Uma Jornada Profissional de RH na Gestão do Desenvolvimento Humano nas Organizações

Texto elaborado a partir da palestra “Uma Jornada Profissional de RH na Gestão do Clima Organizacional”, em abril/2017.

Tenho encarado a vida profissional como parte de uma Jornada que me aproxima ou me distancia da minha missão de vida. É como se eu fizesse parte de uma expedição rumo ao meu processo de crescimento pessoal, mas também com uma oportunidade grandiosa de acompanhar e apoiar o desenvolvimento e a Jornada de muitas outras pessoas, que podem passar uma parte da viagem ao meu lado, mas que em um outro momento seguem por si mesmas (e este desapego é mais um processo de aprendizagem fantástico).

Nesta Jornada, tenho afinidade pelos conceitos que compreendem as Empresas por onde passei como Organismos Vivos, de altíssima complexidade e subjetividade, mas tal qual o ser Humano, possuidores de uma parte física, uma parte vital, um bom pacote de emoções e uma singularidade que representa sua Identidade. Acredito que apenas através de reflexão dessa natureza podemos nos aproximar de acessar a subjetividade inerente ao mundo corporativo, que só existe porque pessoas o mantém em funcionamento. Há alguns anos descobri na Antroposofia o entendimento de cada uma dessa partes de um jeito extremamente elucidativo e funcional. Irei compartilhar neste artigo, alguns desses conceitos e algumas dicas práticas, que tenho utilizado nesta Jornada.

Proponho que pensem nas organizações como “espaços” divididos e compreendidos a partir de 4 níveis. Abaixo um resumo de cada uma delas, baseado na literatura específica sobre o tema:

Nível dos Recursos – Neste nível você encontra tudo que existe na empresa e que é concreto e só se altera se alguma força externa for exercida sobre estes itens. Refere-se a tudo que você consegue pegar, medir e analisar. Aqui encontram-se as máquinas, os móveis, a estrutura física de um escritório, mas também se encontra o “Headcount”, aquele no sentido mais concreto do termo, que indica a quantidade de pessoas que fazem parte de uma linha, de uma equipe, excluindo-se toda a subjetividade que este número contempla. Um exemplo deste nível pode ser visto quando o time responsável pelo planejamento de produção calcula o número de pessoas necessárias para produzir um número X de produtos, e indica que tem pessoas demais ou de menos e está focando exclusivamente na dimensão dos recursos que estas pessoas representam.

Nível dos Processos – Neste nível encontramos a maneira como os recursos são utilizados e ganham Vida. Muitas vezes, a medida que esta utilização vai amadurecendo, não precisa necessariamente passar pela tomada de consciência e o processo simplesmente acontece. É o nível “automático” e não “reflexivo” que mantém a organização viva, mas não necessariamente utilizando da melhor maneira todos os recursos que possui. Representa as formas de trabalhar, políticas e processos presentes, o tempo dedicado a cada etapa do processo. Ao contrário do nível dos recursos, anterior, o nível dos processos não ocupa espaço. Contemplam fluxos racionais, lógicos, calculáveis e previsíveis. Considerando o exemplo anterior, para considerar a quantidade de pessoas necessárias o time de planejamento também deverá considerar o processo produtivo implementado, que dará vida aos produtos que está se comprometendo a entregar.

Nível das Relações – Como o próprio nome indica, este nível contempla a força e a energia que se intensifica ou se reduz na qualidade das Relações que se estabelece sempre e em qualquer lugar que duas ou mais pessoas coexista. Neste nível estamos tratando da qualidade dos sentimentos que emergem na união de pessoas, o quanto de confiança existe (ou não), qual o nível de simpatias e antipatias existentes, que emoções primárias surgem em cada encontro, sem que exista ainda a tomada de consciência sobre as mesmas.  É o componente instintivo da qualidade das relações que são estabelecidas: como as pessoas administram diferenças, conflitos, decisões, vontades, medos, sentimentos e motivações. O clima do ambiente de trabalho é uma expressão clara deste nível já que estão envolvidos elementos como expectativas (atendidas ou não), esperanças, frustrações, status, prestígio e poder. Aqui também encontramos informações sobre a qualidade da comunicação, tanto interna como externa e o estilo de Liderança existente. Não é visível como o nível dos recursos, nem lógico e racional como o nível dos processos. Em resumo, é o nível sutil e que foge do controle (ou sistema), não podendo ser quantificado, sendo medido apenas qualitativamente.

Nível da Identidade – Neste nível encontramos o “DNA” da organização. Aquilo que a torna única, singular e diferente de todas as outras organizações, ainda que de mesmo ramo de atividade. Compõe a biografia da empresa, sua Cultura e Valores, sua Missão, sentido da sua existência, sua estratégia, objetivos empresariais, princípios que norteiam suas ações, visão de futuro e a atitude que assume perante o mundo. Esta Identidade, não é a que publicamos para os clientes, ou que expomos nas paredes da empresa, mas sim a Identidade real, vivenciada e renovada pela existência da mesma.

           Considerando a complexidade do Ser Humano, com sua peculiar abrangência de necessidades e busca constante pela satisfação e refinamento das mesmas a medida que vai as satisfazendo, tomarei posse do entendimento dos níveis apresentados acima para esclarecer como pessoas e organizações se conectam em cada um deles. Imagine que existam pontes que ligam o Ser Humano a cada um dos níveis, cada uma delas com características específicas. Este entendimento pode nos aproximar de alcançar um trabalho de desenvolvimento humano em organizações considerando o mais absoluto respeito à singularidade, de uma maneira que se mostre possível atuar considerando o máximo possível das variáveis presentes. Importante também salientar que os líderes têm um papel fundamental na construção destas pontes, significando dizer que é um trabalho conjunto que fará uma diferença sustentável rumo a uma organização que de fato valoriza o Desenvolvimento:

•      O nível dos Recursos conecta-se às pessoas através da ponte da segurança em que as pessoas vão trabalhar buscando a satisfação das necessidades mais primárias de sobrevivência. O foco nesta ponte é a disponibilização de condições físicas, salário ao fim do mês e/ou benefícios materiais que a empresa oferece. Apesar de parecer simplista, devemos levar em consideração que as pessoas podem em algum momento fazer opção por encontrar no trabalho apenas a garantia do fornecimento das questões mais básicas, cumprindo apenas o papel operacional e de troca que lhes cabe, buscando a ‘autorrealização’ ao realizarem outra atividade (Ex. Trabalho Voluntário).

•      O nível dos processos conecta-se ao indivíduo através da ponte da dedicação em que o indivíduo se realiza profissionalmente na execução dos processos organizacionais da empresa, da área onde trabalha. Este e o nível acima representam o espaço da organização em que se estabelece a qualidade ‘concreta’ dos produtos e serviços. Representa a esfera de como o indivíduo executa o que tem nas mãos para fazer, qual o pacote de processos que estão sob sua responsabilidade dentro do ambiente organizacional.

•      Conectando o nível das Relações ao componente “anímico” do indivíduo, encontramos a ponte da motivação que repousa no sentimento instintivo de simpatia pelo ambiente da empresa, em que se encontra espaço e situações de interação em que este se sente aceito, respeitado e integrado a um time (outras pessoas). A preocupação com a manutenção da qualidade dos relacionamentos no trabalho é uma atitude comum a quem transita nesta ponte e ocorre de maneira que o indivíduo encontre espaço para manifestar o seu sentir.

•      Conectando o nível da identidade da organização ao “Eu” do indivíduo, encontramos a ponte da identificação que serve de passagem para o encontro da essência do indivíduo com a identidade da empresa. Podemos observar que esta ponte está sendo utilizada como passagem principal quando o Ser Humano se sente identificado com os valores, a cultura ou o caráter da empresa, de maneira que o indivíduo se vê cumprindo sua missão de vida através do seu trabalho naquela empresa.

Mas, penso que já teorizei o suficiente. É chegada a hora de compartilhar como tenho utilizado estes conceitos em minha atuação como gestora e profissional de Recursos Humanos dentro das organizações que já tive a oportunidade de atuar intencionando o Desenvolvimento Humano dos profissionais e times atuantes.

Transitei por cada um dos níveis e pontes com o intuito de obter uma espécie de diagnóstico organizacional em prol do Desenvolvimento, tal qual proposto pela Antroposofia (e sua ampla Literatura sobre o tema). Listarei em cada um dos níveis, quais os aspectos observados e questões a serem respondidas para nortear minha Jornada:

Recursos: Ponte da Segurança

·        Foi fundamental tomar conhecimento dos Recursos presentes e disponíveis, não apenas no RH, como também na Organização como um todo (Sistemas e Ferramentas);

·        Ter total conhecimento das estruturas organizacionais de todas áreas atendidas e da organização como um todo – quantos membros em cada time, pontos concretos de intersecção e etc;

·        Informações sobre estrutura salarial e benefícios disponíveis;

·        Recursos de comunicação presentes;

·        Qual é concretamente o Curriculum (vivências concretas, qualificação) apresentado por cada profissional do time de RH, Liderança e demais áreas. Há uma base concreta desta qualificação que por si só não implica em “saber transformar em resultado”, mas é importante tomar conhecimento do que é preexistente.

·        Quais os resultados concretos apresentados pela organização, pelos times sob sua responsabilidade? E suas interações?

 Processos: Ponte da Dedicação

·        Neste nível, surgiu a necessidade de tomada de conhecimento dos processos de trabalho em geral, tempo investido, resultados originados e etc.;

·        Quais os processos de comunicação presentes?

·        Quais os processos formais e informais existentes na organização? A formalidade e a informalidade falam a mesma língua, ou que se faz, não é exatamente o que está escrito nos procedimentos auditáveis?

·        Sabendo como funcionam as coisas aumenta-se a chance de uma aproximação genuína de quem dá vida à organização, já que se torna possível fazer perguntas que fazem sentido, permite fornecer exemplos e com o amadurecimento do processo, realizar intervenções adequadas à cada realidade/ time (diminui a chance ser aquele profissional de RH, completamente viajante e sem noção :-/)

·        Como funcionam os programas de integração e reintegração de funcionários? Como as políticas e procedimentos da empresa são elaborados, mantidos e divulgados?

·        Quais os Papéis e Reponsabilidades de cada “Recurso Humano”, anteriormente quantificado? Seus papéis se alinham à Qualificação apresentada?

·        As Políticas e Procedimentos presentes estão alinhadas às demandas atuais e futuras da Organização (sempre levando em consideração também as questões legais, envolvidas). Ex. Processo de Avaliação de Desempenho/ Processos Seletivos/ Promoções, Programas de Reconhecimento, etc.

·        Os processos favorecem o atingimento dos Resultados? Qual o índice de Qualidade das entregas realizadas entre as áreas e para o mundo exterior à organização?

·        Nível de Saúde e Segurança Ocupacional Presente.

 Relações: Ponte da Motivação

·        Neste nível passa-se a avaliar a qualidade dos relacionamentos vivenciados na Organização. Não basta considerar apenas o que as pessoas verbalizam, mas também o que VIVEM. Perguntas que visam responder como as pessoas se relacionam? O quanto se conhecem? Observações constantes se mostram necessárias.

·        Como as pessoas se comportam quando alguém faz aniversário / é promovido/ é contratado? Estas comemorações fazem parte de um “protocolo” em que todos precisam se comportar de uma ou outra maneira, ou são parte da verdade das relações encontradas?

·        De que maneira as dúvidas e insatisfações são conhecidas e como são tratadas?

·        Como surgem e são tratados os conflitos inter e intradepartamentais?

·        Como funcionam os times: Colaborativos, Competitivos? Como são tomadas as decisões?

·        Qual a atuação do líder na criação da integração dos membros do time? Como o RH pode e deve ajudar? Ex. Diálogos, Dinâmicas de Grupo, Assessments, etc.

·        Qual a motivação dos líderes para “serem” líderes? Que intenção está envolvida neste título?

·        Há programas de formação/ desenvolvimento de Líderes – como são e com que frequência acontecem? O que contemplam? Há espaço para que sejam criados?

 Identidade: Ponte da Identificação

·        Identifique os verdadeiros Valores Organizacionais, observe possíveis inconsistências: Por que existem? Onde existem?

·        Qual o nível de autoconhecimento existente nos profissionais da organização, considerando Líderes de todos os níveis, profissionais de RH e times em geral? Institua e incentive práticas e ferramentas que fortaleçam este processo.

·        Como a Identidade da Organização é vivenciada no dia-a-dia?

·        Qual o nível de alinhamento entre o que o processo de “integração” indica e o que acontece na Cultura do Dia-a-dia?

·        Quem são os detentores e personagens principais da Cultura da Organização?

·        Qual o nível de entendimento e alinhamento do time de RH e Líderes com a Identidade da Empresa? E dos funcionários em Geral? Que base você utiliza para ter esta percepção?

·        Como a empresa lida com questionamentos ao que “Ela” é no presente? Qual o nível de amadurecimento permitido e profundidade de discussões?

 Não basta SABER, você precisa FAZER.

                      Após aproximar-me de mais e mais perguntas e respostas em torno das questões e observações apresentadas, o que me deixa confortável de compartilhar esta experiência é a sensação de que sempre podemos ao menos tentar fazer algo sobre o que apreendemos e aprendemos. Conhecimento, constatações e conclusões sem ação, não caracterizam uma JORNADA, mas simplesmente uma passagem... Logo, os aprendizados “vivenciados” a partir da minha jornada até aqui, sem a menor pretensão de serem as melhores ou únicas possibilidades de atuação profissional na missão de Desenvolvimento Humano, estão resumidos abaixo:

# 1 Seja conhecedor da Estratégia Organizacional para ser capaz de saber até onde, como e quando você pode ir.

# 2 Faça um plano, compartilhe estas questões e respostas. Priorize. Comece a fazer algo.

# 3 Desenvolva e utilize-se da influência positiva. Participe e crie discussões nutritivas sobre os temas acima indicados.

# 4 Busque o seu próprio Autoconhecimento. Ser “tecnicamente” qualificado não nos torna automaticamente preparados para atuar com eficácia em toda e qualquer situação em um primeiro “ensaio”. Sim, você também pode precisar aprender algo mais. Você também pode precisar mudar.

#5 Desenvolva paciência e resiliência constantes. Isso inclui Você, a Organização, os Times e as Pessoas em geral. Os Resultados não são necessariamente imediatos.

#6 Proporcione o desenvolvimento à todas as pessoas e níveis, SEMPRE. Inclusive a você. Sempre há algo “maior” para aprender com alguém.

# 7 Realize diagnósticos e avaliações constantes. Cada ano/ período pode ser uma nova realidade.

# 8 Sente na Cadeira que lhe pertence: Sem Desculpas! Não caia na tentação de se tornar no maior e melhor crítico dos outros que o Mundo já conheceu, mesmo que isso seja sedutor por algum momento.

# 9 Cuidado com a autossuficiência. Você não fará nada sozinho, mesmo que seja extremamente “inteligente” e tenha as maiores e melhores certificações.

#10 Não sente na cadeira que não é sua. Nenhum profissional de RH, por melhor que seja, deve substituir o Líder. Caberá a você desenvolvê-lo, aprender com ele e construir um processo de Desenvolvimento Compartilhado.

 Até a próxima.


Elisiane Silva

Coordenadora de DHO | Gente & Cultura l Aquisição de Talentos l T&D

7 a

Excelente!

Diego Distasi Coelho

Supply Chain | Compras | Manufatura | Logística

7 a

Excelentes dicas de reflexão para o autoconhecimento e crescimento. Parabéns!

Rodrigo Gonelli

Gestão de Produção I Processos I Planejamento I Projetos

7 a

Muito boa leitura e reflexão !!!

Lindo texto!!! Vivi com vc muito de cada ponto destes. Continue escrevendo...pude ouvir sua voz enquanto eu lia.

Karoline Almeida

Procurement | Suprimentos | Contratos | Desenvolvimento local | Institucional | ESG

7 a

Shoooooooowwww 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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