Um mercado de carbono com força de lei
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Finalmente, o mercado regulado de carbono brasileiro parece que vai sair do papel. Ainda há muitos detalhes a serem trabalhados e um incerto percurso no Congresso, mas o governo federal parece ter chegado a um consenso sobre o que seriam as linhas gerais da regulação.
Um rascunho de projeto de lei elaborado pelo Ministério da Fazenda, que circulou entre representantes do setor privado na semana passada, estabelece um mercado de cap and trade, nos moldes da União Europeia, que mira as grandes fontes emissoras, de mais de 25 mil toneladas de carbono por ano.
Como funcionaria? Na prática, estarão sujeitos ao mercado grandes indústrias nos setores mais poluentes, como siderurgia, cimento e alumínio.
Outro ponto presente na minuta, à qual o Reset teve acesso, é que serão aceitos offsets ou compensações de emissões. Ou seja, as fontes sujeitas à regulação poderão comprar créditos de carbono de entidades não reguladas – desde que eles atendam a critérios de integridade a serem estabelecidos – para compensar suas emissões.
Governança. Um decreto publicado ontem restabeleceu o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM). Formado pelos principais ministérios do governo e com a previsão de contar com especialistas de "conhecimento notório", estes sem direito a voto, o comitê seria a principal estrutura de governança, responsável pela regulamentação e implementação do sistema de comércio de emissões.
E o agro? O texto da Fazenda coloca o agronegócio como um dos setores passíveis de regulação – ainda que isso seja mais complicado do ponto de vista técnico, por conta das dificuldades de medição de fontes que não sejam "na chaminé".
Nos bastidores, está claro que o foco é a indústria e que o agro poderia entrar apenas num outro momento, participando, inclusive, como gerador de offsets.
Game of Thrones. Nos últimos meses, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) vinha liderando as conversas com o Congresso, entidades do setor privado e da sociedade civil em relação ao tema. Uma minuta da pasta já circulava desde o fim de março.
O caminho legislativo. O governo tem dito que a minuta é um ponto de partida, ainda a receber contribuições. Com pouca força política para apresentar diretamente um projeto de lei, o mais provável é que o Executivo submeta seu texto como um substitutivo a um dos três projetos de lei que tramitam no Congresso sobre o assunto.
O plano do governo, a princípio, é terminar de costurar um texto e colocá-lo para votação na volta das férias legislativas – de novo, para ter algo para apresentar até a próxima COP. Agora vai?
E como fica o mercado voluntário?
Entender quais créditos de carbono serão aceitos dentro de um mercado regulado dependerá de uma regulamentação adicional que deve vir num momento posterior.
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Numa primeira leitura, a minuta da Fazenda parece prever um registro de créditos de carbono apenas para os projetos que quiserem atender ao mercado regulado.
Ela não cria um registro mandatório para os projetos do mercado voluntário, o que era uma preocupação das desenvolvedoras, que temiam ficar engessadas pelas exigências do governo.
As definições são importantes inclusive para dar mais clareza às empresas que querem fazer seus planos de mitigação e compensação. "Um dos grandes desafios que as companhias vêm passando na jornada de descarbonização é a incerteza regulatória e jurídica", aponta Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Centro Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
PPCDAm: Sigla para Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDam). Extinto no governo de Jair Bolsonaro, o programa lançado em 2004 foi restabelecido este ano. É uma espécie de guia para chegar ao desmatamento zero até 2030. Na nova versão, detalhada esta semana, são mais de 200 ações a serem implementadas até 2027. A repórter Ilana Cardial destrinchou o plano.
Faroeste climático. Os países desenvolvidos se comprometeram a investir US$ 100 bilhões por ano para ajudar as nações em desenvolvimento a reduzir os efeitos do aquecimento global. Mas, além de não estarem cumprindo a meta, uma ampla investigação feita pela Reuters mostra que não há transparência sobre os critérios de aplicação dos recursos – que já foram parar em lojas de chocolate, redes hoteleiras e até mesmo em plantas de carvão em Bangladesh. O problema é a falta de uma taxonomia. "É o Velho Oeste das finanças. Essencialmente, qualquer coisas que eles chamam de financiamento climático é financiamento climático", aponta uma fonte ouvida pela reportagem.
Petróleo verde? O armazenamento de dióxido de carbono diretamente nos poços de petróleo é apontado como uma das principais iniciativas de descarbonização da produção do setor. No entanto, mais que uma iniciativa verde, trata-se de uma questão puramente de eficiência operacional. A separação do CO2 do gás natural que sai associado ao petróleo para reinjeção de volta no poço faz com que a pressão aumente – facilitando a exploração… do próprio petróleo. A Bloomberg traz os detalhes.
Climão nos seguros. Com o aumento das catástrofes climáticas, duas das maiores seguradoras dos Estados Unidos estão deixando de fazer apólices para propriedades residenciais e comerciais na Califórnia. Em meio a eventos climáticos extremos, como os grandes incêndios florestais que se tornaram praticamente rotina no estado mais populoso dos Estados Unidos, a Allstate e a State Farm pularam fora da região. Segundo o NYT, movimentos parecidos já aconteceram também na Flórida.
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Consultant FSC AGRO
1 aFSC AGRO RIO
Executive Director and Senior sustainability expert/ESG and Circular economy expert /supporting companies in their net-zero journey and Climate Risk
1 aFilipe Morais Vasconcelos