Um mundo melhor aqui mesmo

Um mundo melhor aqui mesmo

"Para você se tornar quem deseja ser”, diz um músico de jazz ao jovem Elton John no filme Rocketman (Estados Unidos, 2019), “é preciso que você mate aquilo que um dia já foi”. 

Dizem que o oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Agora imagine ter cinco anos de idade e morar em uma casa cujo pai (que não lhe abraça) não lhe deixa tocar na coleção de discos e cuja mãe até conversa com você, mas sem tirar os olhos das próprias unhas — e o conselho equivocado do parágrafo acima (a verdadeira antítese de qualquer propósito) se torna, na essência, um próprio propósito de ser.

O que acontece, portanto, quando desviamos um talento pela estrada errada? Quantas vezes fazemos isso em nossas empresas e casas sem nem ao menos nos darmos conta de que, se ajudar não é nossa praia, deveríamos pelo menos não atrapalhar? 

Depois que meus filhos nasceram, comecei a observar melhor as palavras que saem de minha boca (porque às vezes elas “saem” mesmo), e também fui, em aprendizado incremental, percebendo meu papel junto aos clientes: como um profissional que é contratado para analisar oportunidades e ameaças e sugerir caminhos para potencializar vocações, passei a entender como é fundamental ser racional mas também imaginativo. Pragmático, mas também vibrante. Âncora, mas também asas.

Em uma cena fundamental do filme, em meio a um insight em sua terapia de grupo, um Elton John devastado pelo álcool e drogas e amor não correspondido reencontra, de modo esperado (porque é justamente isso o que esperamos da terapia), o garoto que fora aos cinco anos de idade. E ambos, então, se abraçam: um ressuscitar daquilo que somos, um reencontro com nosso propósito.

Quando a Volvo abre mão da patente do cinto de três pontos e a libera para outras montadoras, ela reforça seu posicionamento de carro mais seguro do mundo. Quando a Lego decide que, até 2030, não usará mais plástico nos produtos, ela reforça o seu posicionamento de inovação. Criando um mundo melhor aqui mesmo.

Afinal Marte, como diz a música-título do filme, não é o melhor lugar para criar nossos filhos. E não há ninguém para fazê-lo — se nós, de fato, já o fizemos. 

Publicado originalmente no Estadão

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