Tudo por dinheiro!
O maior escândalo empresarial de que se tem notícias nos últimos tempos é o que vem a público, agora. Inclui fraudes nas demonstrações financeiras para acobertar um rombo gigantesco, acarretando prejuízos para acionistas, debenturistas, credores e fornecedores, dentre outros, além de colocar em risco os empregos de mais de 40 mil pessoas.
Há tempos acompanho a história da Americanas. Vale a pena buscar na sua origem a semente reveladora do que viria a ser a derrocada. Trata-se de uma história exemplar, ou se preferir, uma derrota exemplar.
Com a ascensão do comércio eletrônico, em 2006, a B2W resultou na fusão entre os sites das Americanas, Submarino e Shoptime, um mercado que crescia 50% ao ano. Um choque de cultura se instalou, a partir daí. A americanas.com era orientada para a o lucro, enquanto a submarino.com era orientada para o cliente. Aliás, a preferência da Americanas nunca foi escondida. Consta no seu site que um dos valores da companhia é “ser obcecado por resultados” (sic).
Naquela ocasião, o Procon registrava 131 reclamações contra a B2W. Quatro anos depois, as ações da B2W caíram 32%, o valor de mercado da companhia diminuiu pela metade e o faturamento manteve-se estável, enquanto o mercado cresceu 40%. E o pior de tudo, na época: a americanas.com e a submarino.com lideravam, junto com a TAM, o recorde de queixas do consumidor, superando as detestadas operadoras de telefonia, que sempre estavam em primeiro lugar no ranking. O Procon aplicou quatro multas à empresa, num total de R$ 3,5 milhões.
Curiosamente, as coisas não pararam por aí, embora a Submarino, até então uma empresa bem-sucedida, sabia como atuar no mercado. Veja como a orientação estratégica, influenciada pela cultura, pode mudar o jogo, nesse caso, para pior.
Ao longo de 2010, pelo menos duas grandes transportadoras deixaram de trabalhar para a B2W: a australiana TNT e a Rapidão Cometa. Razão: a política da empresa era pagar 30% a 50% menos do que o valor médio do frete. Os pagamentos eram feitos 60 a 90 dias após a entrega, ao contrário da média de 30 dias, no mercado.
O ápice da crise aconteceu quando um casal catarinense reclamou da americanas.com à TV RBS, sobre móveis comprados há cerca de um mês e ainda não entregues. O termo ombudsman, hoje fora de moda, mas em voga na ocasião, refere-se ao profissional com a função de receber críticas, sugestões e reclamações de usuários e consumidores, com o dever de agir de forma imparcial para mediar conflitos entre as partes envolvidas. Lucro no comando, a ombudsman da empresa ofereceu R$ 3.000,00 aos clientes, em troca da reportagem não ir para o ar. Nada feito! A notícia não só foi divulgada, como também a oferta daquele valor. O vídeo viralizou e, um mês depois, já havia chegado a mais de 95.000 pessoas.
Se prevalecesse a cultura da Submarino, isso não aconteceria. Antes, a empresa sempre tinha como prática despachar uma nova mercadoria ao consumidor a qualquer sinal de insatisfação. Afinal, era orientada para o cliente. Tanto é verdade que, antes da fusão, a Submarino apresentava um dos índices mais baixos de reclamação do setor de comércio eletrônico. Na Submarino, prevalecia a seguinte filosofia: “a satisfação do cliente em primeiro lugar”.
Na americanas.com a orientação era outra. Sempre que houvesse uma reclamação por uma encomenda não entregue, os atendentes eram treinados a rastrear todo o processo na transportadora antes de emitir um parecer ao cliente, um processo que pode durar duas semanas e, enquanto isso, o consumidor ficava a ver navios.
Tanto prevaleceu a cultura da americanas.com que, depois da fusão, dos 36 executivos-chave da Submarino, apenas um foi mantido. A B2W viveu a dança das cadeiras. A direção remanescente preferiu ampliar o departamento jurídico a aprender com a Submarino.
O filme de terror teve mais cenas. O prejuízo líquido da B2W no primeiro trimestre de 2012 aumentou para R$ 42,8 milhões, contra perda de R$ 1,6 milhão um ano antes. A receita líquida caiu 2,7%, para R$ 1,001 bilhão. E mais: a empresa enfrentou problemas de atendimento ao consumidor, especialmente devido a atrasos na entrega de produtos, e teve as atividades nos seus sites suspensas por determinação do Procon-SP, mas reverteu a suspensão por meio de liminar.
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Na época, a diretoria das marcas Submarino, Shoptime, americanas.com e ingresso.com afirmou que faria uma “profunda revisão e consequente reorientação de nossas práticas e processos visando criar um novo relacionamento com o cliente”.
Será que finalmente os dirigentes da empresa haviam descoberto que o capital relacional é mais importante que o capital financeiro? Teriam aprendido a lição?
Não! Obcecados por resultados, não conseguiram perder o cacoete da velha economia de extrair de todos, sejam eles investidores, financiadores, fornecedores, colaboradores, para render o máximo.
Com o lucro na frente, as relações e os valores sempre acabam ficando para trás. E esse é o erro que muitas empresas cometem, levando-as à bancarrota, ainda que leve algum tempo, como é o caso da antes poderosa Americanas.
A Economia ao Natural coloca a economia das gentes antes da economia das coisas. A Submarino sabia que os resultados advêm da fidelização do cliente e o comprometimento da equipe. A Americanas apostou no máximo de receitas e o mínimo de despesas. Deu no que deu. Aí está o escândalo para provar o engano que, felizmente, você não vai correr o risco de cometer.
Artigo publicado originalmente em robertotranjan.com.br
Roberto Tranjan
Roberto Tranjan é empresário, escritor, palestrante e educador empresarial que através de suas empresas, livros e palestras constrói o firme propósito de desenvolver uma cultura ética, humana e próspera no trabalho e nos negócios.
Biólogo e Professor de Biologia
1 aDentre os acionistas majoritários está Lemann, um dos donos da rede Estácio de universidades. Gostaria de saber se ele fez um golpe semelhante na sua rede.
Ótimo texto Roberto.
Planejamento Estratégico - Gestão de Projetos
1 aAo ler o artigo, lembrei de muitos trechos do seu livro Capital Relacional. No momento da fusão a escolha da estratégia já aplicada da Americanas (resultado) ao invés da aplicada pelo Submarino (cliente) foi determinante para acontecimentos atuais.
Atuo apoiando o desenvolvimento humano: Aconselhamento Biográfico, Coaching, Mentoria.
1 aAndré Cassiano
Medical Manager | Pharmaceutical Industry | Advisor | Executive | Advisor
1 aMto bom!