UMA DEMOCRACIA ABSOLUTISTA? *
Há uns anos, a roda da História quis que um pé-descalço estivesse na plêiade dos que podiam pensar Moçambique, propondo a reconstrução de um novo edifício constitucional que fosse arquitectonicamente mais funcional para o povo se sentir dono e não apenas que todos se sentissem ao seu serviço, com algum sentido empregatício.
Era um edifício que seria diametralmente diferente do de 2018 que vem de um novo modernismo pacifista que privilegia a presença de mais público servidor, no mesmo espaço, optando em destruir pilares e paredes, explorandomodernas técnicas para vencer distâncias.
Se tais obras de beleza rara forem de arquitectura sustentável nunca virá a propósito discuti-las, todavia valorar aquela de que participei, nunca submetida ao parto, não se sabe se por impreparação da gestante ou por falta de tecnologia obstetrícia.
Frenesim para obra de formosura ímpar, com regras democráticas para defender os que tocam xigovia, dançam mapico e marrabenta ou maquilhadas de mussiro e que nunca ressuscitassem Luís XIV, de má memória, mesmo em França.
Eu não conheci esta brilhante e tenebrosa personalidade, mas do que sei, entre 1643 e 1715, foi o Rei Sol, de brilhante corte que, adolescente, viu irromper a revolta da Fronda, guerras de oposição combinada dos príncipes, nobreza, tribunais (parlamentos) e de ponderáveis parcelas populares; os estilingues de crianças às janelas não tinham objectivos revolucionários, mas os de protecção de liberdades e contra os direitos e decisões reais.
O hábil cardeal Jules Mazarin, diplomata e político italiano, quinhoeiro no exército papal, conselheiro, ministro-chefe, co-regente e mentor de Luís XIV, sufocou a sedição e construiu uma máquina administrativa que tropeçava quem constituísse perigo a este deus na Terra para quem a discordância era pecado similar à desobediência e rebelião.
O aprendiz e os mestres de Ciência Política malham na bigorna esta sórdida frase que lhe é atribuída: “Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu”.
Ele era o Estado leiteiro das leis!
De Luís XIV, passam cinco séculos, surgiu a revolução francesa, sofreu-se duas guerras mundiais, sentiu-se o apogeu e queda do nazismo, a guerra fria, a decadência dos estados socialistas, as alternâncias entre os sempre bons e maus e o crescimento de Moçambique.
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Quem tem discutido o significado das divisões do poder em executivo, legislativo e judiciário, e do estado democrático de direito que não devem ser surpreendidos por práticas orientadas pelo espírito antirrepublicano?
Olhar a história não significa estar preso ao passado, mas aprender com ele para seguir a marcha da revolução futura.
A partição dos poderes foi criada para proteger o povo dos democratas do presente, e mesmo com os problemas, não será rompendo com as conquistas fundamentais do Estado de direito que se ingressa na modernidade.
Moçambique sonha um período de grande poderio, prosperidade económica, progresso científico e excelência cultural, não por acções de supremacia pessoal, atingida pela glória, mas pela democracia.
Moçambique não pode projectar uma imagem de decadência e arrependimento amargo, pois não terá o tempo de Luís XIV para dizer ao bisneto, futuro rei: “Amei a guerra, não me imite nisso, nem nas grandes despesas que fiz.”
Moçambique não precisa de absolutismo realista ou democrático, de esquerda ou de direita, nem de movimentos que enfatizam a depravação humana, a necessidade da graça divina e a predestinação à desgraça pelas divisões dos paralelos; os súbditos podem acabar por desacreditar o conceito de liberdade ameaçada por armas e filmes de terror.
*Teodoro Andrade Waty
Doutor em Direito
Professor| Advogado|Jurisconsulto