Utopia brasileira

Utopia brasileira

A recente discussão sobre a mudança da escala de trabalho de 6 por 1 para 4 por 3 no Brasil tem gerado um intenso debate sobre os impactos dessa medida em diversos setores econômicos. A revisão da jornada de trabalho pode representar um avanço social, mas, ao mesmo tempo, suscita uma série de desafios que não podem ser ignorados.

Para os setores de serviços intensivos em conhecimento a mudança da escala de trabalho para 4 por 3 não deve causar grandes impactos, pois poderá ser compensada facilmente pelo aumento de produtividade. Por outro lado, setores como o comércio e os serviços não intensivos em conhecimento devem enfrentar mudanças significativas. Para esses segmentos, a adaptação à nova escala pode ser desafiadora. Basta que a maior disponibilidade de tempo para os trabalhadores realizarem suas atividades pessoais aqueça a demanda por produtos e serviços.

Já o setor industrial, principalmente aquele intensivo em mão de obra, será o mais afetado por essa mudança. Setores como o de confecções enfrentarão o desafio de manter seus níveis de produção com uma redução da semana de trabalho. Considerando um cenário em que uma semana de trabalho de seis dias passa a ter apenas quatro dias úteis, a necessidade de compensar essa diferença implica em um aumento de 33% na produtividade diária. Caso essa produtividade adicional não seja alcançada, as empresas precisarão contratar mais funcionários para manter seus níveis de produção, resultando em um aumento dos custos operacionais.

O repasse desses aumentos de custos para os preços finais pode ser inviável, principalmente em segmentos onde a margem de lucro já é reduzida. Nesse contexto, muitos empresários enfrentarão a difícil decisão de absorver esses custos em seus lucros, colocando em risco a sustentabilidade financeira de seus negócios. Caso essa apropriação se mostre impossível, a empresa poderá sucumbir, aumentando o desemprego e agravando os problemas sociais que já assolam o país.

Apesar desses desafios, é fundamental reconhecer que a demanda dos trabalhadores por uma jornada de trabalho mais equilibrada e menos desgastante é legítima e necessária. Melhorar a qualidade de vida do trabalhador deve ser um objetivo comum, beneficiando não apenas o indivíduo, mas toda a sociedade. Contudo, essa mudança precisa ser acompanhada de medidas que promovam o aumento da produtividade. Somente dessa forma será possível garantir que os benefícios da mudança de jornada sejam distribuídos de forma equitativa entre os trabalhadores, os empresários e o setor público. Os trabalhadores ganham uma vida mais digna, os empresários mantêm seus resultados financeiros, e o setor público, por sua vez, pode ver um incremento na arrecadação tributária derivado do aumento da atividade econômica.

De forma romantizada, a jornada de trabalho menos extenuante pode fomentar uma maior demanda por atividades de lazer e desenvolvimento pessoal, alinhando-se ao conceito do “ócio criativo” proposto pelo sociólogo italiano Domenico de Masi, em que trabalho, estudo e lazer se combinam de forma equilibrada. A mudança da escala de trabalho para 4 por 3 deve ser vista não apenas como uma concessão ao trabalhador, mas como uma oportunidade de transformar a dinâmica produtiva do país. Para que essa transformação seja positiva, é essencial que empresas, governo e trabalhadores se comprometam, primeiramente, com o aumento da produtividade. Somente assim a proposta se viabilizará. Porém, no momento, o projeto se apresenta totalmente utópico para a realidade brasileira.


Rogério Ribeiro - Economista formado pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (FECEA), atual campus de Apucarana da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e doutorando em Desenvolvimento Regional e Agronegócio na UNIOESTE - campus de Toledo.

É professor do colegiado do curso de Ciências Econômicas da UNESPAR - campus de Apucarana desde 1992. Foi chefe do Departamento de Economia e coordenador do curso de Ciências Econômicas.

Atuou como coordenador administrativo de 2002 a 2010 e de 2010 a 2014 foi diretor da FECEA. De janeiro de 2014 a dezembro de 2020 foi Pró-reitor de Administração e Finanças da UNESPAR.

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