Uma nova internet é possível?
Tenho lido muitos livros, conversado com pessoas. Caminhando meu caminho, papo, som dentro da noite. Conhecendo muitos pensadores interessantes e debatido com muita gente legal o papel da internet (da ideia de hiperconexão) e das redes sociais. E uma teoria tem me feito refletir.
Todas as grandes (r)evoluções tecnológicas contemporâneas foram feitas à luz de um tempo conservador, ultraliberal e monetarista. As palavras de ordem no vale do silício são empreendedorismo, escalar, coletar dados, monetizar e fazer IPO. Essa lógica, transformou o espaço digital em uma guerra por data e likes que, necessariamente, geraram bolhas algoritimizadas: quanto mais confronto e polaridade, mais fácil é escalar, tratar os dados, clusterizar e lucrar.
O que assusta é que blockchain, criptomoeda, NFT e o metaverso proposto usam a mesma velha roupa colorida.
Outro debate que tem gerado opiniões acaloradas é sobre liberdade de expressão, censura e regulação dos meios. Ora, em um cenário em que as mensagens são oferecidas escolhidas por um algoritmo criado para você interagir mais e mais, a liberdade já não existe. O sistema não é formado a partir da ideia da circulação da informação equânime e, sim, da interação exacerbada, da geração de dados, da gestão privada e da criação de bolhas. E você está nesse jogo aí - e não no jogo da liberdade de expressão. A sua opinião já é induzida - e da pior forma possível: aquela em que você acredita que não é bem assim que funciona.
Aí entramos em um outro aspecto da questão e igualmente importante. As grandes redes sociais têm comportamento de praças públicas, onde cada um fala o que quer e da forma que quer. Mas as opiniões são administradas por empresas privadas e com o objetivo de gerar lucro - portanto, aqui, interessa a polarização, a desinformação, o sucesso, o clique e, não, a democratização da informação ou a liberdade de expressão.
Cabe a reflexão: ou as redes obedecem regras de praça pública, onde a população decide os rumos da gestão igualitariamente e independente de participação societária (chama democracia) ou elas obedecem regras de empresas privadas e deveriam ser corresponsabilizadas pelo conteúdo publicado, por exemplo. E, acompanhe o raciocínio, uma rede social ser corresponsabilizada quer dizer responder pelas opiniões emitidas no ambiente privado (existe um CNPJ por trás de tudo) e tratar com rigor as fake news, a desinformação e as opiniões que ferem as leis do país.
Mais rigor com esses temas é diminuir a polarização e o interesse nas bolhas. Ou seja: diminuir o lucro privado obtido na praça pública. Eis aqui o paradoxo.
Para muitos, criar leis mais rígidas para as redes sociais pode ser sinônimo de censura. Mas, em última instância, já não existe liberdade de expressão nas redes sociais, o algoritmo, a busca por dados e a monetização são os censores. Por outro lado, não existe censura na internet. Estamos falando de regras, única e exclusivamente, criadas para ecossistemas privados. E, lembrando: a praça pública vai estar sempre à disposição.
Recomendados pelo LinkedIn
Agora, faça um exercício. Imagine que o boom da tecnologia não fosse feito nem nesse cenário ultraliberal e nem no vale do silício?
Imagine que tivesse sido feito em condições em que as palavras de ordem fossem troca de informações, ciência, software livres e democratização da tecnologia?
Imagine que a lógica fosse o desenvolvimento da tecnologia livre e em escala global, provavelmente nas universidades, com aplicabilidade local?
Imagine que a tecnologia de aplicativos de transporte (como o uber) ou de entrega de alimentos tivesse sido criada para que as comunidades pudessem se organizar localmente para oferecer esses serviços? (Talvez o trabalho não fosse tão precarizado).
Imagine que a lógica não fosse focar na opinião das pessoas com o objetivo de tracionar e, sim, na criação de fóruns de debates a partir de temas que estimulem o exercício do pensamento, a leitura e a ciência?
Imagine que as startups fossem criadas para resolver problemas efetivos do mundo e gerar conhecimento, ciência, soluções para um planeta debilitado e emprego, sem que a preocupação fosse virar um unicórnio?
Se a ideia central não fosse escalar para ter um IPO bem sucedido e, sim, criar um ambiente paroquial, em que a tecnologia fosse ferramenta para incrementar a economia local?
Muitas destas ideias já estão em curso e já aparecem nos mapas de tendência. Tudo muda e com toda razão. Estamos caminhando para uma transformação vigorosa da humanidade. Por um lado, o tempo corre inexorável e vamos precisar do planeta (que vai muito mal), por outro a tecnologia vai continuar a sua escalada, criando inteligências artificiais e próteses, alongando a expectativa de vida e as possibilidades de sobrevivência.
O que vamos fazer com isso? Não faço a menor ideia. Tomara que dê tempo de a gente criar outra lógica.
#regulacaodosmeios #democracia #comunicacaodigital #bigdata #AI
IBGE Communications Manager | Content Editor IBGE News Agency | Media training instructor | Media Statistics Litteracy
2 aPrecisa ser criada a internet estatal ou org (provedores, portais, conteúdo) enquanto for apenas privada a lógica será o dinheiro.