VÍTIMA DE UM PSICOPATA CORPORATIVO?

VÍTIMA DE UM PSICOPATA CORPORATIVO?

Um início promissor

Alberto tinha pouco tempo de empresa, mas já tinha recebido feedbacks positivos do CEO, de outros diretores e de alguns empregados. Era um bom começo, mas ainda não era suficiente para consolidar sua autoconfiança. A sobrecarga de trabalho comprometia a vida familiar, mas ele não ligava. Sentia que passava por um bom momento profissional e deseja apreciar a experiência. Acreditava que o sacrifício, no futuro, valeria a pena.

Uma tarde, João Carlos, o diretor mais antigo e experiente da empresa, o procurou para “uma conversa particular”. A cara redonda e a figura roliça denunciavam seu gosto pelos prazeres da mesa. A cintura avantajada e a pouca estatura lhe davam um ar bonachão, que era desmentido pelo sorriso forçado. Uma gentileza exagerada no trato e um estilo professoral completavam o perfil.     

O aviso

Alberto foi conduzido, pelo braço, até uma sala de reunião isolada e vazia. João Carlos foi direto: em breve eu serei o CEO da empresa. O atual não vai durar. O conselho não gosta dele. Foi indicado por falta de opção. Ele era um consultor, nunca foi CEO. Apesar do sorriso, a última frase carregava desprezo. Para evitar qualquer dúvida, João Carlos foi ainda mais claro. Alberto não deveria dar atenção às ordens daquele CEO. Ele deveria seguir suas ordens e tudo estará tudo bem. Em breve as coisas mudariam.

 Alberto vinha de uma empresa europeia. Essa era sua primeira experiencia em uma empresa norte-americana. Ela já tinha ouvido falar das diferenças culturas, por isso não descartou que esse tipo de abordagem poderia ser normal nesse novo ambiente. Tentou não dar importância àquele aviso e voltou a se concentrar nos seus projetos.

A vida segue

Apesar da “conversa particular”, nenhuma mudança aconteceu nas semanas seguintes. João Carlos continuou participando das reuniões da equipe gerencial. O curioso era que ninguém o escutava falar do seu trabalho. Na verdade, ninguém sabia exatamente o que fazia, mas ele sentia-se à vontade para dar opiniões sobre o trabalho dos outros e fazer críticas aos projetos em andamento. Nesses encontros ele deixava claro seu alinhamento e sua forte influência sobre o CEO, que, por sua vez, mostrava-se agressivo e, às vezes, emocionalmente descontrolado. Em privado, ele adorava criticar seus reportes diretos.  

Em pequenos grupos, João Carlos gostava de alardear sua proximidade com o conselho administrativo e contar histórias sobre alguns dos líderes que tinham passado pela organização. Ele insinuava que ainda mantinha contato com eles. Em rodas de café, ele gostava de exibir sua erudição, coisa que fazia os participantes se afastarem.        

Após alguns meses de trabalho, a área de Alberto começou a tornar-se uma referência dentro da empresa. Ele sentia seus funcionários cansados, mas energizados pela chance de pôr em práticas ideias engavetadas pela gestão anterior. Funcionários de outras áreas o procuravam para pedir opiniões e conselhos. Alguns de seus pares procuravam sua orientação. Claramente seu círculo de influência vinha crescendo.

Um novo desafio

Um dia, um pequeno grupo de empregados o procurou com um pedido inusitado: queiram que ele assumisse a liderança da área. Eles comentaram que o atual líder, que nos últimos tempos vinha confrontando o CEO, seria demitido em breve.

Alberto, surpreso com a revelação, recusou o pedido, explicando que ele duvidava da saída do executivo que, na visão dele, era experiente e tecnicamente sólido. Além disso, confirmou que não tinha experiencia alguma naquela área, portanto, não poderia ajudar. Os empregados rebateram dizendo que o que a área precisava era uma pessoa com habilidades gerencias, coisa que ele já tinha demostrado possuir.

Alberto tentou chegar a um meio termo, por isso concordou que, se a saída daquele líder acontecesse de fato e, desde que ele fosse convidado, ele aceitaria cuidar da área, como interino, até a indicação de um novo líder. Os empregados concordaram.

Algumas semanas depois, o CEO confirmou o que os empregados tinham adiantado. Ele chamou Alberto para contar sobre a saída daquele líder e comentou que o demitido tinha uma boa bagagem técnica, mas era muito imaturo. Além disso, mencionou que lhe incomodava a constante busca do demitido por holofotes. Na mesma reunião, o CEO comentou que pretendia indicar João Carlos como interino. Alberto lembrou que os empregados também tinham antecipado esse movimento e imploraram para que, se isso acontecesse, Alberto intercedesse para evitá-lo. João Carlos, era visto por eles como arrogante e cínico.

Depois de uma longa conversa sobre os prós e contras da nomeação, o CEO descartou o nome, e ofereceu a posição de interino ao Alberto. Ele acumularia, temporariamente, duas funções.

Ousa um bom conselho!

Alberto abraçou as novas atividades, sem deixar de lado as outras. A vida familiar, mais uma vez, pagou um preço alto pela sua decisão, mas como ele tinha claro que era uma responsabilidade temporária, a consciência pesou menos. Em breve estaria de volta às suas atividades tradicionais, pensou.

Alguns dias depois da sua nomeação, Alberto recebeu a visita de João Carlos na sua sala. Ele o cumprimentou pela indicação e mencionou que era bom ver o CEO considerando novos nomes para posições interinas e assim desenvolver nossas lideranças.

Já de saída, fez uma recomendação: “já que você assumiu novas responsabilidades, mude de sala. Use a do líder da outra área. É importante o CEO perceber que você está levando a sério a sua interinidade”. A sugestão foi aceita, agradecida e implantada.  

O balde de água fria

Algumas semanas depois, Alberto foi chamado à sala do CEO. Ele imaginou que seria para discutir detalhes de algum dos projetos no qual estava trabalhando no momento. Sabia que o cronograma estava atrasado e imaginou que o presidente não deixaria barato, pois não gostava de atrasos. Sabia que a sobrecarga de trabalho não seria aceita com desculpa. Preparou-se mentalmente para as pauladas e entrou na sala.

O CEO iniciou o discurso comentando que, na opinião dele, Alberto não vinha demonstrando suficiente motivação nas suas funções e que a única alternativa seria a demissão. Além disso, o CEO citou a mudança de sala como um gesto precipitado, que indicava excesso de ambição.

A conversa foi concluída e Alberto voltou a sua área em choque. Reuniu sua equipe e comunicou a decisão do CEO. Não conseguiu explicar os motivos, pois ele mesmo não os conhecia. Como alguém que tinha feito tudo o que ele fez no último ano podia ser considerado desmotivado? Poderia ter errado as prioridades, poderia ter deixado alguma ação importante de fora, mas estar desmotivado? Não fazia sentido.

A revelação

Um mês depois da saída, o Alberto recebeu um telefonema de um dos membros da sua equipe. Era um convite para um jantar, uma despedida. Ele agradeceu, mas deixou claro que ainda estava muito abalado e que não tinha vontade de participar de jantares. A réplica foi direta: quer saber o motivo pelo qual você foi demitido? Venha.

Durante o jantar veio a resposta à pergunta que martelava sua cabeça no último mês: o reconhecimento do trabalho desenvolvido por Alberto nos últimos meses tinha incomodado João Carlos, que passou a enxergar Alberto como um potencial concorrente em uma eventual “corrida presidencial”. Sendo assim, ele avisou ao CEO que o Alberto era um sujeito tremendamente ambicioso, que já cobiçava a cadeira dele e que se autointitulava seu sucessor. Foi o suficiente para o CEO determinar sua saída.

Além disso, existia um segundo motivador. O CEO tinha sido indicado por um consultor que mantinha a expectativa de desenvolver projetos para a empresa. Alberto tinha resolvido, internamente e a baixo custo, vários problemas, o que não dava margem para a contratação daqueles serviços de consultoria. Ou seja, o CEO sentia-se em dívida, mas não via opções de retribuir pela indicação. Nesse momento Alberto entendeu a insistente presença desse consultor em reuniões internas. Era uma forma de remunerá-lo, já que os projetos não apareciam.

Alberto tinha sido formado na cultura europeia, onde a economia dos recursos disponíveis e o foco em soluções internas eram prioridade. Imaginou que aquilo era uma qualidade que seria apreciada. Nesse dia aprendeu que nem sempre isso é verdade. Lembrou das reuniões de trabalho, marcadas na hora de almoço, regadas a cara comida dos restaurantes próximos, sempre jogadas no custo dos projetos. Afinal de contas, estavam trabalhando.      

Depois das explicações, as coisas fizeram sentido. Alberto percebeu que tinha sido tremendamente ingênuo e que sua incompetência não tinha sido técnica. Ela estava ligada à falta de experiência com o jogo político.

Em agradecimento ao grupo pelo gesto, Alberto convidou os colegas mais próximos para um jantar de despedida, na sua casa. Como tinha sido estabelecido um pacto de não falar de assuntos de trabalho, o ambiente foi muito positivo e o jantar ótimo. Os votos de pronta recolocação foram recebidos com carinho.   

A vingança

No espaço de dois meses, por ordem do CEO, todos os funcionários que participaram do jantar foram demitidos. Apenas um dos participantes escapou do castigo, pois tinha sido ele quem contou a João Carlos sobre o jantar e entregou a lista de participantes.

Alberto recebeu uma ligação do Diretor Financeiro que, a pedido do CEO, o alertava que ele deveria evitar qualquer contato com empregados da empresa. Qualquer ligação provocaria uma demissão.


 

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