Uma pergunta inquietante

Uma pergunta inquietante

Participei há alguns meses num encontro de recém-licenciados no qual fui abordado com uma pergunta inquietante e que ao mesmo tempo revela o sentimento coletivo desta geração que entra agora no mercado de trabalho. Uma rapariga, com ar doce e discreto, levantou a mão na sala cheia e perguntou: “quais são as três características que preciso ter para ser feliz e para que me queiram contratar?”

A pergunta não surgiu do nada, tínhamos estado a discutir o assunto. Atrair e recrutar talento jovem é hoje um dos principais desafios das grandes corporações. A entrada dos millennials (indivíduos nascidos entre 1980 e 1995) no mercado de trabalho tinha já significado uma adaptação cultural sem precedentes. Trouxeram diversidade, impulsividade, uma atitude mais comunicativa e um sentido crítico por vezes confundido com arrogância.

No entanto, apesar de educados para “seguirem os seus sonhos”, tinham presente uma noção de hierarquia do conhecimento (aprender antes de fazer) que permitiu importar as suas competências técnicas, criatividade e proficiência digital para as organizações. Curiosamente, esta é a geração mais admirada pelos seus seguidores (nascidos a partir de 1995), por lhes ter mostrado o caminho, mas que por sua vez os repudia pela sua atitude desapegada, que consideram narcisista.

O desafio começa no ensino, com modelos de educação desajustados a uma menor capacidade de atenção e um desinteresse dos jovens consequente do acesso ilimitado à informação. No emprego não gostam de monotonias, estão dispostos a ganhar menos e ter mais tempo livre, preferem as startups às grandes empresas, os ténis às gravatas, trocam lugares garantidos pela incerteza no estrangeiro, tudo isto com o apoio da família que protege as suas decisões aparentemente imprudentes, por vezes acertadas.

Culpar os jovens pelas suas características comportamentais é tão inútil como culpar o eleitorado pela eleição de um líder impopular. Serve apenas o propósito da consciencialização social do problema. Não me lembro o que respondi. Nesse dia, mais tarde, pensei numa entrevista de Aldo Naouri, pediatra francês, que falava da importância da infância no êxito pessoal, quando lhe perguntaram como percebe que uma criança está a ser bem-educada pelos pais. Ele respondeu: é uma criança que sabe que os outros existem.

Publicado no Dinheiro Vivo em 25.02.2017


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