Uma Nova Ordem Mundial com Características Chinesas
O mundo está navegando em águas turbulentas, testemunhando uma das transições mais significativas de sua história. Com a ascensão da China e o declínio gradual dos Estados Unidos, há um sentimento geral de insegurança e medo sobre o futuro e o desconhecido. A mudança nunca se caracteriza como um período confortável devido à turbulência que, com frequência, gera.
A relação entre os Estados Unidos e a China nunca mais será a mesma, mas não terminará em guerra, como alguns preconizam. A China não é a Rússia! A Guerra Fria terminou em 1989, apesar de alguns ainda lucrarem com isso. O relacionamento atualmente conturbado tampouco é culpa de Donald Trump. Isso aconteceria de qualquer maneira, à medida que a China retornasse à sua posição histórica de maior economia do mundo, além de ter-se transformado no país mais industrializado da atualidade. O novo normal é uma relação contínua e conflitiva entre as duas potências mundiais. Ambas têm enormes disparidades: seus modelos econômicos e políticos são diferentes e também o seu tecido social. Suas perspectivas sobre o mundo e o futuro também estão distantes. A China, por um lado, está buscando alcançar proeminência e relevância. Os Estados Unidos, por outro lado, procuram manter o status quo. Normalmente, aqueles que buscam alcançar algo tendem a ser muito mais envolvidos e dispostos a assumir riscos do que aqueles que querem preservar as coisas como estão.
A nova realidade é que o mundo mudou e mudanças tectônicas no poder global aconteceram em silêncio até recentemente. Nesta nova ordem mundial em construção, o cenário parece incluir os seguintes aspectos:
1. O sistema das Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio tornaram-se menos relevantes. Apesar de ter gerado benefícios substanciais para a humanidade, há uma percepção generalizada e sensação de que algumas dessas organizações trabalharam principalmente a favor e em nome dos vencedores da II Guerra Mundial, particularmente os Estados Unidos. Sua falta de reforma na governança provou ser o seu calcanhar de Aquiles e a comprovação mais conclusiva de quais são seus verdadeiros propósitos.
2. O dólar dos Estados Unidos, que tem sido a moeda de reserva do mundo, será paulatinamente substituído pelo Renminbi (RMB). O domínio do dólar no sistema internacional proporcionou aos Estados Unidos enorme prosperidade e acesso a bens e serviços mais baratos. Como os dólares só podem ser obtidos através de investimentos (o que é muito mais raro) ou superávits comerciais, os países têm sido forçados a sustentar grande parte da prosperidade e bem-estar existentes nos Estados Unidos, desvalorizando suas moedas e o preço de seus produtos.
3. O poder militar - outrora o fator mais crítico do poder duro - continuará sendo essencial, porém menos relevante, uma vez que a ascensão da guerra cibernetica e de novas tecnologias estão lentamente redesenhando o papel do poder militar, atuando como significantes alavancas no poder global. As despesas militares têm impedido os Estados Unidos de investir mais em seu crescimento tecnológico e infraestrutura interna, com uma diminuição dos resultados positivos resultantes das despesas militares.
4. A desindustrialização é uma realidade inexorável e uma nova realidade. A China tornou-se a fábrica global do mundo devido ao uso inteligente de sua força de trabalho - sua commodity mais amplamente disponível - juntamente com alta taxa de poupança, investimento crescente em educação e – o fator mais relevante – o fato de que os países não fizeram sua lição de casa para continuarem competitivos.
Assim, a nova ordem mundial com características chinesas apresentará uma matriz econômica e política que lentamente substituirá muitos dos princípios da atual ordem liberal. Nesta nova ordem mundial, existem alguns fatores a serem considerados:
1. O poder econômico prevalecerá sobre o poder militar. A China não será a principal potência militar do mundo nem o seu policial. A China enfrenta restrições resultantes de uma vizinhança muito complicada, onde qualquer movimento significativo poderia desencadear uma corrida armamentista. Com quatro (4) vizinhos nuclearizados - Índia, Coréia do Norte, Paquistão e Rússia - além da Coreia do Sul e do Japão, que refletem a presença dos Estados Unidos na Ásia, a própria realidade força a China a ser muito cuidadosa com a percepção de seus vizinhos quanto ao seu poderio militar
2. A tecnologia será a principal força de crescimento, desenvolvimento e alianças políticas. Com a Internet das Coisas (IoT) e o domínio tecnológico do 5G, a China será capaz de aumentar sua presença global, colher os benefícios derivados da vantagem inédita de estabelecer os padrões da quarta revolução industrial.
3. A ordem mundial será baseada menos na “pregação” e mais no “pragmatismo”. Os Estados Unidos conduziram a ordem global por meio de sua bússola moral, e lograram criar grande parte do crescimento e desenvolvimento dos últimos 70 anos. Essa mesma bússola também tem sido significativamente criticada como hipócrita. A maioria das regiões do mundo - embora ainda que reconheçam o papel vital dos Estados Unidos - tem exemplos de situações em que a pregação não foi seguida por ações, o que levou a queixas e extremo desconforto. O mesmo pode ser dito sobre a União Européia, que continuará sendo um ator relevante, porém secundário na nova ordem mundial.
4. Outra questão a ser lembrada é qual sistema político é o mais adequado para produzir resultados e levar à prosperidade dos cidadãos. Em todos os lugares em que se observa mais atentamente, a democracia representativa está em crise, e a ascensão do populismo em alguns países nada mais é do que a evidência de que os sintomas do fracasso são muito mais profundos do que se pensava. As democracias se acostumaram com a perspectiva de eleger e imediatamente se arrepender de sua votação, um sentimento real de remorso do comprador sempre que um ciclo eleitoral chega ao fim. Esse sentimento de estagnação e descontentamento com o modo como as democracias - e suas correspondentes elites – têm operado evidenciam um completo divórcio quanto à definição da própria democracia - o governo do povo, para o povo e pelo povo. As verdadeiras questões tornaram-se: onde está "o povo" nas democracias e quem é esse “povo” que lidera os governos?
Os países emergentes devem prestar muita atenção nos ventos da mudança e alterar seu curso para enfrentar esses novos desafios. A Iniciativa Cinturão e Estrada (também conhecida como a Nova Rota da Seda), lançada pelo governo chinês, pode fornecer algumas dicas sobre a maneira como a China prevê o funcionamento do mundo no futuro. Neste futuro, não há poder duro ou brando. O que importa, de fato, é o poder. Assim, considerando que a ascensão da China não é uma onda, mas sim um tsunami, há três coisas que os países emergentes devem considerar:
1. Agregar valor sempre que puder, eliminando as restrições que barram o crescimento, desregulamentando o máximo possível para permitir que as forças do mercado operem com força total e com o melhor de sua capacidade, com uma estratégia de longo prazo e perspectiva de como se reafirmar globalmente.
2. Escolher o lado onde há mais potencial para crescer e negociar bem os termos de apoio. A história ensinou que, no campo das Relações Internacionais, não há amigos ou inimigos permanentes, apenas interesses.
3. Fazer o que for necessário para estar na sala das negociações globais. Se o país não estiver na sala de decisões selecionando os itens do cardápio, este país, de fato, será o cardápio. Os países devem ser capazes de aprender com o passado, aproveitar ao máximo o presente e não desperdiçar tempo, esforços ou talentos em atividades inúteis. Competitividade é o nome do jogo e a China ensina que não há muito espaço para erros.
Embora desafiadoras, as perspectivas para a nova ordem mundial são positivas. Uma nova era está começando. Sem dúvida, os historiadores apontarão para a criação da Internet como o começo deste novo capítulo da história humana e a China como a força motriz desta nova era. O futuro parece brilhante.
Sócia-Diretora Earo Consultoria e Inovação - Advogada colaborativa l Mediadora de Conflitos TJ/SP | Palestrante l Idealizadora @maestria.mediacaopormulheres
5 aSensacional... algo que alguns já previam, no entanto seu enfoque é lucido e detalhado. Parabéns!
Ótima análise!!
Business Development/ International Trading / GM
5 aMuito bom o artigo! Alguns movimentos politicos e economicos recentes passaram despercebidos pelo homem comum na rua porem foram sinais fortes das mudanças. Turquia comprando missies S-400 da Russia, EUA cancelando venda de aviões para Turquia, Russia e China se aproximando cade vez mais economicamente, Italia assinando tratado para participar do One Road, One belt; Espanha e França assinando tratado para desenvolver mais jatos para reduzir a dependencia nos EUA dentre outros. Esses pequenos eventos que parecem isolados, quando se conecta os pontos comecamos a enxergar a forte mudança na economia mundial e o poder que a Asia trara nos proximos 20-30 anos. o 5G é uma virada historica onde a Huawai iniciara uma lideraça tecnologica que se iniciará pela Asia pela primeira vez desde a 2a. Guerra mundial. O Ocidente esta perdendo o protagonismo na inovação tecnologica. Muito interessante viver esse momento de mudança de poder global. mais uma vez obrigado pelo brilhante artigo!
Community Manager / Video Gaming PR / Consultant for Brazil and LATAM
5 aProfessor parabéns pelo artigo. No meu caso esses esclarecimentos serão muito úteis, pois eu trabalho com games, um mercado que está cada vez mais na China. Obrigada por compartilhar seus conhecimentos aqui.
founder na Lematt Serviço de Representação Legal
5 aCom o perdão de ser, por ora, o único a discordar parcialmente. A China não é competidora histórica pelo domínio da economia mundial. Nos termos modernos, ela é uma economia prematura. O desenvolvimento das regras de comércio mundial não foram desenvildas com a participação da China.