Um peixe fora d'água (Un pesce fuor d'acqua).

Um peixe fora d'água (Un pesce fuor d'acqua).

      Fui um dos primeiros a conseguir uma senha para ir assistir a um concorrido seminário sobre literatura contemporânea. Para mim, que curso letras, seria uma oportunidade única, pois renomados autores, daqui e do exterior, falariam sobre suas carreiras, comentariam as suas mais recentes produções, e, ao final, dariam os tão esperados autógrafos.

           Infelizmente, porém, o despertador do meu celular não tocou às seis da manhã, o metrô estava em greve, e o ônibus que peguei quebrou no meio do trajeto.

           Corri o quanto pude, e suei o que não podia. Mas quando cheguei à faculdade, já não havia o que fazer.

           Muito embora chateado (para não dizer, fulo da vida), resolvi ir ao auditório, mesmo que pelo só prazer de sentir aquele clima, bem como o de espiar um e outro dos seletos convidados.

Já próximo à entrada, notei, por entre os rostos deslumbrados de muitos dos meus colegas, o semblante triste do professor Ubaldo, um apaixonado por literatura italiana, e o maior incentivador desse evento.

É verdade que me considero o seu melhor aluno. E, confesso, por vezes sou um puxa-saco descarado. Mas seria muita presunção concluir que ele estivesse tão abatido pelo só fato de não me ter visto.

Assim, fui ao seu encontro para saber o que acontecia.

Mas ao contrário das muitas hipóteses que aventei, o professor Ubaldo assim falou:

- Sou como Giosuè Carducci, um árcade em meio ao romantismo...

Como não entendi patavina, ele resolveu se explicar. Disse que se sentia como um peixe fora d’água, pois todos os palestrantes defenderam valores completamente contrários àqueles que ele acreditava serem corretos, dignos, que representam o bem, o belo, o útil ao espírito. Afirmaram que um romance, para se tornar um best-seller, precisa abusar da violência, do sexo, das drogas, do palavreado chulo... E que happy end é coisa do passado, não devendo ser aceito sequer nos contos de fadas.

Diante desse desabafo, permaneci calado.

Então, ele bateu a mão no meu ombro e disse:

- Jovem Pedro, busque cultivar bons valores. Mais cedo ou mais tarde, eles trarão felicidade. – E se foi.

Fiquei pensando nesse conselho, nos valores que nutria, no meu futuro... E nesse meio tempo (quase duas semanas!), fatos terríveis acabaram acontecendo com os palestrantes daquele seminário. Soube, pelos jornais, que o autor que defendia o abuso da violência, acabou morto com um tiro na testa, depois de discutir em uma briga de trânsito; que o escritor que apoiava o sexo desvairado contraiu moléstia incurável, e acabou largando o seu ofício; que o literato que estimulava o consumo de drogas, morreu de overdose, estrebuchando na frente dos filhos; que o romancista que gostava de palavrões foi surrado com esmero por outro grosseirão que não gostou do que foi chamado; e que o premiado que desqualificou os finais felizes teve um fim tão triste que é melhor que não se conte.

No dia seguinte a essa última notícia, reencontrei o professor Ubaldo. E fui logo narrando as manchetes, como a buscar endeusar o conselho que me dera. E arrematei:

- Quer dizer que mais vale ser um peixe fora d’água do que nadar em um mar contaminado?

E ele respondeu, com um sorriso:

- Não fosse assim, e Giosuè Carducci não teria sido laureado, em 1906, com o Prêmio Nobel de Literatura.


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