As vítimas inocentes
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As vítimas inocentes

Com a existência de conflitos armados, as pessoas passam a ser rotuladas de acordo com vários estatutos. Um deles é o de vítima inocente.

As vítimas inocentes são, antes de mais, vítimas como todas as outras. Contudo é como se tivessem um estatuto especial, um lugar reservado e diferenciado de outras vítimas. Serão vítimas especiais?

Quando me ponho a pensar nesta questão, a minha memória recupera imagnes de arquivo, como por exemplo, alguém que é apanhado desprevenido, uma idosa que passava com o carrinho de compras, as crianças que brincavam no parque ou estavam na escola, um casal de namorados, alguém que ia para o trabalho ou que dormia tranquilamente em casa quando lhe entrou um míssil pela janela. A guerra tem destas coisas, coloca-nos cara a cara com os extremos e, num segundo, mostra-nos as coisas simples e bonitas da vida, como uma criança que brinca num parque, lado a lado com a complexidade associada ao ppoder de destruição de uma máquina de guerra.

Pelo que referi anteriormente, podemos concluir que as vítimas inocentes, para além da ausência de culpa, têm também uma certa condição de vulnerabilidade, resultante do facto de terem sido apanhadas desprevenidas. E já agora, porque é que ninguém se refere às vítimas de um tornado como vítimas inocentes. Será que tiveram culpa?

Contudo, os agressores usam outro sistema de categorização das pessoas. Para eles não há vítimas inocentes, quando muito há danos colaterais, ou vítimas secundárias que resultaram da necessidade imperiosa de aniquilar um alvo perigoso ou cuja aniquilação é determinante para a concretização dos objectivos.

Por exemplo, enquanto as vítimas inocentes brincavam na escola, o agressor deu-se conta que por baixo, atrás ou dentro da escola se escondiam os inimigos, o que me faz pensar que neste caso passaram a existir 2 tipo de vítimas, as inocentes e as culpadas, sendo que para um agressor as vítimas devem ser tratadas de forma diferenciada. Em relação aos culpados não pode haver dó nem piedade, enquanto os inocentes deverão ser tratados como um mal menor.

A mesma história tem assim 2 perspectivas diferentes:

  • Para quem agride, não há vítimas inocentes, e quando as há, é porque era fundamental que houvesse.
  • Para quem é agredido, só há vítimas inocentes e, do outro lado, agressores culpados.

Na minha perspectiva, isto levanta outro tipo de questões.

  • Será que existem vítimas culpadas, que nesse caso devem perder o estatuto de vítimas, passando apenas à categoria de más pessoas?
  • Não terão os agressores sido também as vítimas inocentes duma situação qualquer do seu passado?

Os seres humanos têm esta necessidade de catalogar os acontecimentos e as pessoas em gavetas. Não adianta contrariar, porque é essa divisão dos acontecimentos em categorias e catálogos que, em teoria, torna mais fácil entender, controlar e prever a realidade e ninguém quer abdicar desse poder. Contudo, esta categorização pode revelar-se perigosa, na medida que em que enviesa a percepção que se tem da realidade.

Para conseguir explicar o que quero transmitir, vou dar um exemplo: No actual conflito entre a Rússia e a Ucrânia existem vítimas inocentes dos dois lados, como por exemplo pessoas que foram mortas ou feridas, apesar de nada terem a ver com a guerra, assim como os jovens que, de ambos os lados, foram recrutados à força para uma guerra que se calhar nem queriam. Contudo, quem assiste do lado de fora, tal como num jogo de futebol, vai avaliar os acontecimentos e dividir os protagonistas em inocentes e culpados, de acordo com o lado que mais lhe convém.

É por isso que é relativamente simples manipular e distorcer a informação, principalmente numa época em que as pessoas têm acesso a tantas fontes de informação, que acabam por ter dificuldade em fazer juízos críticos acerca da realidade. Acredito que isso também as vai, lentamente, transformando em vítimas inocentes.



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