Uma crise política e modal
As greves de profissionais do transporte sobre pneus que costumam fechar estradas para que vejam atendidas reivindicações da classe são sazonais e relativamente comuns no mundo.
No início deste ano, por exemplo, os caminhoneiros do Canadá deram prova do quanto é difícil conter esses levantes, e do quanto de transtornos causam ao impedirem o ir e vir, transtornos que, no caso de doentes, por exemplo, podem se tornar dramáticos, bem como o desabastecimento que geram no decorrer do tempo.
As interdições das vias que assistimos no momento no Brasil tem a ver com o exemplo canadense: nenhuma conectividade com reivindicação de classe e total conectividade com ideologia.
No caso do Canadá foi o negacionismo científico que insuflou dezenas de milhares de caminhoneiros a exigir o fim de procedimentos sanitários que visavam conter o avanço da Covid-19; no Brasil o que se reivindica é que as eleições sejam desconsideradas e que se dê posse ao derrotado no pleito presidencial.
Mas há algo sobre o qual, na condição de presidente da FerroFrente, tenho falado publicamente, que diferencia sobremaneira a experiência canadense da que vivemos atualmente no Brasil.
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É que o Canadá fez a lição de casa e, assim, não depende de apenas um modal de transporte. Com isso, as greves atrapalham a valer, sem dúvidas, mas os direitos da nação, das pessoas, de ir e vir, bem como de se abastecer de víveres e demais produtos fica pelo menos parcialmente garantida pelos modais concorrentes, notadamente o modal ferroviário.
O que vivemos hoje no Brasil é pontual e gravíssimo, basta abrir qualquer jornal para constatarmos que há consenso de que o que vivemos é uma intentona golpista, mesmo porque o representante da classe dos caminhoneiros já se pronunciou dizendo que a iniciativa não é deles e que sequer, como classe, eles apoiem, ao contrário.
Por isso, para fazer frente à gravidade e urgência do que acontece deve-se estar focado nos fatores políticos-ideológicos que mantêm o movimento, sobre isso não há qualquer dúvida. Contudo, mais uma vez, esse processo evidencia o lado manco da nossa logística nacional: é preciso, com urgência, voltar a investir em trilhos.
O trem é mais seguro, transporta muito mais por muito menos, polui seis vezes menos, e contribui cabalmente em momentos agudos como este, diminuindo a insegurança, diluindo poderes de classe e atendendo ao interesse público mais lídimo.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, advogado, jornalista e escritor. É presidente da FerroFrente (Frente Nacional pela volta das Ferrovias) e da Associação Guarujá Viva (Aguaviva).
Assessor de imprensa/Atendimento/Jornalista
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