A vida não começa aos 40...
É inevitável. A véspera do meu aniversário abre a temporada de balanço. É o agosto que marca a passagem do meu ano. Nessa fase, eu celebro um réveillon mental fora de época. E dou aquele passeio fora de mim para me ver por dentro. A maior festa! Esse ano, curiosamente, depois de pesar e medir minha existência, derrubei uma máxima: a vida não começa aos quarenta. Sim, a maturidade me trouxe mais sossego nas relações. Mecha de cabelo branco bem na franja? Nem ligo. Diferente daqueles horrorosos 300 gramas a mais na balança que me torturavam aos vinte anos. Sim, hoje colho os frutos de quase 20 anos de carreira. Estou aprendendo a trabalhar mais produtivamente. Eu já consigo ver os problemas com uma dimensão mais próxima do real. Tento não topar relações danosas. E o medo não me paralisa por muito tempo. Sim, aprendi a negociar com a vida. E tenho condições de vivê-la um pouco mais tranquilamente. Sinto que uma etapa de superávit se inicia. Mas de onde veio tudo isso? Dessa Élida dos 40? Devo dar parabéns a essa tal madura bem resolvida? Jornalista, mãe, esposa, escritora? É por ela que agora, aos 40, devo começar a viver?
Não, gente!!!! O que sou hoje é a soma de todos os desajustes e acertos. É o resultado da luta por uma existência mais honesta. Da batalha em divãs de análise na tentativa de eu caber em mim. Ao completar 40, serão exatos 39 anos e 364 dias de muitos, muitos e muitos estragos íntimos. E eu não abro mãos de nenhum deles. Fuga e confronto, negação e aceitação, euforia e depressão, amor e ódio. Pedaços de uma mutação que permaneceram. E hoje, juntos e transformados num novo inteiro. O mosaico do mesmo que agora é outro. Escolhido, desbravado, vivido. Vívido. Por isso, meus amigos, não me venham com essa que a vida começa aos 40 porque eu já estou nela desde sempre.
Existir é custoso. A gente se forma na total dependência de um outro. Pais tradutores de mundo. Que nos fundam naquilo que se baseiam para ser. Fazem o melhor que podem. Nunca é suficiente. E não é para ser. Nossa tarefa é sobrepujar o manual de existência que nos passam. Dar o próprio contorno ao que em nós está solto. E isso só se dá na vivência. Por isso, insisto. Não dá para separar o que se passou e considerar o começo de uma fase mais madura como o início da vida. Pensemos bem, se vivermos em média 80 anos, 40 é o meio do caminho. Deus me livre passar a metade da vida me preparando para viver!!!!!
Eu passei a infância querendo ser adulta. Não gostava da vulnerabilidade de ser criança. Aprendi cedo a tomar decisões. Almejava crescer porque achava que os adultos sabiam mais. Há algum tempo encontrei um caderno da minha primeira série. Em um exercício, a professora pedia uma frase com a palavra estrondo. Escrevi: O estrondo foi tomar sorvete. A professora considerou certo. Apesar da minha memória de infância ser curta me lembro dela com muita clareza. Tia Letícia Sióglia. Sinto que naquela avaliação me respeitou. Percebo também como fui corajosa, criativa e autêntica aos 5 anos. Eu não sabia o significado da palavra. E havia um dever a cumprir. Sozinha construí uma alternativa. O estrondo era o sujeito. E foi se deliciar com um sorvete. Criei minha própria história, acreditei nela e segui. Quer solução melhor? Isso sim é sabedoria. Muitos adultos não se arriscam tanto assim.
É por isso que fico indignada quando me dizem que agora, ao completar 40 anos, vou começar a viver uma vida maravilhosa. Madura, plena e cheia de mim! Olha, eu já me habito e busco meus preenchimentos desde bebê. Foi exato isso que me trouxe até aqui. A tão detestada falta. Ela é a verdadeira propulsora da caminhada. E ao pesar e medir os benefícios da experiência, não posso, não quero e não vou deixar de lado o percurso. É nele que reside o resultado.
Nesse sentido, só posso dedicar esse tão aclamado ciclo dos 40 anos à Élida Pequena. É dela o mérito desse imenso de vivências. Foi ela que começou a viver no exato instante que nasceu. Sem saber de si, lutou por comida e afeto. Aprendeu a andar e falar. Passou a entender mais. Brincou de ser, brigou, riu e chorou. Foi tímida na escola. Tinha pergunta para tudo. Jamais parou nas respostas. Aos poucos, foi construindo seu espaço. Teve certeza do que era. Passou a dividir espaço com a Élida Grande. Lutou por sobrevivência quando Grande se iludia com o tudo saber. Perdeu-se muitas vezes. Nunca silenciou. Ignorada, sussurrava caminhos. Fazia brotar ideias. Incitava a arte. Mantinha pitadas de coragem ingênua. Inacreditavelmente tomava a frente nos momentos de crise e fazia acontecer. É certo que ficou adormecida por longos períodos. Mas soube esperar. Sabia do seu lugar. E, depois de anos vivendo e morrendo, iluminou-se no outubro que dei à luz a Liz, minha filha. E desde então Élida Pequena, Grande e Liz vivem intensamente essa nova amizade. Sem, definitivamente, esperar a vida começar aos 40.
LA TREINAMENTO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL LTDA
6 aMuito bonito! Parabéns! Que Jesus abençoe todas as Elidas e lis!
PhD in Animal Reproduction at Federal University of Minas Gerais
6 aVocê definitivamente é um estrondo!
Communications
6 aLittle Élida, Big Élida, Liz... este é seu tempo.