Um negócio de Majors, status quo e ascensão de Hubs
Entre 1 e 10 de agosto, monitorei as 20 primeiras músicas da playlist “Principais Faixas” do YouTube. Ela é criada através da curadoria da plataforma do Google e faz parte de um diagnóstico de gatekeeper e algoritmos da minha pesquisa - e que já gerou outros dois textos por aqui: "A Cauda Longa do KondZilla" e "Anitta, YouTube e estratégia colaborativa".
No período, coletei dados de 200 músicas, que retirando repetições, mostram o sobe e desce de 29 canções - 150 música brasileiras e 50 internacionais. O objetivo é tentar entender como funciona a disponibilização e a exposição do conteúdo no YouTube, mas em uma análise rápida, dá para notar coisas interessantíssimas.
- A música com mais tempo na playlist tinha 32 dias.
- 144 músicas listadas (com repetições) das Majors Som Livre, Warner, Sony e Universal e 56 músicas de gravadoras independentes/pequenas.
- A permanência e subida (ou descida) das músicas não envolvem apenas seu número de visualizações, mas também a quantidade de comentários, likes e deslikes de uma música.
Que isso significa? Que as coisas mudam mas permanecem iguais, já que o o YouTube é muito mais eficaz em gerar vendas de músicas de novos artistas em comparação a artistas estabelecidos (KRETSCHMER e PEUKERT, 2017), ajudando na divulgação de novas músicas e beneficia de forma desproporcional as vendas de música mainstream. O que muda no modelo de negócio é que as variáveis mudam: as músicas no YouTube precisam de visualização e engajamento.
"Me Solta" do Nego do Borel se envolveu em polêmica e tem resultados de comentário por visualização enormes em comparação as outras canções da lista. Além disso, esse engajamento afeta a posição na playlist, já que músicas com mais visualizações que o clipe do KondZilla como "God is Woman" de Ariana Grande está bem abaixo.
E por que isso é importante? O Google trabalha com algoritmos de aprendizagem do sistema de inteligência artificial. O RankBrain busca, junto a outros métodos de links e conteúdos publicados, para buscar o resultado mais relevante possível. Como o algoritmo tem machine learning, ele pode analisar grandes quantidades de dados digitais, aprender todo tipo de tarefas úteis, como identificar fotos, reconhecer comandos falados em um Smartphone e se corrigir com interações humanas para ser o mais assertivo possível.
No YouTube, a recomendação automática ajuda os usuários a acessar o imenso catálogo disponível através dos filtros oferecidos e o sistema leva em consideração diversidade e conteúdos novos para o usuário ou plataforma, criando equilíbrio entre ambos. É uma linha fina que exige um pouco mais de curadoria.
Outro ponto interessante nessa análise de dados é o avanço de hubs, espaço que reúne conteúdos, produtos e serviços diferentes. KondZilla, GM6, FunkHitsVEVO, Musile Records e Pineapple StormTV aparecem com destaque. É interessante ver que são de gêneros que ou não tem muita abertura na grande indústria ou não nichos: funk, rap e gospel. Anderson (2006) explica que a Cauda Longa ajuda músicos e artistas independentes pela igualdade de recepção na internet, com valores de produção e divulgação próximos das grandes gravadoras. No caso dos hubs, é uma posição válida que fica um pouco de lado quando o assunto é indústria como um todo.
O novo modelo de negócio da indústria musical brasileira reflete uma preferência pelo digital e o YouTube como mais um dispositivo de consumo que reflete o comportamento das músicas de sucesso de outras plataformas. Com a compra do Google em 2006, a era da produção amadora sem anúncios deu lugar a um ambiente caracterizado pelos vídeos profissionais e publicidade, e, por causa da popularidade do YouTube, as indústrias mostraram interesse na monetização na plataforma (KIM, 2012).
Mas como isso será usado? Será a manutenção de um status quo das majors e sua influência ou ocorre a ascensão de uma nova música impactada pelos algoritmos (com ótimos exemplos como os dos hubs independentes que viraram negócios de gente grande)? Só o tempo dirá.
Mas que existe uma tendência para a mistura de ambas as coisas, isso existe.
OBS: me perguntaram nos outros e não lembro se respondi. Meus monitoramentos são frutos da API do YouTube. Eu extraio os dados através do pacote Tuber no R e depois faço analisa dos dados.
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ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro: Elsevier: 2006
KIM, J. (2012). The institutionalization of YouTube: From user-generated content to professionally generated content. Media, Culture & Society, 34(1), 53–67
KRETSCHMER, T., e PEUKERT, C. Video Killed the Radio Star? Online Music Videos and Recorded Music Sales. Londres: CEP Discussion Paper, 2017.