TRILOGIA DO CUIDADO: novas possibilidades na perspectiva do Cuidar de Quem Cuida

TRILOGIA DO CUIDADO: novas possibilidades na perspectiva do Cuidar de Quem Cuida

Os estudos mais recentes e as melhores práticas na saúde estão focados na busca do “Triple Aim”, uma referência de excelência do IHI (Institute for Healthcare Improvement), que trabalha de forma ampla e sustentada uma melhor saúde populacional, o menor custo na realização do serviço e a experiência do cuidado. Dentre as três abordagens do Triple Aim, uma nos chama maior atenção por seu impacto expressivo na dinâmica de sustentabilidade e excelência na relação entre cliente final e serviços de saúde – a experiência do cuidado. E quando se fala sobre relacionamento com o paciente, interface com a equipe assistencial e excelência no serviço, vale resgatar um pouco o caminho até aqui.

O movimento pela qualidade começou sua jornada quando os serviços de saúde identificaram o hiato entre o que ofereciam e o que era percebido por seus clientes. Desde então, houve uma corrida pelos selos de acreditação que contribui fortemente para melhoria continua de processos e tecnologia bem como para melhor capacitação dos profissionais envolvidos. As instituições incorporaram e implementaram sistemas de melhoria contínua e desbravaram novos caminhos no exercício de ofertar qualidade e segurança ao paciente, com excelência. Os benefícios são incontestáveis e nos últimos anos avançamos fortemente nesse quesito. A questão agora é: por que a experiência do cuidado continua desafiando os dirigentes, líderes e equipes assistenciais? O investimento em tecnologia moderna, pesquisas, desenvolvimento profissional e os projetos de melhoria contínua em processos e infra estrutura, não são suficientes para assegurar que paciente e familiares percebam e sintam o cuidado. E é nesse contexto que surge a necessidade de ampliar nossa percepção.

Alguns serviços de saúde modelam seus processos de modo que configuram a “experiência do cuidado” em uma oferta de assistência humanizada. Vale lembrar que a assistência faz parte do cuidado e isso é o mesmo que dizer: Cuidar não é apenas prestar assistência. Ainda temos instituições confirmando o fato de que mesmo que esta oferta seja cercada por ações de humanização ainda assim a experiência do cuidado não se consolida no resultado esperado. Ao cliente paciente e familiar/acompanhante é entregue uma dinâmica assistencial que une competência técnica profissional, infraestrutura, tecnologia moderna, protocolos atualizados, serviços integrados, atitude humanizada e expectativas de uma experiência positiva durante o tempo que permanecerá na instituição de saúde. Seja qual for o procedimento a ser realizado todo cliente quer ter ao final a experiência de ter recebido informações precisas, de ter sido acolhido, de ter recebido atenção devida, de se sentir único e de ser importante para quem o acolhe. Todas as ações são elaboradas para promover saúde e bem estar e também prevenir e tratar doenças. E quando essas ações são focadas na expectativa e não nas possibilidades é que surgem os problemas.

 A Trilogia do Cuidado aprofunda a reflexão sobre a experiência do cuidado trazendo à tona uma variável que impacta diretamente na percepção do cliente: a experiência de Quem Cuida. Na dinâmica que prevê a união de profissionais da assistência e do apoio, o cliente muitas vezes destaca o profissional que no todo é a referência do cuidar. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, equipes multidisciplinares, profissionais da higiene, nutrição, farmácia, manutenção, entre outros, estão diretamente relacionados com cada cliente e nem sempre estão todos cientes, conscientes ou preparados para essa relação tão especial.

Na nossa experiência colhemos os depoimentos dos profissionais que relatam pressão, frustração e desgaste na relação com seus pacientes. A maioria destes citam a dedicação para atender as expectativas do cliente e o uso dos diferentes recursos que a instituição oferece (tecnologia, protocolos, materiais e medicamentos, capacitação técnica). E o que a Trilogia propõe é dar um novo foco na dinâmica assistencial priorizando a ação de cuidar de quem cuida. Quando perguntamos aos clientes sobre sua experiência no serviço é muito comum colhermos depoimentos de pacientes e acompanhantes, nos quais ambos reforçam que “compreendem” a falha ocorrida na assistência porque viram e sentiram o esforço dos profissionais em oferecer o melhor. Relatos que destacam “o sorriso e a escuta da auxiliar de nutrição ao entrar no quarto, atenção e o tempo do médico na ocasião de sua visita, o carinho e a positividade da enfermeira e da técnica de enfermagem na hora do banho, o cuidado da auxiliar de limpeza ao se preocupar em limpar tudo direitinho...” E talvez aqui seja importante refletir: o colaborador da higiene sabe que cuida do paciente ou ele é estimulado a acreditar que cuida da limpeza do ambiente? Esse colaborador sabe que o cuidado dele ao limpar é parte indispensável no controle de infecções, e que se ele faz o melhor ele possibilita a recuperação do paciente sem intercorrências? Esse é o sentido amplo de cuidar.

Estamos falando de algo que se consegue quando deixamos de focar no ideal/esperado para adotar e incorporar o que é possível. E o que é possível é aquilo que cada profissional como indivíduo pode fazer. As políticas de benefícios e retenção de pessoas são importantes e necessárias e ainda assim não substituem ou suprem as demandas relativas ao cuidado. Ou seja, como cuidar de quem cuida? Como inspirar, encorajar, engajar os profissionais da saúde numa espiral ascendente e permanente de atitudes sustentadas no cuidado? É muito difícil exigir que um profissional que não se cuida e não experimenta o cuidado, consiga ofertar ao cliente a atenção e o cuidado de que precisa.

A Trilogia do Cuidado considera três pilares: cuidar de si, cuidar do outro e integrar para entregar. O ambiente hospitalar e domiciliar do cuidado está “doente”. É cada vez maior o investimento em ações de saúde e segurança ocupacional com o objetivo de minimizar e tratar o adoecimento dos profissionais da saúde. Os profissionais da assistência e cuidado ao paciente (e aqui estão todos que integram o processo chave) estão imersos em um ambiente que concentra alta pressão emocional, alto nível de exigência técnica e comportamental, crescente demanda gerencial e administrativa e limitados recursos de reconhecimento e valorização. Essa combinação é desastrosa quando o assunto é cuidar. Cuidar do outro é o foco maior dos profissionais e é melhor que seja. Porém, torna-se relevante destacar que quando essa ação está desconectada do cuidar de si e da integração, fica mais difícil entregar o cuidado. É por isso que temos tantos protocolos, processos e sistemas para tratar os eventos adversos e os resultados inadequados. Ainda hoje os profissionais esperam que mudanças significativas, de direção, do modelo de gestão, das políticas sociais e econômicas, ocorram para que tenham mais saúde, mais reconhecimento e mais realização no trabalho. E isso é um dos fatores que explicam o baixo engajamento pois, há um grande esforço dos profissionais percebido na execução de processos e na identificação de variáveis que não estão na gerência ou na decisão dos envolvidos na entrega. Junto ao grande esforço vem a frustração e a desmotivação, o baixo comprometimento e baixa realização. E nesse sentido, é preciso mudar o foco!

A Trilogia traz a perspectiva de focar no sentido/propósito do trabalho, na interação entre os envolvidos e na energia renovável que isso é capaz de gerar. É a possibilidade de transformar a experiência do cuidado a partir de quem cuida. É evidenciar a efetividade dos recursos próprios de cada profissional quando são aplicados de forma estruturada e consolidada. Isso é inovador! É substituir o binóculo que aproxima o ponto futuro pela lupa que amplia o detalhe no momento da verdade. É alinhar o foco e a visão de quem cuida ao foco do cliente. 

A nossa proposta na Trilogia do Cuidado se transformou em uma metodologia específica e aplicada ao programa CUIDAR DE QUEM CUIDA, como forma de aprofundar a prática das cinco dimensões do cuidado.  Esse é um assunto para outro texto. 

A partir dessas reflexões, fica aqui o meu convite: Vamos juntos transformar a experiência do cuidado? Registre seu comentário. Será um prazer ampliar nosso diálogo.

Lilian Cunha Lage

Professor | Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

9 a

É o desafio que vivemos todos os dias. Ótima reflexão!

Carla A.

Enfermeira Oncologista

9 a

Trabalho com oncologia e sei bem o que é lidar com o paciente morredor. A equipe sofre com as perdas diárias. O cuidado nem sempre é focado para a equipe ocasionando certo desamparo no cuidador. Gostei muito do texto.

Livia Ribeiro

Planejamento Estratégico, Qualidade e Acreditação Hospitalar, GreenBelt Lean Six Sigma, Educação em Saúde, Gestão Hospitalar.

9 a

Nossa Viviane Gaspar, gostei muito!!! Otimo texto!

Ledívia Espinheira

Healthcare Executive| Clinical Governance| Digital Health| Medical Administrator|Medical Superintendent| Educator | Consultant

9 a

Excelente e clara abordagem desse tema, que já aparece nos estudos que fazemos para avaliar a experiência do paciente. Vale a pena ler!

Luiz Carlos Baptista

Consultor Imobiliário | Brasil Brokers Minas Gerais

9 a

Ao meu ver, está ficando cada vez mais claras as Palavras de Jesus... Ou seja, após tantos anos, as pessoas começam a entender o que realmente nos trás mais alegria e crescimento em todos os sentidos. Melhor dizendo: existe uma Escala de Valores, caso não seja respeitada, o sofrimento é inevitável! E pelo contrário, tudo passa a ter sentido, propósito e satisfação!

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