Transição Energética #02

Transição Energética #02

Em que direção aponta o fluxo de investimentos no setor de energia?

Conforme vimos no artigo anterior, há uma transição energética em curso no mundo, com crescimento exponencial das fontes renováveis, ainda que abaixo da expansão da demanda por energia elétrica. Essa transição tem motivações fundamentalmente ambientais e foi um dos temas em evidência no Fórum Econômico Mundial de 2020. Neste artigo abordarei o fluxo de investimentos no setor energético nos últimos anos, buscando avaliar quais as tendências e qual a relação com a transição energética, que é o principal tópico deste conjunto de textos.

Como ponto de partida, destaco o gráfico abaixo, que consta na última versão do World Energy Investments (WEI), da Agência Internacional de Energia (IEA). Ele faz uma comparação entre os investimentos anuais direcionados ao setor de energia elétrica e ao setor de óleo e gás natural – que, juntos, perfazem mais de 80% dos investimentos totais em energia.

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Fonte: [1]

Nota-se um fato interessante: desde 2016, os investimentos em energia elétrica superam aqueles direcionados à produção e transporte de óleo e gás natural – após pelo menos uma década de predomínio do setor de petróleo. Essa liderança do setor elétrico na atração de capital sugere que a eletricidade terá papel cada vez mais relevante na matriz energética mundial (hoje, a eletricidade responde por menos de 20% do consumo global de energia).

Outra evidência dessa eletrificação da matriz energética está no consumo de energia elétrica, que, em 2018, cresceu a uma taxa quase duas vezes maior do que o consumo global de energia [1]. E essa tendência deve se confirmar nos próximos anos, especialmente com a evolução dos veículos elétricos (VE’s).

Aqui vale uma observação sobre os VE’s: em 2018, 2 milhões de carros elétricos foram comercializados no mundo, contra mais de 80 milhões de veículos de combustão interna. A expectativa é que, até meados da década de 30, os carros elétricos representem 50% do total de veículos comercializados no mundo [2], o que afetará sensivelmente o consumo de energia elétrica (para cima) e de combustíveis fósseis (para baixo).

Um dos pilares da transição energética é a eletrificação da matriz, puxada pela expansão das fontes renováveis e pelo crescimento da demanda por eletricidade

Bom, mas se o futuro da matriz energética é elétrico, como evoluíram os investimentos no setor elétrico nos últimos anos? Outro gráfico retirado do WEI ilustra bem o caso.

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Fonte: [1]

Observa-se que os investimentos em energias renováveis triplicaram desde 2005, superando U$$ 300 bilhões em 2018 (quase 40% dos investimentos em energia elétrica). Por outro lado, os investimentos em geração proveniente de combustíveis fósseis vêm caindo desde 2010. E, apesar de todas políticas restritivas, a fonte nuclear mantém posição relevante nos investimentos em energia elétrica.

Há mais uma informação que merece destaque: os investimentos em redes de transmissão e distribuição. Nota-se que, desde 2005, os investimentos anuais em rede superam U$$ 200 bilhões, sendo que, em 2018, o valor foi equivalente aos investimentos em geração renovável (sendo 1/3 do valor em transmissão e 2/3 em distribuição). Porém, do total investido, menos de 10% foi em digitalização da rede (smart meters e smart grids).

Ou seja, vultuosos investimentos em redes e equipamentos de rede ainda são feitos anualmente, para manter a qualidade do atendimento, a confiabilidade do sistema e para possibilitar a integração das fontes renováveis. E dado que os investimentos em rede são tipicamente regulados – e de longa maturação – ainda conviveremos, durante um bom tempo, com as tradicionais redes de transmissão e distribuição de energia (voltarei a este tópico em outro artigo).

Mas este não seria um artigo sobre transição energética se não desse destaque ao fino traço laranja que aparece no gráfico. Ainda que proporcionalmente menores, os investimentos em armazenamento (battery storage) superaram U$$ 4 bilhões em 2018, valor 45% superior ao de 2017 e 60% superior ao de 2016. Estudo da BloombergNEF estima que, nas próximas duas décadas, os investimentos em armazenamento devem demandar mais de U$$ 660 bilhões, saindo de 9GW instalados em 2018 para mais de 1000 GW em 2040 [3].

Esse crescimento das tecnologias de armazenamento tem potencial para transformar radicalmente os sistemas elétricos ao redor do mundo, assim como para colocar em xeque o desenho dos mercados de eletricidade, estruturados para os sistemas de potência tradicionais. Porém, além de revolucionar a arquitetura do setor, as baterias também serão fundamentais para a integração das renováveis, especialmente por sua flexibilidade operativa (este tópico também será discutido em artigos futuros).

Antes de concluir este artigo, gostaria de voltar às discussões do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Durante o Fórum, a IEA lançou um relatório especial sobre o papel da indústria de óleo e gás no contexto da transição energética [4]. Um dos destaques do estudo foi apontar quanto as principais empresas de óleo e gás do mundo têm investido em energias renováveis: menos de 1% do capital total investido.

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Fonte: [4]

Nesse sentido, o apelo do relatório foi para que as grandes companhias considerem alocar mais capital em soluções renováveis, a fim de acelerar o cenário de transição energética. E tais investimentos não deveriam ser direcionados apenas à geração de energia elétrica, mas também em hidrogênio de baixo carbono, biometano e biocombustíveis avançados [4].

Concluindo, conforme vimos neste breve artigo, o fluxo de investimentos no setor de energia começa a apontar na direção da transição energética, com relevante concentração de capital em geração renovável de energia elétrica. Porém, os investimentos em redes de transmissão e distribuição demonstram que a transição para um setor mais descentralizado e digitalizado ainda levará tempo. Assim como o baixo direcionamento de investimentos em renováveis pela indústria de óleo e gás demonstra que há um enorme nicho da indústria de energia que ainda irá se desenvolver, antes de diminuir.

Mas a transição também traz desafios e custos associados, o que ainda demandará muito investimento, conforme diversos estudos e importantes executivos do setor têm enfatizado [5]. Por isso, no próximo artigo, pretendo abordar a seguinte questão: o que podemos esperar em termos de custos de integração das fontes renováveis?

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Este artigo reflete a opinião do autor e não necessariamente a da instituição onde trabalha.

Referências:

[1] IEA, 2019. World Energy Investment 2019.

[2] BloombergNEF, 2019. Electric Vehicle Outlook 2019.

[3] BloombergNEF, 2019. Energy Storage Outlook 2019.

[4] IEA, 2020. The Oil and Gas Industry in Energy Transitions.

[5] Ver, por exemplo, opinião do Presidente da Total, Patrick Pouyanné, manifesta em painel no Fórum Econômico Mundial.

Andre Prado

Data Analyst | SQL | ETL | DAX | PowerBI | Dashboards

4 a

É interessante pensar em bateria/armazenamento como uma alternativa complementar às redes elétricas e suas limitações e perdas inerentes,

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