Tutorial de Como Fazer 5 anos de Engenharia Para Não Ser Engenheiro. Parte 2: O colegial.
Acordar às 06h30 e ir direto ao banho. Ao sair, o leite com Nescau já estava me esperando, feito carinhosamente pela minha avó, para que eu apenas colocasse o uniforme e fosse para o ponto. O ônibus passava por volta das 06h50; íamos pela Dutra até chegar ao colégio. O retorno para casa era próximo das 17h50, em tempo de ver o final da famosa telenovela juvenil Malhação na Rede Globo. Esta foi minha rotina durante os 3 anos de Colégio Engenheiro Juarez Wanderley, o colégio da Embraer. Cansativo, não? Bem, não. Deixe-me te contar o porquê...
Se eu pudesse definir a Embraer em algumas palavras, certamente diria: liberdade, criatividade, autodescoberta, sociedade e educação. Vamos um a um.
Liberdade
Era tremenda. Nem víamos o tempo passar. Apesar de ficarmos mais de 10 horas longe de nossas casas, a única coisa que nos padronizava era o uniforme e o crachá. O primeiro choque de realidade foi passar um período inteiro fora da sala de aula e não ser repreendido. Para alguém vindo de colégio público, qualquer segundo após o sinal tocar era visto como desrespeito. Éramos advertidos verbalmente pelo inspetor, que sempre nos olhava com julgamento, fazendo nos sentirmos como ladrões de batatas na feira. No Juarez tínhamos autonomia para ver coisas diferentes, assistir aulas em outras salas, fazer amizades e entrar em contato com experiências nunca antes vivenciadas.
Tínhamos janelas de horários para fazer atividades especiais, desde estudar alguma matéria como reforço, ir ao pátio jogar futebol ou até tirar um cochilo. Alguns horários eram focados em te ajudar a desenvolver alguma capacidade ou habilidade extracurricular, desde grupos de tênis de mesa e aulas de violão até classes de teatro.
Criatividade
Era incitada a cada momento, a começar pelo nome das salas. No meu primeiro ano éramos Aristóteles, Einstein, Platão, Sócrates e Tales – já reparou como que nos colégios tradicionais os alunos do 1º A são vistos como os mais inteligentes enquanto os alunos do 1º H são os mais burros? Sim, os mais burros. O bullying começa aí. No Juarez esse paradigma era quebrado e todos podiam ter o seu espaço. Também não existia mais o paradigma do interclasse só de futebol. Nosso interclasse tinha camisa de sala e bandeiras, era um evento completo com torneios que iam desde futsal até vôlei, de tênis de mesa até xadrez. Falei que eu jogava futsal de segunda a segunda, lembram? E se eu falar que no colegial minha maior paixão era handball e até representei a escola no torneio estadual de vôlei? – no vôlei parei por aí, afinal, com 1,70 não daria para ajudar o Giba nos bloqueios contra a Sérvia...
Autodescoberta
Em casa, eu almoçava arroz com feijão e um pouco de carne – mais arroz com feijão que carne, para “dar sustança”, segundo meu avô. No colégio aprendi a comer salada e comecei a entender sobre o poder da alimentação no nosso corpo. Até minha bronquite melhorou – apesar da minha avó insistir que foi por conta do prego que a curandeira bateu no batente da porta do meu quarto quando eu era mais jovem.
Aprendi a me arriscar. Desde o primeiro ano tínhamos que fazer apresentações em inglês para a sala. No início eu não conseguia ficar sozinho na frente dos colegas; já no último ano eu estava inovando com um novo modelo de apresentação unindo voz e violão – que aprendi a tocar em um dos projetos de atividades especiais – com a música Welcome To My Life, do Simple Plan, para toda a classe ouvir. Para um garoto tímido e que só sabia matemática, aprender outras habilidades, perder a vergonha e desenvolver competências de relacionamento interpessoal foi o pontapé para o Renan de hoje.
Sociedade
A autodescoberta não para por aí, ela vem junto com o nosso papel na sociedade. O colégio nos ajudou a ter uma visão mais abrangente. Durante o segundo ano tínhamos o Alternativas Sustentáveis, onde desenvolvíamos projetos ligados à sustentabilidade. Aprendíamos sobre a teoria de Gaia e a Terra Viva. Projetos como reciclagem, horta e reaproveitamento de água da chuva. O meu projeto era tratamento de bactérias a partir de dejetos orgânicos para conversão anaeróbica de gases nobres para metano de forma a criar combustível sustentável – em outras palavras, jogávamos esterco em um botijão e deixávamos lá o ano todo, mas falando daquele jeito até pareço mais inteligente, não é? Depois do Juarez eu nunca mais tive a coragem de jogar um papel na rua e brigo com quem faz. O colégio me ajudou a entender a minha responsabilidade na sociedade, a entender nosso senso de consciência coletiva e como cada simples ação como um papel de bala ou o poder do voto podem impactar uma população inteira.
Educação
Por fim, educação. Para citar este tema, preciso falar de quando eu fui pego colando. Bem, não colando, mas eu tinha todos os indícios.
No último simulado do terceiro ano eu estava com receio de não conseguir ser aprovado em biologia. Um colega, tentando me ajudar, me passou um papel com as respostas da parte de biológicas do simulado. Eu, que passei o ensino médio todo sem colar, resisti até o último momento para olhar o papel. Foi o tempo suficiente para o professor sentar-se ao meu lado e pedir para eu abrir a mão. Resultado: simulado entregue e sala da coordenação.
Era o último simulado do terceiro ano antes da recuperação. Um terço de todas as notas do trimestre estava ali, sendo zerado naquele momento. No meu antigo colégio, minha mãe seria chamada, ela me esperaria na sala com a diretora e eu teria os dois ouvidos vermelhos como um pimentão depois de ouvir uma chuva de xingamentos e as bochechas rosadas de vergonha. Então, era bom me preparar.
Desci à sala do coordenador Daniel Leite – gosto de frisar seu nome, pois aquele momento marcou a minha vida. Ele estava sozinho e, com um sorriso no rosto, perguntou como eu estava, o que eu sentia naquele momento e, principalmente, o motivo pelo qual eu tinha feito aquilo. Sem me julgar, sem me envergonhar, Daniel tentou apenas entender o que me motivou a tomar aquela ação e me aconselhou, dizendo que eu estava há alguns meses de terminar o Ensino Médio e, se tudo desse certo, ir para a faculdade. Ele disse que o mais importante não era a nota, mas o conhecimento que eu iria levar. Daniel foi o educador que eu nunca tinha tido até aquele momento, foi o cara que fez eu ver as coisas por outro viés e me ajudou a transformar uma situação embaraçosa e dolorosa em um ensinamento para a vida. Desde que tive essa experiência tento usar meu conhecimento para ajudar outras pessoas a enxergar a vida como um eterno aprendizado, ao invés de uma cobrança incessante – tá aí a motivação para fazer tantos voluntariados...
Zerei o simulado, mas me reestabeleci integralmente nos exames de recuperação. Que bom, pois eu já estava para me formar e prestar vestibular. Mas qual curso escolher? Bem, eu gostava de resolver exercícios de matemática, não é? Mas eu tinha aprendido tantas coisas novas nestes últimos anos. Mas em casa o discurso era: “você tem que ser engenheiro, advogado ou doutor” – referenciando médicos, afinal, doutor deveria ser quem tem doutorado. Inicialmente cogitei Matemática, mas por gostar de carros, por que não Engenharia Mecânica? Cheguei a pensar: “o que uma menina ia gostar mais? Se eu falasse ‘sou matemático’ ou ‘sou engenheiro mecânico’?”. Eu tinha 17 anos e realmente pensei nisso. Bem, por direcionamento familiar e status, escolhi Engenharia Mecânica.
Se eu posso citar alguns pontos de oportunidade para o colégio na época - que já estavam adaptando em 2007 - seria explorar as faculdades mentais a serem desenvolvidas como profissão. Eu não tinha capacidade, experiência e conhecimento - talvez nem vontade - para tomar uma decisão que determinaria toda a minha vida naquele momento, mesmo assim decidi ser engenheiro. Ao final do ano fui aprovado em 5 universidades, entre elas a Universidade Federal de Itajubá, minha opção número 1. Do colegial levo os aprendizados e o agradecimento a grandes professores e amigos, mas principalmente as descobertas que fizeram eu olhar para o mundo de uma forma diferente. Aprendi que um colégio de qualidade coloca em nossas mentes mais perguntas do que respostas.
Pois bem, fui para a faculdade de Engenharia com uma pulga atrás da orelha, agora já sem saber se era o que eu realmente queria para minha vida. Escolhi Engenharia Mecânica na esperança de consertar carros, quiçá na Ford, e seguir o sonho do meu avô. Quem diria que o que eu menos veria na faculdade seriam carros...
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Me chamo Renan, tenho 30 anos, sou graduado na França e gestor com sete anos de experiência em operações, projetos (PMBOK e SBOK) e qualidade e professor nas horas vagas; apaixonado por aprender e ensinar, com o sonho grande de mudar a cultura do país fornecendo mais oportunidades de inclusão e ensino a todos os jovens do país.
Coordenadora de Operações | Implantação| Atendimento | Sustentação | Comprovei
4 aEu também amava cálculos matemáticos no ensino médio. Na época de cursinho era a matéria a qual eu mais me dedicava, tanto que eu ia ao cursinho pra aprender antecipadamente a matéria do colégio. Mas ao entrar na universidade, os cálculos se tornaram meu pesadelo. Hahahaha Cheguei atrasada por aqui mas li, aguardando o próximo.
Sócio proprietário na Distribuidora Santo Antonio | Black Belt em Lean Seis Sigma
4 aParabéns pela escrita, ela ficou super leve, gostosa e com um ar empolgante! Me deixou curiosa pelos próximos capítulos! E mais que isso, parabéns pelo seu exemplo de vida, pela sua força de vontade, e pela seu foco em sempre querer crescer, tanto como profissional quanto como pessoa. O céu é o limite. #top
Risk Manager: Market Risk | Liquidity Risk | Capital Management | Asset & Liability Management
4 aRenan, fiz a leitura do seu texto e em muito dele eu me identifiquei. Realmente, o Colégio foi um divisor transformador na minha vida assim como você bem descreve aqui. Queria te parabenizar pela iniciativa e por tentar fazer este aprendizado todo render mais frutos e não estancar, temos diversos motivos pra isso e não devemos realmente parar. Agradeço por compartilhar e narrar também não só a sua, mas a vivência de muitos que ali passaram e que por ali cresceram em vários aspectos. Muitas boas lembranças vieram e gostei muito! Obrigado
Levo Você Rumo Ao Topo Mais Rápido, Sem Sobrecarga| CEO Beyond Corporate | Top Voice LinkedIn Carreiras | Conectando Liderança de Alta Performance com Saúde Mental de Forma Revolucionária em + de 15 Países
4 aObrigada por compartilhar essa história, Renan Neves Nascimento! Realmente, a fase do colégio pode impactar muito nossas vidas, afinal é quando estamos caminhando para a fase adulta. Parabéns pelo texto!
PMO Smart Operations | Industry 4.0 | Digital Transformation | Innovation
4 aExcelente. Até hoje atribuo minhas habilidades de comunicação ao colégio. Como eram bons em nos fazer perder o medo de falar em público. Em relação ao Daniel, deveras um cara diferenciado. Me identifiquei com todos os trechos deste capítulo, todos nós, ex alunos do Juarez, com certeza carregamos muito carinho pelos anos vividos nesse lugar tão especial.