Uma lição de humildade
Vamos falar de espaço?
Estima-se que existam de 100 a 500 bilhões de galáxias no universo. Pare um pouco para pensar nesse número. Até 500 bilhões. Não são 500 mil, nem 500 milhões. São 500 BILHÕES. Com “B”. Trata-se de um número tão gigantesco que é difícil visualizá-lo. Mas tente.
Vamos seguir esse raciocínio pegando o “menor” número da estimativa: 100 bilhões. Dentro de cada uma dessas 100 bilhões de galáxias – cada uma –, supõe-se que haja um número semelhante de estrelas. Ou seja, existe algo em torno de 100 bilhões de estrelas dentro de uma única galáxia. Isso dá aproximadamente 10 sextilhões de estrelas no universo visível. Sabe o que é isso? Eu também não. Só sei que é algo imenso. É um 10 seguido de 21 zeros. Ou seja, 10.000.000.000.000.000.000.000 de estrelas.
O Sol, a nossa esfera quente aqui pertinho, é apenas uma dessas. Só um número no meio de todos aqueles infindáveis zeros. Ao redor dele, orbitam alguns planetas, entre eles a Terra. Isso significa que nossa humilde bolinha azul gira em torno de uma única estrela que está junto a outras 100 bilhões dentro dessa galáxia, que, por sua vez, é apenas uma das galáxias de um universo composto por outras 100 bilhões – no mínimo.
Você consegue ter compreensão da grandeza disso? É difícil, muito difícil. São números que fogem da nossa realidade. Para facilitar a visualização, uma analogia. Imagine que consigamos juntar em um único lugar todos os grãos de areia de todas as praias do mundo. Todos os grãos. De todas as praias. É muita coisa. Pois bem. Cada um desses grãos seria um planeta no universo conhecido. A Terra é apenas um deles.
Agora, vamos falar de tempo?
Hoje, os cientistas estimam a idade do universo como aproximadamente 14 bilhões de anos. Desde o Big Bang até agora, 14 bilhões de anos se passaram, alguns milhões pra mais ou pra menos. Tente, mais uma vez, visualizar esse número descomunal. Se você cansa ao esperar quinze minutinhos na fila de um banco, imagine o que seriam 14 bilhões de anos.
A Terra formou-se há algo em torno de 4,5 bilhões de anos. Em outras palavras, o universo existiu por mais ou menos 10 bilhões de anos sem o menor sinal do nosso pequeno ponto pálido azul. Depois que ele se formou, mais 1 bilhão de anos se passaram até começarem a surgir os primeiros sinais de vida. Coisa precária ainda, como células simples, longe de qualquer ser complexo ou inteligente.
Nós – e, quando digo “nós”, não falo nem em homo sapiens, mas nos primeiros hominídeos – aparecemos há apenas 200 mil anos. Quase ontem. Ou seja, se a idade da Terra for exatamente 4,5 bilhões de anos, nosso planeta ficou sem vida ou foi habitado por outras espécies por 4.499.800.000 de anos. É tempo, não?
Para facilitar essa visualização, Carl Sagan criou um calendário cósmico, apresentado em seu livro “Os Dragões de Éden” e na série “Cosmos”. Dizia ele que, se colocarmos toda a história do universo dentro de um ano, considerando o primeiro segundo de janeiro como o Big Bang, os seres humanos apareceriam apenas às 22h30 do dia 31 de dezembro. Lá no final, mas bem a tempo de réveillon.
Muito, muito tempo se passou desde o início de tudo até a gente aparecer por aqui, em uma pequena rocha perdida em um espaço gigantesco.
O que eu quero dizer com tudo isso? Simples: que somos absolutamente nada. Nada. Qualquer ilusão que possamos ter de que o universo foi criado para nós, de que somos especiais de alguma forma, cai por terra quando analisamos esses números em toda a sua dimensão.
Há uma vastidão quase inimaginável de tempo e espaço que mostra como o universo é indiferente a nós. Ele não conspira a nosso favor. Ele não está nem aí para quem somos e para o que vamos fazer. O universo é um lugar frio, gigantesco e letal, totalmente alheio à sua existência. Acreditar que ele foi feito por nossa causa é pura arrogância humana. Ele existiu e vai continuar existindo muito depois de já termos desaparecido.
Para alguns, entender isso pode ser assustador. Para outros, o contrário. Ter a consciência de nossa insignificância, de que não somos especiais e de que não há qualquer plano definido para nós, pode ser libertário. É ter a certeza de que a mesquinhez, a violência e o egoísmo são sentimentos ridículos, uma vez que, no grande sentido das coisas, qualquer motivo de conflito se resume a nada. É compreender que viver em função de uma fantasia sobrenatural é um desperdício.
Temos a breve, fugaz e incrível oportunidade de existir por pouco tempo em um cantinho de toda essa imensidão, e devemos aproveitá-la ao máximo, ajudando uns aos outros, tentando deixar algo de bom para quem vai ficar e aprendendo o que pudermos sobre esse cosmos fascinante e amedrontador.
“A Astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina humildade”, escreveu Carl Sagan. Sei muito pouco sobre essa ciência. Porém, quanto mais aprendo, mais difícil fica discordar do mestre.