UTOPIA VIVIDA
Durou mais ou menos trinta anos, do final da década de 1930 até o final da década de 1960. Foi um sonho vivido, uma utopia realizada.
Geograficamente ficava na Gleba Aquidaban. Era um vale lindo uma verdadeira Toscana. Ficava em uma vale verde de ar puro, entre dois espigões da região. Em um passava a estrada Caranã e no outro a estrada Marialva. Estradas que nasciam na cidade de Marialva e cada uma ia seguindo o seu espigão, lugar mais alto da região, percorrendo toda aquela região esteticamente bela, até chegar nos distritos de São Miguel do Cambuí e também no de Aquidaban. No fundo do vale corria o rio Marialva, que também nascia em Marialva e vinha serpenteando e distribuindo vida por tudo ali.
Tudo ali começou a ser habitado no final da década de 1930, em sua maioria por famílias de italianos, que vinham do sul do estado de Minas Gerais e do interior do estado de São Paulo. Formou-se ali uma verdadeira colônia de italianos, com suas casas construídas ao longo das margens do rio Marialva. Eram famílias enormes, que vinham da lida no trabalho nas grandes lavouras de café no interior do estado de São Paulo e de Minas Gerais. Vieram em busca do sonho de ter seu próprio pedaço de terra, de seu chão. A maioria conseguiram. Cada família vivia em pequenas propriedades, chamada de sítio, de cinco, dez, quinze e alguns poucos de vinte alqueires paulistas, com lavouras de subsistência. Eram praticamente auto-suficientes. Viviam ali entre eles, um ajudando o outro, o mundo deles era ali. Tinham quase tudo ali, pequenos animais, frutas, arroz, feijão, milho, horta, todo tipo de legumes e verduras. A lavoura principal era o café. Imensos cafezais, lindos, enormes, produtivos, era a vida deles. Cultura que conheciam de longe, fazia parte da história de todos ali. Tudo era tocado, cuidado, pela própria família, quase não havia empregados contratados, a não ser em momentos específicos como na época da colheita. O trabalho da família era suficiente para cuidar do sítio, da plantação a colheita. A solidariedade era total. Um ajudava o outro, era quase uma família só.
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Havia festas, rezas, campo de futebol, o lazer era ali mesmo entre eles. Todos viviam perto um do outro em todos os momentos da vida ali. Não faltava nada de essencial. Havia muita alegria, contentamento, segurança, paz, solidariedade, generosidade, confiança, na vida simples que eles levavam. Se bastavam. Mas quase todas as famílias tinham sua pequena propriedade, era quase tudo em comum. Era impensável, inacreditável, que aquilo um dia ira acabar. Mas acabou.
Já no final da década de 1960 começou a dar alguns sinais do fim de tudo aquilo. Aos poucos começaram a sentir que algo estava mudando, mas ainda era apenas um sentimento difuso. No início da década de 1970 a realidade se impôs. Todos viram claramente o que estava chegando. Seria o fim de uma utopia. Começou a aparecer a ferrugem amarela nos cafezais, também o cancro cítrico nos laranjais. Tudo ficou muito difícil. Passou-se a ter a necessidade do uso de venenos e adubos. Começou a erradicação dos cafezais, era o fim da lavoura do café e a entrada da lavoura da soja. Nasce ai a necessidade da compra da máquina, a máquina entra no campo. Houve o endividamento do agricultor no banco. Começou o êxodo rural, o fim de uma utopia.
Houve o esvaziamento total daquela região, daquele vale tão lindo, cheio de vida, cheio de gente. A beira do rio Marialva ficou vazia, tudo ali ficou triste. Era o fim de um sonho, de uma utopia vivida tão intensamente. Era o fim de um tempo que vivi ali junto com todos. Até parece mentira que tudo aquilo existiu um dia, mas a memória guarda tudo, nem que for na camada mais profunda, um dia por algum motivo insignificante tudo vem novamente a superfície caudaloso, novinho, na nossa memória e a utopia reacende no nosso coração.
Trade Maker, Head BI, Especialista em Varejo, Professor Dr. pesquisador em Trade Marketing
1 aMuito bom professor! Mais um belo texto, com uma visão impar e resiliente ao tempo... As coletâneas da evolução histórica desta região estão muito boas. Parabéns! 👏👏 João Ivo Caleffi