A Violência Contra as Mulheres em Sergipe
O aumento dos casos de violência contra mulheres, em várias escalas, tem sido mapeado por diferentes instituições, governamentais e não-governamentais, além dos órgãos de caráter internacional, como a Organização das Nações Unidas, em especial a ONU Mulheres.
A ONU Mulheres foi criada em 2010, para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres. A ONU Mulheres atua em seis áreas de priorização: liderança e participação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra mulheres e meninas; paz e segurança e emergências humanitárias; governança e planejamento; normas globais e regionais.
A título de conhecimento, a ONU Mulheres possui uma série de documentos ou compromissos internacionais, assumidos pelos Estados-Membros da ONU, com os direitos humanos das mulheres, a exemplo da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, 1979), considerada a carta de direitos humanos das mulheres. Cabe a nós conhecer mais as ações e instrumentos disponíveis pela ONU Mulheres, e assim melhorar e potencializar as políticas públicas locais.
A violência contra mulheres é uma das principais formas de violação de direitos humanos.
A violência contra mulheres é uma das principais formas de violação de direitos humanos, uma vez que atinge os direitos à vida, à saúde e à integridade física. Em Sergipe, os dados sobre violência contra mulheres precisam ser analisados com mais atenção, dado os significados que os mesmos podem estar revelando. Os dados do IPEA[1] Data (ver gráfico 1), mostram uma evolução da taxa de crescimento de homicídio de mulheres em Sergipe, com crescimento significativo nos anos de 2014, 2015, e 2017 - pois nesses anos houve aumento do número de homicídios de mulheres em nosso estado. Em 2018 a taxa de homicídios do sexo feminino, cai em Sergipe. Nesse mesmo ano, a taxa de homicídio de mulheres no Brasil, foi de 4,3%.
Embora 2018 tenha apresentado uma redução da violência letal contra as mulheres, na comparação com os anos mais recentes, o fato é que a violência contra as mulheres continua, como veremos a seguir.
A violência contra mulheres negras em Sergipe também apresentou uma evolução do crescimento de homicídios no período de 2010-2017. Os dados de homicídio de mulheres negras mostraram que em 2010, 36 mulheres negras foram mortas naquele ano, chegando em 2017, com 64 mulheres negras mortas.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), mostra que em Sergipe os indicadores de violência contra mulheres, em várias dimensões, são preocupantes. O quadro 1 evidencia a necessidade de se executar com mais eficiências ações de combate à violência contra as mulheres. A violência se apresenta de várias formas, mais a predominante é a violência física (lesão corporal dolosa, estupro, tentativa de estupro), apesar da existência de tipos de violência.
Um fato relevante evidenciado pelo Anuário é a quantidade de solicitação de medidas protetivas de urgência, que são providências garantidas por lei, às vítimas de violência doméstica, que tem a finalidade de garantir a sua proteção e de sua família. A lei prevê que a autoridade judicial deverá decidir o pedido no prazo de 48 horas. Em 2019 foram 1.674 solicitações nesse sentido (ver o Quadro 1). O anuário não apresenta os dados de 2018 para que possamos ter uma ideia mais clara sobre esse fato.
As mulheres sofrem vários tipos de violência, são recorrentes e estão em todas classes sociais. A ameaça é um típico caso de violência, e o Anuário mostra que em 2019 foram registrados 4.234 casos em Sergipe. As pesquisas mostram que, no geral, as vítimas fazem um Boletim de Ocorrência pelo crime de ameaça, mas não representam, ou seja, não autorizam a Polícia Civil a iniciar um inquérito. Sem a representação, não há inquérito policial, não há processo crime e a pessoa que praticou o crime acaba ficando sem responder por aquela conduta. Portanto, é necessário que as vítimas além de comunicar, que elas tenham um apoio maior com incentivos para fazer a representação. Essa ação pode evitar que crimes graves, como feminicídio aconteçam. O quadro 1 logo abaixo ilustra um panorama dos crimes contra as mulheres em Sergipe, para o ano de 2019.
No que se refere à violência doméstica especificamente, os dados revelam que houve uma redução do número de registros em 2019. Não se sabe, porém, se é um caso de subnotificação no âmbito dos registros, o fato é que é importante aprofundar o entendimento do fenômeno da violência doméstica em Sergipe, para que possa elaborar ações de políticas públicas mais assertivas com relação a esse problema.
A promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, é considerada o principal marco no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil.
A promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, é considerada o principal marco no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Esse foi o principal avanço no apoio às mulheres que sofrem violência doméstica.
A Lei Maria da Penha, diz que a violência doméstica e familiar se trata de qualquer ação ou omissão que, baseada no gênero, cause à mulher, morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial, que se dê no âmbito da unidade doméstica e familiar, ou em qualquer relação íntima de afeto em que o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima. Tabela 1. ilustra a evolução anual dos registros de lesão corporal referentes à violência doméstica em Sergipe. A redução dos registros em 2019, não significa necessariamente uma redução das agressões contra as mulheres, outros fatos podem ter ocorrido em paralelo a exemplo de uma resistência por parte das vítimas realizar um registro de ocorrência policial, o medo também é um fator preponderante nesses casos.
Pode-se observar também a gravidade dos crimes de feminicídio[1] em Sergipe. Para se enquadrar o assassinato de uma mulher como crime de feminicídio, é necessário que o autor tenha cometido o ato em razão de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. No Brasil, a Lei do Feminicídio entrou em vigor em 2015 - Lei 13.104/15.
A ocorrência de crimes tipificados como de feminicídio em Sergipe, teve o seu ponto mais alto nos anos de 2015 e 2016. O ano de 2015 foi quando a Lei de feminicídio entrou em vigor, e isso pode ter gerado um aumento do número de ocorrências desse crime. O fato é que após 2016, houve redução dos crimes de feminicídio em Sergipe, voltando a aumentar em 2019. Ver a tabela 2.
O Atlas da Violência (2020), aponta que o feminicídio pode ser considerado o resultado final e extremo de um contínuo de violência sofrida pelas mulheres. Os feminicídios são crimes que não só cessam vidas de mulheres, mas produzem também muitas vítimas de forma indireta. São homicídios que podem deixar crianças órfãs de mães e com pais eventualmente presos ou foragidos. Toda essa violência provoca uma série de traumas psicológicos, entre os quais as alterações de comportamento, isolamento social, medo, constrangimento, transtornos em diferentes escalas. É urgente pensar políticas públicas transversais de apoio às mulheres que sofrem violência (de vários tipos), políticas públicas isoladas não são tão eficientes, no limite, elas atingem somente um ângulo dessa face.
[1] A palavra vem do termo femicídio, cunhado em 1976 pela socióloga sul-africana Diana Russell, que sentiu a necessidade de diferenciar o homicídio de mulheres em razão do gênero.
Esse artigo foi publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, 16 de dezembro de 2020 - Ano L - Nº 14.280
Li seu artigo e está de parabéns! Avançamos mas ainda mostra o quanto precisamos evoluir.