Vencendo o Dilema da Mudança
Será fácil mudar? Não. Sabemos que não é. Quantas vezes trapaceamos com nós mesmos em relação a mudar a alimentação, fazer exercícios, diminuir o álcool, escutar mais, regular os gastos etc. Sabemos, por experiência própria, quantas vezes definimos algo que queremos mudar, nos comprometemos com isso, mas não conseguimos efetuar a mudança.
Por que não é fácil efetuar a mudança, ainda que tenhamos o desejo e tracemos planos para isso?
Existe um dilema no processo da mudança. Assim como o corpo tem um sistema imunológico que controla todo o seu equilíbrio, impedindo que algo externo cause um desequilíbrio, a mente tem dispositivos que mantêm crenças, opiniões e maneiras de responder a situações.
Fred Kofman, coach e consultor em liderança e cultura, sustenta: “Nossos modelos mentais têm um mecanismo interno de autopreservação.”
Esse “sistema imunológico” da mente se encarrega de impedir a mudança, tentando por todos os meios conservar o equilíbrio estabelecido, ainda que esse equilíbrio cause sofrimento. Sabemos bem disso, porque mantemos trabalhos que nos adoecem, relações que já perderam o sentido e comportamentos que nos causam prejuízo.
Será por falta de força de vontade? Falta de disciplina? Procrastinação? Sim, cada um desses impedimentos atua. Porém, existe algo mais. Existe algo em nossa mente e nosso cérebro que cria obstáculo ao nosso desejo de mudança.
Kofman explica que, assim como um termostato aciona a calefação ou o ar-refrigerado automaticamente para manter a temperatura constante, nós, seres humanos, atuamos automaticamente – sinônimo de inconscientemente – para manter certas constâncias em nossas vidas.
“O problema ocorre quando o termostato se mantém fixo em uma temperatura incômoda, ou quando o modelo mental se mantém fixo em uma conduta improdutiva”, diz ele. “Nessa situação, os mecanismos homeostáticos (equilibradores) jogam contra nós.”
Permanecemos presos em situações que nos fazem sofrer, que limitam nosso crescimento, que fecham possibilidades. Para mudar, temos que sair de um equilíbrio estabelecido, ao qual estamos muito acostumados.
Kofman usa o exemplo de estarmos plantados nos dois pés, com um peso equilibrado. Se quisermos dar um passo adiante, teremos que sair desse equilíbrio. “Para avançar, é necessário abandonar a estabilidade, pôr cem por cento do peso em um dos pés e cair controladamente para a frente”, afirma ele.
CONSCIÊNCIA PARA ALTERAR O SISTEMA DE PROTEÇÃO
Quais são as forças que nos impulsionam a não mudar?
Podemos dizer que existe uma dinâmica oculta no desafio da mudança. Esse é um tema antigo, fundamental e cheio de contradições, o que leva muitos pesquisadores do processo humano a explorá-lo.
Robert Kegan e Lisa Laskow Lahey, pesquisadores de educação e liderança da Universidade de Harvard, trabalharam sobre esse tema e constataram um fenômeno que chamaram de imunidade à mudança. Eles escreveram um livro com esse título, mostrando como esse processo interno pode bloquear nosso potencial.
Kegan e Lahey explicam que nosso córtex mapeia possíveis acontecimentos futuros, avaliando se estes serão controláveis, ou se vamos dar conta deles. O objetivo é nos proteger. Os dois pesquisadores concluíram que a imunidade à mudança é um sistema de autoproteção, portanto esse sistema se torna parte do problema.
A partir disso, temos comportamentos contraditórios. Temos, por um lado, um objetivo de comportamento que é manifesto e, por outro, um comportamento que trabalha contra esse objetivo. Precisamos tomar consciência para alterar esse mecanismo que, ao tentar nos proteger de algo novo e desconhecido, na verdade cria um impedimento ao crescimento, à renovação e à felicidade.
Nosso cérebro está o tempo todo avaliando possíveis riscos futuros. Faz isso de forma automática, numa “dimensão invisível, que não está no nível do pensamento cognitivo consciente”, como explicam os estudiosos. É garantido agora eu investir minha energia nisso? Terei capacidade de lidar com isso?
Esse processo de avaliação do cérebro é extremamente rápido, e foi muito útil ao processo de preservação de nossa espécie ao longo da evolução, fazendo com que todo o foco e energia permanecessem no risco e na proteção.
De acordo com Kegan e Lahey, a forma como avaliamos o risco do futuro pode estar equivocada. O mundo mudou e precisamos ampliar nossa percepção para termos boas e eficazes decisões.
Nosso cérebro pode estar fazendo essa avaliação com informações antigas e ultrapassadas e, com isso, repetindo padrões já disfuncionais. Nosso potencial de lidar com situações de desafio pode estar sendo subavaliado. O risco de não mudar, nesse momento, pode ser muito maior.
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Esse sistema cria pontos cegos, impede a aprendizagem de coisas novas e limita a ação em vários aspectos de nossa vida. Com essa avaliação limitada, podemos começar a nos dar razões para não mudar: não estou preparado, não é tão urgente, pode ser adiado, sinto que ainda não é o momento, não é tão importante, pode ficar pior, talvez se resolva por si mesmo.
Imaginamos os aspectos difíceis da mudança – que nos causam medo, insegurança, desconforto – e não colocamos na equação as possibilidades, os ganhos, nossas forças e nossos potenciais. Focamos predominantemente no negativo.
As perguntas estratégicas que podem fazer uma interferência em nossa defesa são: O que está sendo ameaçado com essa mudança? O que estou querendo proteger?
EMOÇÕES POSITIVAS PARA ABRIR A MENTE
Temos comportamentos de acordo com objetivos manifestos e, simultaneamente, temos comportamentos que trabalham contra os objetivos. Além disso, temos compromissos ocultos, que visam a proteger algum benefício.
Vejamos alguns exemplos:
Objetivo manifesto: parar de dizer sim para tudo e todos. Comportamento que trabalha contra o objetivo: procuro agradar a todos. Compromisso oculto: ser estimado por todos. Assim, procuro preservar meu compromisso oculto de desejar ser estimado por todos, e isso cria um impedimento ao desejo manifesto.
Objetivo manifesto: Emagrecer. Comportamento que trabalha contra o objetivo: Comer, mesmo quando não tenho fome. Compromisso oculto: Empenhar-me para não me sentir vazio, entediado ou sem energia.
Objetivo manifesto: Romper uma relação na qual já não me sinto feliz. Comportamento que trabalha contra o objetivo: Informo, por meio de ações e falas, que me mantenho na relação. Compromisso oculto: Não ficar só.
Perguntas estratégicas: Qual é o meu compromisso oculto? Qual é o benefício oculto que não estou querendo soltar?
Existe sempre uma razão para tudo que fazemos. Às vezes, essa
razão é consciente e escolhida. Outras vezes, é inconsciente e automática. Com frequência, nosso comportamento parece ilógico. Mas sempre existe uma lógica oculta, que se refere a algo que estamos protegendo e que temos medo de soltar.
Temos consciência de algumas coisas que não queremos soltar, mas não de outras, e isso gera ansiedade, insegurança, medo, preocupação. Essas emoções negativas obscurecem nossa mente e estreitam nossa percepção, dificultando que vejamos opções ou soluções. Isso porque quando essas emoções negativas tomam conta da mente, tendemos a focar apenas no impedimento e esquecemos de nossas forças e potenciais.
Por outro lado, emoções positivas abrem nossa mente, ampliam nossa visão, fazendo com que vejamos possibilidades que antes não víamos. Exemplos de emoções positivas: curiosidade pelo novo que a mudança pode trazer, aceitação das dificuldades naturais do processo, confiança de que assim como já lidamos com outros desafios, também poderemos lidar com esse.
Defina uma coisa que você quer mudar e procure descobrir qual é o compromisso oculto que lhe aprisiona na situação atual. Qual é o benefício contido nesse compromisso?
Amplie sua visão da situação sem negar a dificuldade, mas incluindo os benefícios que você poderá ter com a mudança. Inclua também seus potenciais, suas forças. Lembre-se de outras situações de desafio que você viveu e superou.
Aceite que somos habitados por contradições, mas saiba que temos poder de escolha sobre elas. Defina qual é o estado de ânimo que poderá sustentar o desafio e o esforço necessário para a mudança. Respire nele. Pratique-o diariamente. Se não conseguir experimentá-lo, imagine-se nele. Isso também fará efeito em sua mente. Experimente.
Berenice Kuenerz, mentora de gestão emocional, psicoterapeuta e life and business coach.
Engenheiro Ambiental |Sustentabilidade| ESG | Construções Sustentáveis | Perito Ambiental | Auditor Interno e Externo | Sistema de Gestão Ambiental| Licenciamento Ambiental | Consultor Ambiental e ESG , NR's, ISO 14001
7 mSeu comentário sobre vencer o dilema da mudança oferece uma perspectiva profunda e esclarecedora sobre os desafios que enfrentamos ao tentar mudar aspectos de nossas vidas. Você captura de forma eloquente a complexidade do processo de mudança e como nossas mentes muitas vezes resistem a ela, mesmo quando sabemos que é para o nosso próprio bem. A analogia do "sistema imunológico" da mente é especialmente poderosa, destacando como nossos modelos mentais têm mecanismos internos de autopreservação que podem, ironicamente, nos manter presos a padrões prejudiciais. Ao abordar o conceito de "imunidade à mudança", você nos lembra da importância de sermos gentis e compassivos conosco mesmos durante esse processo. As perguntas estratégicas que você apresenta nos convidam a investigar nossos próprios compromissos ocultos e medos subjacentes, abrindo caminho para uma maior autoconsciência e autodescoberta. Além disso, sua ênfase nas emoções positivas como catalisadoras para a mudança oferece uma luz de esperança e inspiração. Ao reconhecermos que emoções como curiosidade, aceitação e confiança podem nos ajudar a ampliar nossa visão e abraçar o desconhecido, somos incentivados a abraçar o processo de mudança com mais otimismo e determinação.
Psicanalista e Empresário.
1 aParabéns BERENICE. Uma verdadeira aula de vida, faz parte do gostoso desafio diário que tenho com pacientes... Esse teu maravilhoso texto deveria ser mais que uma leitura obrigatória, deveria ser "um mantra"...