A universidade como uma oportunidade de vivenciar múltiplas experiências

Muita gente me pergunta como um geógrafo pode atuar na área comercial. Não é simples de entender se pensamos no ensino superior como uma “caixinha” que resolve problemas de determinada área do conhecimento. Mas, fica mais fácil entender se encaramos a universidade como uma oportunidade de vivenciar múltiplas experiências.

Neste texto reflito sobre a importância de uma formação superior de qualidade - em qualquer domínio do conhecimento - destacando três aspectos que considero fundamentais: a interdisciplinaridade, o rigor metodológico e as experiências para além da sala de aula.

A interdisciplinaridade como fator motivacional para aprender/ensinar

Comparar grades curriculares de cursos superiores, além de complexo, pode ser um equívoco. Afinal, muito provavelmente, alguns cursos desenvolverão habilidades de comunicação; enquanto outros, habilidades analíticas, ambas desejáveis na vida profissional. Mais do que importantes, são interdependentes: do que adianta um belo gráfico com uma mensagem confusa ou uma excelente oratória sem conteúdo?

Ainda assim, um zoom out em diferentes grades curriculares mostra que disciplinas como Estatística e Economia estão presentes em vários cursos, uma vez que tanto a análise de dados quanto o conhecimento de aspectos históricos e econômicos são essenciais para a formação de um bom profissional. No entanto, além da possibilidade de enriquecer a formação, a vivência de situações “interdisciplinares” me permitiu desenvolver a empatia.

Interagir com pessoas experts ou não em determinado assunto implicava ensinar o que era do meu domínio, mas, sobretudo, aprender o que era novo para mim. No primeiro caso, precisava explicar aquilo que me parecia “óbvio” com clareza, mostrando o que estava por trás da ideia, seus pressupostos e raciocínio; precisava ser convincente. Por outro lado, quando não conhecia o assunto, precisava manter a atenção para aprender com rapidez e saber perguntar o que não compreendia. Nos dois casos, saía da minha “zona de conforto”.

Como a Geografia é uma ciência que faz interface com outras áreas - Engenharia Ambiental, Geologia, Arquitetura, Pedagogia, Ciências Sociais, Demografia –, tais situações fizeram parte da minha formação e me fizeram perceber que é importante ter humildade e respeito para travar múltiplos diálogos e, assim, manter-se sempre aberto a novos aprendizados.

O rigor metodológico

A universidade é um mundo de possibilidades, de muitos caminhos; para percorrê-los foi necessário senso crítico para saber explorar o que cada disciplina tinha de melhor a oferecer. Nunca quis me “casar” com uma determinada teoria. Procurei interagir e aprender com referências de diferentes campos da Geografia, visando extrair o melhor de cada um.

Hoje tenho a consciência de que essa busca pela “excelência” me permitiu (e permite) analisar os desafios diários e contribuir propositivamente para superá-los. Por trás de estratégias, existem processos de tomada de decisão que precisam ser constantemente reavaliados. Nada está posto para sempre.

Na universidade duas tarefas faziam parte do meu cotidiano: leitura e exploração de dados. Em ambas, poderia apenas me apropriar dos discursos (ideias e números) ou, diferentemente, poderia tomá-las como material de análise para propor novos caminhos. Tive contato com a análise de dados sociodemográficos de populações vulneráveis. Por ocasião do intercâmbio, trabalhei com variáveis ambientais e, como estagiário, com dados de desmatamento. No meu primeiro emprego, atuei na área de pesquisa de mercado.

Embora essas experiências pareçam muito distintas das minhas atividades atuais na área comercial, mantive a necessidade (e a curiosidade) de entender o que acontece por trás do conhecimento (fontes, métodos analíticos etc.) para respaldar as decisões. Para extrair insights relevantes - independente do tópico - é essencial aprender as especificidades de cada tipo de dado e, principalmente, manter o rigor metodológico.

A universidade para além da sala de aula

Quando ingressei na universidade criei muitas expectativas sobre as disciplinas e os professores. Hoje reconheço que isso é só uma parte do ensino superior. Em geral, boas universidades organizam suas atividades em torno de três eixos: ensino, pesquisa e extensão.

Foram nestas três frentes que me desenvolvi, não só como geógrafo, mas como cidadão. Durante a minha permanência na universidade, muito embora admirasse meus professores e apreciasse as disciplinas, minha formação se expandiu para além dos limites da sala de aula.

No âmbito das atividades de ensino tive a oportunidade de atuar como monitor de uma disciplina e, assim, apoiar colegas com dificuldades e novos ingressantes. Na área da pesquisa desenvolvi um projeto de iniciação científica e fiz três estágios no exterior, ocasião em que pude aprender com (e sobre) o processo de resolução de problemas, desde o levantamento de perguntas, testagem de hipóteses até o alcançar resultados plausíveis.

No campo da extensão, participei de grupos de divulgação científica com o objetivo de disseminar conhecimentos técnicos para a comunidade em geral. Realizei, ainda, estágios em consultorias de geoprocessamento quando passei a entender as práticas do mercado e aprendi a usar diferentes softwares.

Uma boa formação acadêmica, portanto, possibilita, além do aprendizado de conteúdos disciplinares, a vivência de diversas situações práticas que contribuem para o desenvolvimento de uma postura propositiva, senso crítico e capacidade de comunicação, atributos importantes para um profissional de qualquer área de atuação.

Enfim,

Não é o Geógrafo, o Administrador, o Arquiteto ou o Engenheiro que atua na área comercial ou em qualquer outra área, mas, sim, uma pessoa! Alguém que tem disposição para aprender, curiosidade, vivências, senso crítico. O mercado profissional é extremamente dinâmico e requer muito “jogo de cintura” que, em geral, não se conquista na sala de aula. Por isso, mais do que um curso ou outro, a oportunidade de fazer um curso superior deve ser valorizada e aproveitada explorando o mundo de possibilidades que apresenta.

Cecilia Novaes

Helping companies unlock endless possibilities l Cloud Applications

4 a

Nossa, Pedro, arrasou, vou compartilhar.

Beatriz Paganini Piacente

Relações-Públicas especialista em marketing

4 a

"... contribuem para o desenvolvimento de uma postura propositiva, senso crítico e capacidade de comunicação, atributos importantes para um profissional de qualquer área de atuação." Muito bom, Pedro! Adorei sua reflexão! Profissionais para além de seus títulos 👏🏼

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