“Tudo que eu reencontro e que diz respeito à minha ancestralidade vem direto da Mata Atlântica”
Izabella Alves tem 19 anos, é de Hortolândia, município do interior de São Paulo onde impera a Mata Atlântica. Mulher preta, Izabella sempre teve a mata em perspectiva no seu contexto de vida, especialmente por ser candomblecista, religião de matriz africana que tem estreita ligação com a fauna e flora brasileiras. Na faculdade, Izabella está cursando Ciências Biológicas na FMU de São Paulo.
No candomblé, ela vivencia a sua ancestralidade através da conexão com a natureza e com os saberes da terra. “Quando viemos pra cá, essa ligação com a natureza ficou mais forte ainda por conta dos povos originários, que são indígenas e permitiram que a religião de matriz africana continuasse no Brasil”, diz.
Izabella tem uma relação de proximidade com o bioma da sua região, ela conta que apesar de ter vivido sempre na zona urbana, ela esteve perto das áreas rurais onde se via maior preservação da natureza e onde ela teve a oportunidade de conhecer muitas plantas e animais que nunca havia visto antes. “Levei isso pra minha vida”, ela conta.
Sua infância foi marcada pelo contato com a natureza, como ela mesmo conta: “Eu subia na árvore e pegava fruta da árvore do vizinho. Brincava de esconde-esconde em cima das árvores, então essa ligação com a natureza sempre foi muito delicada, muito gostosa. Brincava com as flores que davam na árvore, sempre ficava vendo e conhecia elas, via as abelhas perto das flores...”.Mas foi dentro da religião de matriz africana que ela se encantou verdadeiramente pela natureza.
“No candomblé o segredo das folhas é representado por um orixá chamado Ossain. Foi nesse meio que eu me aproximei e fui sentindo cada vez mais o contato com a natureza”, ressalta.
Daniela Calvo e Marcelo dos Santos Monteiro apresentam o Candomblé como um culto afro-brasileiro que se desenvolveu no Brasil a partir dos saberes dos povos africanos que foram traficados e escravizados no continente americano, em contato com os povos originários nativos do país. Sendo uma religião que sacraliza a natureza, na cosmovisão do Candomblé, ela é transmissora de vida, portanto, o respeito e a preservação são imprescindíveis para a existência do culto.
“Esse culto à natureza é o mesmo culto à essência, então a gente sempre preservou e tava ali pensando no coletivo maior”, comenta Izabella.
Em 2019 ela se mudou para uma área rural próxima a uma reserva da Mata Atlântica, foi onde começou a se conectar com o processo de cultivo, com a agricultura familiar e com o cuidado com a terra. “E a religião de matriz africana me aplicou mais ainda, porque dentro dela temos que saber o nome das plantas, a função delas, então sempre tive essa ligação medicinal com as plantas, muitas vezes invés de tomar remédio procuramos as plantas”, revela.
A futura bióloga vê com tristeza as mudanças climáticas que vem acontecendo e percebe a afetação no seu entorno. Ela conta que acredita no potencial da Mata Atlântica por ser um bioma diverso e que está lutando para sobreviver, mas se preocupa com as mudanças climáticas acontecendo repentinamente e cada vez mais rápido.
A Mata Atlântica é um dos biomas mais ricos e diversos em espécie, e o quadro é realmente triste: mais de 60% de animais ameaçados de extinção no país se encontram na Mata Atlântica.
Lá também estão concentrados serviços fundamentais que sustentam a qualidade de vida de uma grande parte da população brasileira, reunindo 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
“Com a faculdade de biologia e também com a religião de matriz africana, eu entendi como estamos perdendo algumas plantas. Plantas essenciais para fins religiosos que não conseguimos mais encontrar. E nós precisamos dos manguezais, dos bambuzais, dessa expressão da natureza que está se perdendo. A gente não tem culto à religião sem a natureza”, alerta.
Um dos maiores vilões é certamente a expansão territorial e o desmatamento desenfreado dessas regiões. “O bioma está sendo muito desmatado por motivos de urbanização, que é a construção de prédios, as áreas verdes estão sendo destruídas, mesmo os pedaços que tinham chácaras de preservação e cuidavam daquele local”, diz.
As regiões que antes eram pouco industrializadas também sofrem com a ideia do crescimento por expansão do território. “Na área rural vemos as matas sendo transformadas em pasto para o gado por grandes empresas do agronegócio, que fazem essa destruição sem se importar com a preservação do solo, nem na questão de renovar, de replantar ou da conservação daquela terra”, completa.
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Para Izabella, sua luta atual consiste na preservação do seu bioma, especialmente porque ele representa tudo que ela vive e acredita. “Tudo que eu reencontro e que diz respeito à minha ancestralidade, toda a minha energia espiritual, mental e física vem direto da planta, vem direto da Mata Atlântica. Esse contato com a água, com as cachoeiras, com as matas, as florestas, tudo é muito importante, porque assim eu sinto que estou voltando para a minha ancestralidade, estou voltando para a minha materialidade, pro meu eixo e pra minha casa.”
Ela acredita na importância de entender a ideia de conservação dos biomas brasileiros, e não apenas a questão da preservação. “Preservar você só deixa aquilo ali isolado e sem perigo que outros mexam, mas quando você conserva você induz as pessoas locais a se engajarem e se posicionarem naquilo. Você vê uma área preservada e as pessoas em volta só sabem que ela é preservada e nada além disso. Mas se você se engaja com a conservação você também influencia os moradores a sentirem que eles também são donos desses lugares. Então eles irão cuidar, e irão preservar conservando”, diz.
Uma das ideias que ela propõe para desenvolver a conservação é a criação de feiras de artesanato, eventos locais que promovam a discussão sobre a conservação, desenvolvendo produtos e até mesmo levando os moradores a empreenderem com isso.
Na pandemia, Izabella conta que viu muitas áreas verdes sendo queimadas e destruídas por conta da negligência do governo Bolsonaro, e lamenta os assassinatos de ativistas importantes no cenário ambiental por conta do trabalho de preservação da natureza e dos povos. “Querendo ou não, a política que nos governou não fez questão de preservar. Foi uma política de destruição.
E isso afeta quem está perto que são os povos indígenas, os povos originários que foram cada vez mais atacados”, diz.
Ela acredita que esses povos estão próximos e estão tentando reduzir os danos ambientais por cuidarem do espaço que habitam, mas que a rejeição e violência contra eles tem crescido substancialmente durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro.
Izabella conta que a discussão sobre as mudanças climáticas estava sempre ali em seu convívio, seja na escola, na religião ou em casa, mas que não tinha noção de tamanha destruição até vê-la de perto.
“A gente está vivendo períodos onde o calor é extremo, o frio é extremo, as estações estão misturadas. Não conseguimos mais identificar as estações que estamos passando. Como podemos sobreviver a essas mudanças extremas? De manhã está quente e no final do dia extremamente frio, nunca tínhamos vivido isso. Não era para essa região estar assim.
Tempestades muito fortes fora de época, ventos intensos, que eram preservados pelos lugares que foram queimados nesse período. O ar está seco, as doenças respiratórias estão se aproveitando disso. Doenças físicas e mentais estão aparecendo e também são afetadas por essas mudanças”, diz.
Izabella anseia que o Brasil retome a política de bem-estar social e de preservação ambiental.
“Começamos por lá, dos povos originários, a gente sabe que a nossa biodiversidade é imensa, temos que nos posicionar em todos os sentidos e não deixar nossos biomas para trás”, acrescenta.
Texto para Pesquisa Juventudes, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas por Luiza Ferreira.
Fotografia: Matheus Alves.
A pesquisa Juventudes, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas é uma realização Em Movimento , Rede Conhecimento Social , Engajamundo , Instituto Ayíka e GT de Juventudes de Uma Concertação pela Amazônia.