimo texto, ótimas reflexões.

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