A Trajetória do Mito
Fábio Fonseca e Silva - foto O Cruzeiro 1971

A Trajetória do Mito

O mito é definido por muitos pela capacidade de realizar feitos admiráveis. Destaca-se por realizações heroicas e por vezes hercúleas. Os feitos são de tal forma fantásticos que a transmissão oral suplanta qualquer registro escrito que se tenha. No tempo atual um mito de verdade deve ter vivido e sido protagonista das hashtags que o marcam. Como as que destaco ao final desta homenagem. Ao tentar escrever sobre um mito é preciso se basear justamente nas falas de quem viu, viveu e conheceu Fábio Fonseca e Silva. A publicação ocorre em 20/02/2020, data que apresenta uma combinação numérica inusitada, e marca a comemoração de seu centenário. Há 100 anos nascia o jovem, o homem, o marido, o pai e o mito. As histórias dele foram passadas a mim pela geração anterior. Relatos vivos e cheios de cores, principalmente alvinegras, fazem vibrar as letras que se seguem.

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1º Campeão Brasileiro de Futebol - Nelson Campos e Fábio Fonseca e Silva (troféu) - Telê Santana e Fábio Fonseca (beira do campo).

A Incrível Carreira de Fábio Fonseca

Acredito que a trajetória de carreira do Dr. Fábio encaixa-se no perfil de mito. Imagine um jovem de Uberlândia convocado para 2ª Grande Guerra mundial, que atravessa o Atlântico sob o risco de afundamento pelos temíveis U boats nazistas, e que retorna inteiro da Itália para seguir sua vida após 2 anos (1944 e 1945). Na sequência forma-se em medicina Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1950. Seu CRMMG é o de número 230 (hoje o registro médico segue com muito mais do que três dígitos). O clínico geral que atende a pacientes, inclusive pobres, tinha a capacidade de diagnosticar pela íris. Talvez uma habilidade ancestral cabocla de sua mãe indígena, Dona Sinhá. Ou quem sabe habilidade investigativa treinada para correlacionar manchas e matizes do olhar com deficiência de vitaminas essenciais ou excesso de sais e metais. Fábio também torna-se professor de medicina, e alcança a presidência do Departamento de Clínica Médica da Associação Médica de Minas Gerais e professor de Pneumologia e de Clínica Propedêutica da Faculdade de Ciências Médicas de Belo Horizonte. Foi responsável pela clínica médica da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Pertenceu, também, ao corpo clínico do Sanatório Imaculada Conceição, criando um curso de alfabetização para adultos e um banco de medicamentos. Na sequência torna-se responsável pelo departamento médico do time de futebol Atlético Mineiro. A partir daí o Pracinha da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e médico se funde à história do Galo. Em 1960, 1966 e 1967 foi vice-presidente do clube. Já em 1962, 1963 e 1967 foi presidente do galão da massa.

Fábio e equipe fizeram parte de um dos feitos históricos do Galo: primeiro campeão brasileiro de futebol. Telê Santana era o técnico.

O MITO e seus folclores

FAO

Entre passagens folclóricas destacam-se a criação da FAO (Força Atleticana de Ocupação - Dragões da FAO) a primeira torcida organizada de minas. A sua roupa preferida era a camisa preta e a calça branca, principalmente em dias de jogo.

O Dia em que o Mineirão Ferveu!

Ele já chutou uma corbelia de flores do Botafogo em pleno Mineirão. Era 1967 e as flores representavam um sinal de paz do time adversário, após um jogo hostil pelos cariocas e viagem tensa ao Rio de Janeiro. Imagine a cena: Fábio recebe de forma humilde e respeitosa as flores do Botafogo de um lado do campo. Ele volta ao seu lado de campo. Neste momento estão de costas Botafogo e Galo. Fábio, diante da torcida do Galo, chuta as flores e agita o corpo e o vozeirão para a massa. Naquele 15 de novembro havia 71.997 pessoas no estádio. O Mineirão então ferve. O Atlético elimina Botafogo da Taça Brasil, após empate em 1 x 1. Outra curiosidade é que Fábio visitou e ajudou a aprovar o local de construção do Mineirão (e hoje o Galo em vias de ter o próprio estádio - a história de um time é a soma do trabalho de muitos, ao longo do tempo).

Injeções Mágicas e a quase contusão do Rei... fora de campo, será?

Há quem diga também do relacionamento nos vestiários com os jogadores. Já houve atleta que pediu por "injeções mágicas" do Dr. Fábio. Nem adianta pensar que era dopping ou infiltrações! Reza a lenda que o jogador queixoso de seu rendimento acreditava que as injeções davam vantagens em campo. Na verdade tratava-se apenas de efeito placebo. Numa outra passagem com jogadores, brincavam de "bobinho" com a bola, no vestiário. Sem habilidade para futebol, e usando um sapato social, chuta sem jeito e acerta o joelho de ninguém menos que o Rei (eterno Reinaldo). Como trata-se de uma lenda, Reinaldo poderá confirmar ou não esta passagem.

Receita para encher estádio em dia de clássico

Hoje quando vemos o estádio cheio em dia de clássico nem imaginamos como isso nasceu. Parece instantâneo e lógico imaginar que é um movimento natural. A rivalidade de Cruzeiro e Atlético teve uma "ajudinha marota" de dois amigos. De acordo com minha avó, por várias vezes eles receberam o amigo Felicio Brandi (ex presidente do Cruzeiro) para almoçar. A conversa era sobre quais ofensas e falas entre os dois presidentes seriam ditas à imprensa esportiva da época. Um jogo de cena para incendiar ambas torcidas a comparecer e comprar ingressos. Um tempo onde o marketing esportivo, licenciamento, verba de tv entre outras fontes de receita eram evoluções do porvir. Era um tempo de bravatas, sem agressões físicas. Uma pena existir, no momento em que vivemos, indivíduos que cometem crimes e violências, sob o manto de torcer para um time de futebol. Quando será que teremos o retorno seguro e em peso das famílias, das mulheres e crianças aos nossos gramados?

Eleito pelo povo e para o povo

Do futebol à política Fábio elegeu-se com apoio da torcida para Deputado Estadual e Deputado Federal. Apesar do chavão "pelo povo e para o povo" no título parecer distante de nossa crença atual, os tempos eram outros. Talvez a origem do Dr. Fábio, de uma Minas profunda e agreste, tenha impactado em seus mandatos. Talvez também os rigores da educação daquele tempo e da guerra tenham forjado uma coluna moral e de conduta. Quem sabe até o exercício da medicina o tenha mostrado as fragilidades humanas e o nobre sacrifício de zelar pela vida. Na legislatura sua carreira médica foi fundamental para o enfrentamento da indústria farmacêutica àquela época. Precisou andar armado, devido a ameaças que por sorte nunca se concretizaram. Participou de inúmeras e importantes comissões. Foi também Membro do Conselho Federal de Medicina, representando o Brasil em 1972, na XXVI Assembleia da Associação Médica Mundial, realizada em Amsterdam, na Holanda. Também representou o país na IV Conferência de Estudos e Ensino Médico, reunida em Copenhague, na Dinamarca. Sua carreira no futebol fez de Fábio um dos responsáveis pela regulamentação da profissão de jogador de futebol.

Defesa da Democracia na 2ª Grande Guerra, Medicina, Educação, Política e Futebol marcaram a trajetória deste mito.

Sua carreira movimentada foi possível pelo apoio incondicional e ponderado de sua esposa, Eny Lippi Fonseca. Tiveram 5 filhos que viram e viveram a epopeia. Eram eles meus tios (Adolfo, Ricardo e Carlos Alberto) e meu pai (Fábio Lippi Fonseca), que já estão no céu com meu avô. E minha tia madrinha (Ângela Maria Lippi Fonseca) que guarda ainda muitas histórias para contar. Dos netos há apenas eu e minha irmã Sabrina. É preciso contar que mesmo com uma trajetória mítica Fábio Fonseca e Silva possuía apenas sua casa própria e uma Caravan, ao falecer em 1984. E ainda que seus filhos nada herdaram além do legado, da honradez e das memórias.

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Acredito que o mito possui um final de trajetória despido de ouro e bens. Ele já se regalou com elementos de valor inestimável. Obteve glórias sobre humanas, voou próximo do sol e colecionou experiências para além da compreensão de muitos. O mito é um empreendedor de seu destino, abrindo caminhos e impactando na vida de muitos. O tesouro do mito é ter a felicidade e a honra de ter ser sido aclamado por direita e esquerda, pelo Galo e pelo Cruzeiro, como amigo, companheiro e mineiro de dar orgulho. O mito nos ensina que a paixão pelo que se faz é um tesouro valioso que segue para além da vida.

Infelizmente O Galo hoje, saiu da Sul-americana, mas venceu de 2x0 em 20/02/2020. Um novo folclore para marcar o centenário de Fábio Fonseca e Silva.

Saudades.

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