Usinas Híbridas: um novo caminho para energia solar fotovoltaica e a eficientização do sistema elétrico
Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2019 as usinas hidrelétricas correspondem a 64% da capacidade instalada para geração de energia elétrica. Esse montante demonstra o grande peso que essa fonte possui dentro da matriz elétrica nacional. A política de preços, regulação e gerenciamento de nossa matriz tem como base a gestão do recurso hidrelétrico.
Mesmo bem dimensionadas, usinas hidrelétricas nem sempre operam em sua capacidade máxima deixando de aproveitar parcial ou completamente a estrutura disponível. Isso pode ocorrer devido ao sobredimensionamento para futuras ampliações, operação com maior margem de segurança, ou ainda devido a sazonalidade no comportamento dos rios. A Agência Nacional de Águas (ANA) prevê maior imprevisibilidade dos rios visto os impactos das mudanças climáticas recentes, o que torna a operação das usinas ainda mais instáveis visto a necessidade de revisão de outorgas do uso da água.
Essa imprevisibilidade pode afetar a garantia física das usinas, sendo essa garantia a quantidade de energia que uma usina consegue suprir dado um critério pré-definido. A garantia física serve de base para o cálculo e gerenciamento da oferta de energia interna do país, o que pode acarretar uma instabilidade e ociosidade do sistema.
Uma maneira de medir a ociosidade de um sistema (seja de geração, distribuição ou transmissão) é pelo seu Fator de Capacidade (FC). Esse índice é calculado como a razão entre a energia gerada efetivamente pelo potencial de geração dado pela potência instalada de uma usina (ou no caso de uma linha de transmissão ou distribuição, a razão é dada como a energia transportada da linha pela energia possível de ser transportado referente a capacidade da mesma). Na figura ao lado é possível verificar a evolução do FC do parque hidrelétrico nacional, retirada do livro Energia Renovável de Tolmasquim. Onde a faixa de FC opera entre 50 e 60%, com uma queda para baixo de 50% entre os anos 2010 e 2014.
Uma solução para esse problema é dado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) na nota técnica: “Usinas Híbridas: uma análise qualitativa de temas regulatórios e comerciais relevantes ao planejamento”. Nessa nota é descrito que as usinas híbridas e de geração associada aumentam o uso da capacidade dos sistemas de distribuição e transmissão, otimizam o uso da área da usina e se aproveitam da complementaridade entre fontes energéticas, trazendo benefícios à rede. A adição de outras fontes de geração de energia em usinas hidrelétricas auxilia a geração hidráulica em períodos de menor fluxo de água e permite a manutenção do reservatório para melhor atendimento do pico de demanda. Além disso é importante destacar que a adoção do hibridismo, ou a hibridização das fontes, levará a um “aumento no fator de capacidade” no ponto de conexão, o que será traduzido em um aumento no percentual de geração das usinas e também um aproveitamento maior das infraestruturas elétricas disponíveis como subestações e linhas de transmissão e distribuição.
Mas o que são usinas híbridas? Como sua topologia se caracteriza?
Barbosa (2006) define usinas híbridas como sendo: usina que utiliza mais de uma fonte primária de geração de energia elétrica, se caracterizando pela capacidade de uma fonte suprir a falta temporária de outra, diminuindo interrupções e tendo sua otimização de recursos energéticos e financeiros como objetivos principais.
A EPE em sua nota técnica traz 4 modelos modelos possíveis de usinas híbridas, como apresentado a seguir.
Usinas Adjacentes: são basicamente aquelas construídas em localidades próximas entre si, podendo utilizar o mesmo terreno e compartilhar instalações de interesse restrito, sendo essas subestações ou linhas de transmissão. Mesmo com esse compartilhamento, na visão do SIN, por requisitarem potência instalada nominal compatível com sua respectiva instalação e por não compartilharem os equipamentos de geração, não são consideradas propriamente usinas híbridas.
Usinas Associadas: duas ou mais usinas de fontes energéticas distintas (hidrelétrica e solar, por exemplo), com características de produção complementar e que, além de sua proximidade, compartilham fisicamente e contratualmente a infraestrutura de conexão de acesso à rede básica ou rede de distribuição.
Usinas Híbridas (strictu sensu): definidas como aquelas que combinam seus recursos energéticos distintos ainda no meio de produção de energia elétrica. Um exemplo dessa modalidade são as usinas heliotérmicas com queima de biomassa, de forma que o vapor produzido pela queima de ambas as fontes (solar + biomassa) é aproveitada na mesma turbina.
Portfólios Comerciais: Diferente dos outros arranjos anteriores, as usinas de portfólios não necessariamente possuem proximidade física ou compartilhamento de equipamentos, porém se mantém a necessidade de adotar diferentes tipos de geração. O arranjo se caracteriza por possuir contratos comerciais partilhados com o objetivo de reduzir exposições de compra de energia a preço de curto prazo, sobretudo em contratos de compra por quantidade. Cabe ressaltar que esse tipo de categoria não impacta a contratação do sistema de distribuição ou de transmissão, referentes às Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).
Energia solar como opção para hibridização
A utilização da hibridização utilizando energia solar + hidrelétrica vem sendo estudada e testada há algum tempo. Seus resultados, principalmente os direcionados ao impacto econômico e ambiental, vem se mostrando promissores.
A utilização da energia solar fotovoltaica em hidrelétricas pode ser feita em espaços terrestres próximos a usina, porém seu uso mais emblemático é sobre o lago do reservatório das usinas. As estruturas utilizadas neste tipo de aplicação são flutuadores de polietileno de alta densidade, sendo em algumas aplicações brasileiras fabricadas a partir de uma resina produzida pela Braskem.
Um estudo de caso de grande sucesso no Brasil foi (e está sendo) a usina solar flutuante de Sobradinho, que está sendo construída sobre o lago da UHE Sobradinho administrado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). A usina hidrelétrica em questão já possui 1.050 MW de potência instalada provindo de suas 6 unidades geradoras de 175 MW cada. A usina solar construída sobre seu lago atualmente possui 1 MWp com uma ampliação prevista de mais 1,5 MWp, totalizando uma obra de 2,5 MWp e um investimento total da ordem de R$ 55 milhões.
Em primeiro momento o valor de R$ 55 milhões assusta um possível investidor (algo em torno de 22 R$/Wp), o que traz insegurança no quesito viabilidade. Entretanto, vale ressaltar que o valor do investimento contempla uma série de outras iniciativas de P&D, como estudos de fatores como a radiação solar incidente no local; produção e transporte de energia; instalação e fixação no fundo dos reservatórios; a complementaridade (leia-se hibridização) da energia gerada; e o escoamento da energia.
Em complemento, a utilização de energia solar flutuante traz outros benefícios muito importantes, como:
- Utilização de um espaço ocioso, evitando a desapropriação de terrenos já utilizados;
- Aumento na eficiência dos módulos, dado que os mesmos operam em uma temperatura mais baixa e acumulam menor quantidade de poeira devido a proximidade com a água (Esse aumento é estimado em 10% comparada às instalações sobre o solo);
- Não há problemas com sombreamento, falta de espaço (limitado somente a área do reservatório) ou inclinação de terreno como no caso de usinas sobre o solo;
- Diminui a evaporação da água o que contribui para a manutenção do recurso hídrico durante estiagens (Estima-se uma redução de 85% da evaporação).
Além dos benefícios técnicos das usinas flutuantes, os benefícios de hibridização também devem ser levados em conta. Como já comentado anteriormente, a hibridização traz um alívio sistêmico interessante, contribui para o aumento do FC (o que por sua vez traz eficientização para todo o sistema), além do aproveitamento maior das estruturas elétricas já existentes.
Em caso de usinas hidrelétricas de grande porte, como Sobradinho por exemplo, há um sistema elétrico de transmissão complexo e robusto para sua interligação com o SIN. A complementaridade de mais fontes, dentro do contexto de hibridização que utilize essa infraestrutura já construída, faz com que se haja uma diminuição no capital necessário para a construção de novas infraestruturas, contribuindo para um investimento global do sistema mais sustentável. A utilização das mesmas estruturas de transmissão e distribuição também podem contribuir para a redução de custos com TUSD e TUST dos sistemas, principalmente nas topologias Stricto Sensu e Associadas. Todos esses benefícios também se aplicam a pequenas geradoras como CGHs e PCHs.
A seguir uma foto da usina solar flutuante sobre o reservatório da UHE Sobradinho. Fonte: Sunlution.
A hibridização de usinas hidrelétricas em conjunto com usinas solares fotovoltaicas é um assunto em desenvolvimento tanto no Brasil como no mundo, há dezenas de iniciativas nesse sentido e a grande maioria parece vislumbrar um futuro próspero para o setor fotovoltaico.
Nas imagens a seguir é possível ver algumas iniciativas ao redor do mundo. Essas imagens foram reproduzidas da dissertação de mestrado de Sofia Gouveia (2007) e demonstram uma série de estudos e projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Referências:
ANA. Mudanças climáticas e recursos hídricos: avaliações e diretrizes para adaptação. Brasília, DF: ANA, GGES, 2016.
BARBOSA, Claudomiro. F. DE O. Avaliação tecnológica, operacional e de gestão de sistemas híbridos para geração de eletricidade na região amazônica. Dissertação (mestrado). Belém, PA: Universidade Federal do Pará, 2006.
COSTA, Sofia. G. Impactes ambientais de sistemas fotovoltaicos flutuantes. Dissertação (mestrado). Lisboa, Portugal: Universidade de Lisboa, 2017.
EPE. Usinas híbridas: uma análise qualitativa de temas regulatórios e comerciais relevantes ao planejamento. Brasília, DF: 2018.
TOLMASQUIM, Mauricio T. Energia Renovável: Hidráulica, Biomassa, Eólica, Solar, Oceânica. Rio de Janeiro, RJ: EPE, 2016.
Jornalista | Redator SEO| Analista SEO
4 aExcelente conteúdo. Posso pegar o material e publicar no portal de notícias Click Petróleo e Gás? Deixarei os créditos ao final da publicação