Vamos falar de algumas verdades inconvenientes, a mais.

Vamos falar de algumas verdades inconvenientes, a mais.

Economista Paulo Bretas

O sistema capitalista se fundamenta em alguns princípios basilares, entre os quais, a economia de mercado com os fundamentos da livre concorrência. Dos muitos pressupostos desta economia um dos mais importantes vem a ser a liberdade de decisão, tanto da parte dos investidores, quanto da parte dos consumidores. Contudo, o que se advoga nesse texto é que, a tomada de decisão de capitalistas e consumidores, não está fundamentada no princípio da racionalidade, como quer fazer crer os manuais.

O que quero dizer? As decisões são tomadas segundo os interesses de cada um, mas cada um tem formulações de interesses que são atravessadas por múltiplas determinações e embasamentos. Os investidores deveriam fazer cálculos de retorno e deveriam comparar alternativas de investimentos para aplicarem seus recursos. Buscando, sempre, onde seja possível obter os melhores retornos. Mas, na verdade, raramente o fazem.

Já os consumidores, agindo racionalmente, buscariam aqueles produtos e serviços que lhes traria um grau de satisfação esperada, pagando o menor preço. Mas não conseguem fazer essa fórmula mágica funcionar. São restringidos pela renda, pelo crédito e por suas paixões e crenças. Há quem compre o que seu “líder” mandar.

Outra questão relevante, analisando mais de perto as razões que levam investidores e consumidores a tomarem decisões verifica-se que nem todos conseguem ter à sua disposição, as informações necessárias para seu processo decisório.

Muitos empreendedores e empreendedoras nem mesmo saberiam dizer as verdadeiras razões para tomarem suas decisões de investir. O espírito empreendedor não vem acompanhado de bola de cristal, ou de um sistema inteligente com conhecimento amplo do mercado e de suas determinações. Muitos são capitalistas por necessidade, empresários de ocasião. Muitos são agentes de si mesmos. São trabalhadores transvestidos. Agentes econômicos adulterados. Daí que muitos são levados ao fracasso.

Analisando os consumidores, verificamos que muito mais as paixões e emoções guiam suas escolhas, do que a racionalidade da busca do menor preço. Somos levados a comprar por impulso, compramos por razões nada lógicas, compramos sem termos condições futuras de pagar. Somos levados aos gastos pelas ações de propaganda e marketing. Pela facilidade de ter um cartão de crédito á mão. Somos conduzidos à busca por bens e serviços que nos tornem visíveis. Substituímos a lógica do ser pelo domínio do ter, ou seja, nos sentimos alguém, enquanto temos propriedades, bens e serviços. Afinal, cada organização quer nos transformar em seguidores fiéis de seus produtos, disputando nossa atenção e ideologia. Aí está a verdade da concorrência entre as empesas. Elas apostam cada vez mais na comunicação, no contato pessoal, na criação de nichos e ambientes aconchegantes, com consultores de vendas, onde o consumidor, na sua euforia e carência, parte em busca de uma experiência de consumo feliz.

Outro elemento fundamental para que se questione essa questão das decisões racionais é o fato de que o mercado apresenta muito mais falhas de funcionamento, do que uma frequência de eventos logicamente calculados e previsíveis. Basta dizer que à medida que os investimentos avançam, e eles acontecem preferencialmente durante os ciclos de crescimento, depara-se com a concentração e centralização do capital. Isto leva a que tenhamos cada vez menos empresas nos mais variados ramos e setores, fusão e aquisição (M&A), reduzindo a força motriz da concorrência e ampliando a força dos oligopólios e monopólios.

A estratégia dos conglomerados é administrar preços e desejos. E aqui nem estou tratando das questões relacionadas à tomada de decisão no tempo. Porque o que acontece no tempo agora, pode mudar no tempo futuro, sem nossa interferência, sem a existência de uma lógica que possa ser capturada pela razão.

O mercado é fruto da acumulação de capitais que faz crescer a produtividade e expandir suas possibilidades. Ele diz respeito aos avanços técnicos que geram redução de custos, aumento da força concorrencial e redução da demanda por mão de obra, com redução desta mesma concorrência nos momentos seguintes. E quando se dá o aumento da demanda por mão de obra esta deverá ser, cada vez mais, especializada, plena de conhecimentos e agregação de conhecimentos crescentemente.

Novas empresas e novos produtos acontecem. Surgem com maior vigor nos centros dinâmicos de países desenvolvidos, onde a acumulação de capital é pujante, onde os ciclos de lucratividade são mais fortes, onde o perfil dos negócios se assenta nas instituições que lhes protegem.

Nos centros dinâmicos do capitalismo o sistema financeiro funciona com agilidade, converte patrimônios físicos em papéis financeiros, e daí, seus derivativos. Possuem mercados de capitais com longo histórico de funcionamento e difusão. São países onde o sistema tributário é menos lesivo ao espírito empreendedor e nem sempre o lançamento de novos produtos, a maioria com muita tecnologia incorporada, são acompanhados pelos concorrentes, mesmo que o sistema de preços assim o sinalize como uma boa oportunidade de lucrar.

Não vamos nos deixar enganar. Os centros dinâmicos do capitalismo global necessitam de investimentos continuados em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Investimentos estes muitas vezes definidos e subsidiados pelo Estado. Então, digo mais uma verdade inconveniente, o mercado e seus investidores andam de mãos dadas em alianças estratégicas com o Estado, e pelo Estado. Não por acaso, os incentivos às guerras geram lucros e inovações.

Mas afinal, porque venho aqui hoje para expor tantas verdades inconvenientes? Justamente para dizer que, enquanto perdurar a lógica da busca pelo menor preço, pelo menor custo, pelas menores despesas, pelos maiores ganhos e pelo aumento da produtividade; enquanto a estrutura de desenvolvimento tecnológico, geração de novos produtos e serviços seguir avançado em benefício da velha ordem, não haverá a chamada transição ecológica.

O capitalismo segue na sua busca por obter ganhos crescentes com os investimentos produtivos e satisfação ampliada dos consumidores, limitada pela renda, na compra dos bens e serviços desejados. Não existe uma lógica racional extra mercado que conduza às decisões em favor da vida e do controle das mudanças climáticas.

A transição para uma economia verde requer mudanças que se chocam com os interesses do lucro e da satisfação pessoal. Existe um preço que os agentes econômicos não estão dispostos a pagar no curto e médio prazo. Simplificando, cada vez que o barril de petróleo tem seu preço reduzido, ficamos mais distantes de produzir carros elétricos no tempo pretendido.

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