Vai passar e pessoas sempre serão essenciais
Quando a notícia sobre a pandemia da COVID-19 chegou ao Brasil, escrevi artigo sobre os impactos no mercado de eventos — foquei o olhar na área em que mais atuo: o cerimonial público. Refleti sobre a mudança do comportamento nas solenidades e o emprego do protocolo respiratório.
Não tinha a mínima ideia, naquele momento, assim como a maioria da população, o quanto essa pandemia impactaria não apenas o meu setor, mas toda a nossa vida e, provavelmente, toda a dinâmica da sociedade no futuro.
A Covid-19 é um mistério para os médicos e cientistas. Sua influência no comportamento humano é uma dúvida para todos nós. Ao mesmo tempo em que priorizamos a saúde e a sobrevivência diante dos riscos que o vírus nos impõe, um vazio se apresenta no horizonte.
A empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, que liderou a transformação digital da empresa nos últimos anos, iniciativa que permitiu que a sua rede de varejo sobrevivesse à crise e fortalecesse parceiros de negócios, micro e pequeno empresários, é uma das primeiras a alertar: "ninguém sabe o que realmente vai acontecer no pós-Covid-19. Quem disser quer sabe, escreva um livro porque se acertar, vai ganhar muito dinheiro”.
No setor em que atuo, assistimos ao cancelamento de todos os eventos presenciais, esvaziando a agenda de trabalho da maior parte dos profissionais — a minha, inclusive, e atingindo nossa principal fonte de renda. Em poucos dias, o caos estava estabelecido.
A necessidade de se reinventar transformou-se em questão de sobrevivência tanto quanto uma barreira para muitos de nós que atuamos há anos nesse segmento. Uns não sabiam fazer além do que já faziam; outros não desenvolveram as habilidades exigidas nesse novo cenário; e todos — ou quase todos —, mesmo aqueles que acreditavam estarem prontos para as mudanças, não encontrávamos oportunidade de trabalho.
Agenda sem evento é como cabeça vazia: oficina do diabo. Na mesma velocidade em que o vírus contaminava as pessoas, uma avalanche de informações predizendo o futuro se espalhava entre profissionais do setor de cerimonial. Muitos apontando para o fim das atividades presenciais — mensagem que potencializava a sensação de medo que a pandemia por si só já provocava em cada um de nós pelos riscos à saúde.
A previsão de que a função exercida por vários dos profissionais que conheço estava em extinção colocava em xeque tudo que se aprendeu até hoje — a percepção é de que a experiência acumulada ao longo da jornada teria perdido seu valor.
Uma onda de novas formas digitais para realização de eventos nos atingiu. Além de exigir investimento pesado em infraestrutura tecnológica — computador de ponta, placa de vídeo poderosa, câmera e microfone de qualidade, espaço em casa adequado e sinal de internet eficiente e estável —, o profissional acostumado às solenidades analógicas, trocou o calor proporcionado pela presença do público por uma sala fria e distante; e o olhar antes voltado às pessoas na plateia e no palco, fixou-se em uma câmera à sua frente.
Como uma cura para uma doença, ainda que fosse um propósito para um novo mercado de trabalho, a quantidade de informações reescrevendo o futuro, muitas delas repetitivas e sem consistência e outras tantas apenas para preencher o conteúdo vazio de uma live, criaram um cenário apocalíptico. E quanto mais informações e previsões, mais excluídos parecíamos deste novo mundo dos eventos.
Com que autoridade deram um ponto final à nossa história e profissão?
Quem é capaz de acreditar na ideia de que pessoas não mais precisarão de outras pessoas? Que eventos presenciais deixarão de existir? Que estamos dispostos a abrir mão da troca de experiência, conhecimento e networking proporcionados por seminários? Que ninguém mais deseja celebrar com seus pares uma formatura ou uma celebração de casamento?
Você realmente acredita que a política só se fará no palanque eletrônico?
Sinceramente, a despeito da mudança de comportamento que teremos, especialmente em relação a proteção à saúde, não me ocorre que deixaremos de ter uma vida presencial e os eventos, na forma como tínhamos até o início deste ano, nunca mais se realizarão. Creio que, a partir do momento em que os países se estabilizarem e tivermos acesso a uma vacina ou alguma outra forma efetiva de controle da doença, o mercado voltará à ativa.
Pode demorar, precisaremos ser resistentes e ter fôlego para suportar essa passagem. Da mesma maneira que precisaremos nos adaptar como já fizemos tantas outras vezes na história da humanidade. Atente-se para o tanto que você aprendeu em tão pouco tempo isolado dentro de casa. E o quanto se descobriu produtivo em atividades às quais talvez jamais se imaginou capaz de realizar.
Podemos, sim, realizar eventos conectados com o mundo! Nossa experiência e o conteúdo desenvolvido até aqui serão necessários para este novo momento —seja ele qual for. A bagagem acumulada nessa viagem não será um peso no caminho que teremos de percorrer. Nela está a riqueza do repertório que nos trouxe até aqui.
Os tropeços diante do microfone, o sistema de som falhando, o vídeo que não roda, os textos modificados em cima da hora, o roteiro sendo adaptado às circunstâncias e a plateia nem sempre disposta a ouvir o conteúdo preparado pela organização. Tudo isso foram desafios que você já venceu. E motivos para encorajá-lo a seguir em frente sem medo de ser engolido por essa garganta gigante que se chama evolução.
Sinceramente meus amigos que tão bem representam o nosso setor de eventos, por mais que o mundo virtual seja uma ferramenta produtiva de multiplicação da informação, nunca substituirá por completo o real. Em diversas outras atividades já vimos que esses dois mundos se complementam.
Nesses meses de pressão psicológica com bombardeio de mensagens negativas, não nos deixemos contaminar por prognósticos que — convenhamos — se baseiam em suposições, sem nenhuma garantia do que nos aguarda ali na esquina ou no próximo evento. A incerteza que nos cerca não dá a ninguém a autoridade para decretar o fim de uma atividade.
Vamos aproveitar este momento para aprender um pouco mais, desenvolver habilidades que se não nos ajudarem profissionalmente nos elevem como seres humanos.
Lembre-se: se tem uma coisa que jamais vai mudar no mundo dos eventos é que ele continuará sendo feito por pessoas.
Mestre de Cerimônia do Governo do Estado do RS - Locutor
4 aVamos em frente meu amigo Luis Afonso Rech. O que aprendemos até agora não foi em vão!