Você aceitou os novos termos de uso do WhatsApp?
Autor: Rafael Inácio de Souza Neto

Você aceitou os novos termos de uso do WhatsApp?

O WhatsApp sem dúvidas foi o primeiro aplicativo que mudou a forma de comunicação do mundo. O serviço grátis para celulares Android e iPhone (iOS) permite enviar mensagens ilimitadas para contatos telefônicos a partir de uma conexão de Internet. Mesmo sendo o aplicativo mais baixado do mundo, com cerca de 2 bilhões de usuários, presente em mais de 180 países, disponível em 60 idiomas diferentes e presente em 99% dos celulares brasileiros (pesquisa recente do Panorama Mobile Time/Opinion Box), o serviço surgiu a partir de um fracasso. Além disso, antes de se tornar o maior aplicativo de mensagens, o software era disponibilizado apenas para uma plataforma.

Conheça como surgiu o aplicativo

Incomodado com o fato de perder inúmeras ligações ao ir para a academia, Jan Koum decidiu criar um aplicativo capaz de ver se a pessoa estaria disponível para receber chamadas ou não. Diante das possibilidades que caberiam nos celulares, principalmente no iPhone, Jan Koum e Brian Acton decidiram criar um aplicativo que revolucionaria o universo da comunicação no ano de 2009.

Os dois se conheceram na década de 90 enquanto trabalhavam para o Yahoo, uma das empresas mais poderosas da internet desta época. Logo após pedirem demissão, em 2008, decidiram criar uma startup e desenvolver um aplicativo que mostrasse o status das pessoas em seus celulares. No entanto, nem mesmo o fracasso inicial do serviço foi capaz de desanimar a dupla, que decidiu transformar o software em um aplicativo de mensagens para substituir os torpedos SMS, os quais naquela época eram limitados. Koum decidiu nomear o app de "WhatsApp" porque relembrava a gíria "What's up?" (algo semelhante a "E aí?" ou "O que está rolando?", em português).

A venda para o Facebook

Em 2014, mais precisamente no dia 19 de fevereiro, o mundo da tecnologia foi surpreendido com a notícia de que o Facebook compraria o aplicativo WhatsApp. O valor da transação atingiu o surpreendente montante de US$ 22 bilhões no total, ou seja, mais de 20 vezes o valor que a empresa havia pago pelo Instagram quatro anos antes. Todo esse valor foi pago por um aplicativo que, até então, não dava lucro.

É claro que Mark Zuckerberg não havia gasto seu dinheiro porque achava o aplicativo útil ou simpático. Ele estava interessado nos 450 milhões de usuários da plataforma, que estava em franco crescimento, e no potencial de negócios e integração que essa base poderia dar ao Facebook, então com 1,2 bilhão de usuários. “Estamos animados para tornar o mundo mais aberto e conectado”, disse Zuckerberg, naquele discurso de relações públicas padrão. O Facebook prometeu que o funcionamento dos aplicativos continuaria sendo independente e os criadores do WhatsApp garantiam que nunca sustentariam o app com publicidade.

O início do compartilhamento de informações

Em 2016, a empresa começou a compartilhar informações com o Facebook, entretanto, usuários poderiam optar por não fazer isso. Dois anos após, Brian Acton, cofundador do WhatsApp, que havia ido trabalhar no Facebook depois da compra, rompeu com a rede social. O assunto “integração” foi uma das razões. Ele era contra a monetização por anúncios, principal modelo de negócios do Facebook, e acabou deixando sua parte no negócio para atrás por discordar do rumo que o WhatsApp vinha tomando. Em uma entrevista para a Forbes, ele explicou por que aderira à campanha #DeleteFacebook e chegou a declarar que é um “vendido”: “eu vendi a privacidade dos meus usuários em troca de um benefício maior”.

No começo do ano seguinte, a integração entre os apps foi confirmada.

Privacidade dos usuários e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados)

O WhatsApp atualmente faz parte do nosso dia a dia, tanto na vida pessoal como no trabalho (de acordo com o SEBRAE, 72% dos empreendedores brasileiros que possuem lojas e empresas de pequeno porte utilizam o WhatsApp Business), e você provavelmente aceitou, sem ler os termos, quando surgiu na tela do celular a atualização da política de privacidade da empresa. Ela te obrigará a aceitar o fato de que, para usar o aplicativo, suas informações serão compartilhadas com o Facebook – ainda que você não esteja na rede social.

Entre as informações compartilhadas, estão o nome de perfil, número de celular, localização, mensagens e mídias não entregues, dados de status, pagamentos e dados de interações dos usuários, como volume e frequência de mensagens e acesso a grupos. Se ainda não aceitou a política, com receio, você tem até 8 de fevereiro para decidir, caso contrário, não poderá utilizar mais o serviço. A não ser que entidades e a recém-criada ANPD (Autoridade de Proteção de Dados), responsável por fiscalizar e aplicar sanções, façam alguma coisa aqui no Brasil.

Na Europa, onde vigora a GDPR (General Data Protection Regulation), com uma cultura e uma fiscalização mais intensa, o WhatsApp vai operar com outra política de privacidade, já que o compartilhamento de informações está proibido.

O Brasil, teoricamente, não está muito atrás. A lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde o ano passado, estabelece que o usuário deve ter controle sobre o uso de suas informações, e elas devem respeitar princípios como finalidade (dados devem ser usados para os fins para os quais foram coletados) e necessidade (devem ter tratamento mínimo necessário para sua finalidade).

Por isso, para algumas organizações de direito do consumidor e de direitos humanos, a mudança é abusiva. Além disso, esta alteração pode estar em desacordo com o sistema mais complexo legislativo que envolve também a parte de antitruste e de abuso de poder econômico. Não podemos deixar de lembrar também que há muita discussão na Europa com relação a imposição de "consentimento compulsório", principalmente quando somada a exercício de posição dominante de mercado.

O PROCON-SP, por aqui, notificou ontem (14 de janeiro de 2021) o Facebook para prestar esclarecimentos sobre a atualização da política de privacidade. A Comissão da OAB de Proteção de Dados e Privacidade, da seccional do Rio de Janeiro, e a Coalizão Direitos na Rede são algumas das entidades que se manifestaram contra. O IDEC, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, também anunciou que estuda medidas judiciais e administrativas contra o WhatsApp.

Resta saber se a ANPD, criada para esta finalidade de fiscalizar eventuais abusos, seguirá a mesma linha, já que o risco de violação da LGPD é elevado, quando interpretado no conjunto das leis vigentes, princípios éticos e garantias fundamentais, diante da possível falta de transparência e situações que afetam terceiros com uso de poder de monopólio.

As estatísticas do WhatsApp

Confira abaixo os principais números do aplicativo no Brasil e no mundo:

  • Atualmente, existem 2 bilhões de usuários do WhatsApp no mundo inteiro.
  • Mais de 120 milhões de pessoas usam o app no Brasil.
  • WhatsApp está instalado em 99% dos celulares do Brasil.
  • 79% dos brasileiros usam o app como principal fonte de informação.
  • Cerca de 5 milhões de empreendedores usam o WhatsApp Business.
  • 98% dos brasileiros usam o app diariamente.
  • Adultos com mais de 45 anos são os que mais utilizam o WhatsApp no Brasil.
Gráfico contendo a frequência de uso do WhatsApp.

Alternativas para proteção da privacidade

Diante das mudanças na política de privacidade do WhatsApp, nos últimos dias, milhões de usuários migraram para outros aplicativos de mensagem.

Com a reação negativa, o WhatsApp se manifestou reforçando que o teor das mensagens e ligações trocadas dentro do aplicativo continua sendo criptografado, ou seja, o conteúdo não pode ser acessado pelo próprio WhatsApp.

A empresa também disse em posicionamento à imprensa que "esta atualização não muda as práticas de compartilhamento de dados entre o WhatsApp e o Facebook, e não impacta como as pessoas se comunicam de forma privada com seus amigos e familiares em qualquer lugar do mundo".

Mas se nada muda, por que a política de privacidade foi atualizada?

Na realidade, por trás das alterações está o lançamento de um novo serviço pelo Facebook para gerenciar conversas de empresas com consumidores pelo WhatsApp, mensagens que tem sua transmissão criptografadas, mas cuja privacidade não tem proteção absoluta como em uma conversa privada com amigos.

A solução, por enquanto, é migrar para outro aplicativo de conversa como o Telegram e o Signal.

O Telegram, um dos concorrentes mais conhecidos no Ocidente, disse ter recebido 25 milhões de novos usuários nas 72 horas após o WhatsApp começar a exigir que os usuários concordassem as mudanças.

Outro nome que está chamando a atenção é o Signal. Promovido por especialistas em segurança e financiado por um dos cofundadores do WhatsApp desde 2018, o número de downloads do app aumentou 4.200% em relação à semana anterior ao anúncio do Facebook sobre o WhatsApp.

Veja abaixo a história de cada aplicativo e o que eles oferecem como diferencial:

Telegram

O Telegram foi lançado em 2013 pelos irmãos Durov, uma dupla de empreendedores da Rússia conhecida pela rede social VKontakte (VK), o "Facebook russo". O passado do VK ainda influencia as operações do Telegram, o que repercute em sua história e funcionamento.

Quando a VK se tornou popular na Rússia, os irmãos Durov foram pressionados (inclusive com assédio policial) a abandonar o controle da rede, deixando-a nas mãos de pessoas favoráveis ao governo. Os irmãos hoje vivem exilados de seu país, viajando o mundo.

Da mesma forma, não se sabe exatamente onde o Telegram possui seus escritórios, embora esteja juridicamente sediado no Reino Unido.

Após o Facebook anunciar mudanças na política de privacidade do WhatsApp, o Telegram passou a ganhar popularidade, chegando a 500 milhões de usuários ativos.

O serviço é prestado por empresa privada e financiado por Pavel Durov, um dos seus fundadores. Mas a Durov anunciou que pretende introduzir recursos pagos em 2021, que serão voltados para empresas e usuários avançados. Ele disse que não haverá cobrança pelos recursos já existentes no app.

O que só ele tem: Grupos de até 200 mil membros, uso em qualquer dispositivo sem depender da internet no celular, envio e recebimento de mensagens sem divulgar o número do telefone, opções adicionais para controlar a exposição de dados (para que só algumas pessoas possam ver quando você está on-line, por exemplo), agendamento de envio de mensagens, busca de pessoas próximas para se comunicar (este recurso exige cuidado).

O que limita o app: Não há suporte para status/stories nem videochamadas em grupo (é possível realizar videochamadas individuais, mas o recurso para grupos foi prometido para 2021). A maioria das vantagens do app é viabilizada pela ausência de criptografia nas mensagens regulares e armazenamento de dados no servidor. Ainda não está claro como o Telegram pretende se sustentar financeiramente.

Segurança: As conversas no Telegram não são criptografadas por padrão, sendo necessário ativá-la em conversas específicas por meio de "chats secretos". O armazenamento das mensagens no servidor exige cuidado para evitar a exposição das conversas (as autoridades da Lava Jato, por exemplo, foram expostas pelo Telegram por esse motivo). O código-fonte do aplicativo do Telegram é aberto, mas o código do servidor do serviço é fechado, deixando-o em um meio-termo entre o Signal e o WhatsApp.

Privacidade: As mensagens, fotos e arquivos das conversas regulares (não secretas) do Telegram ficam armazenadas no servidor do serviço, mas o Telegram promete não compartilhar dados com terceiros e não possui vínculos com redes de publicidade que usam esses dados para a modelagem de perfis.

Signal

A marca do Signal está muito ligada ao nome de Moxie Marlinspike, que criou a empresa de segurança Whisper Systems e a vendeu para o Twitter. O nome dele, porém, é um pseudônimo. A agência de notícias Reuters já identificou Moxie pelo nome de Matthew Rosenfeld, mas ele não faz questão de divulgar seus dados pessoais.

A forma que o Signal prioriza a privacidade e a segurança dos seus usuários lembra muito a personalidade do seu criador. É o app de mensagens recomendado por personalidades como Edward Snowden (o ex-agente da Agência Nacional de Segurança que revelou a existência de um programa de espionagem massiva nos Estados Unidos) e Elon Musk, o bilionário fundador da Tesla e da SpaceX.

Post do Elon Musk no Twitter dizendo: Use Signal

Juridicamente, o Signal tal como existe hoje foi fundado em janeiro de 2018. Brian Acton, um dos fundadores do WhatsApp, deixou a empresa em 2017 após se desentender com o Facebook sobre os rumos do serviço. Em vez de criar uma nova plataforma, ele se juntou a Moxie para reorganizar a estrutura formal do Signal, que hoje é financiado por doações repassadas por seus fundadores e usuários a uma mantenedora sem fins lucrativos.

A tecnologia do Signal, porém, data de 2010, quando foi lançado o app de mensagens TextSecure. Depois foi criado o RedPhone, que permitia fazer ligações seguras. Os dois aplicativos foram mesclados para criar o Signal, em 2014.

O app ultrapassou a marca de 50 milhões de downloads na Play Store e estima-se que tenha cerca de 20 milhões de usuários ativos – sendo, por uma boa margem, o app menos popular entre os três.

O que só ele tem: Foco total em privacidade e segurança, com grupos privados e envio de mensagens com remetente oculto (apenas um dos participantes precisa divulgar o número para iniciar a conversa), controles para limites de armazenamento de dados.

O que limita o app: Não há busca integrada de GIFs animados, nem status/stories. As chamadas em grupo são limitadas a 5 participantes e grupos podem ter no máximo 1.000 contatos. O backup para recuperar mensagens é manual e exige uma senha de 30 posições, dificultando a restauração de mensagens após uma troca de aparelho. O smartphone precisa estar sempre ligado e conectado para usar o Signal em outros dispositivos.

Segurança: A comunicação do Signal é criptografada sempre que possível. O código-fonte do Signal é totalmente aberto, o que maximiza a transparência e torna o serviço um dos preferidos para especialistas em segurança digital. É referência em segurança de comunicações.

Privacidade: Não há recurso que mostre quando alguém está on-line, nem o último horário em que o app foi aberto. O uso generoso de criptografia minimiza a quantidade de informações legíveis que chegam aos servidores do serviço, inviabilizando a coleta da maioria das informações.

Facebook na mira

Nos EUA, no fim do ano passado, a Federal Trade Commission, órgão responsável por fiscalizar práticas anticompetitivas, se reuniu com 40 procuradores para entrar com uma ação antitruste que pede que as empresas sejam separadas – e que novas compras tenham restrições. “Por quase uma década, o Facebook tem usado seu domínio e monopólio para esmagar rivais menores e extinguir a competição, tudo às custas dos usuários”, disse Letitia James, procuradora-geral de Nova York. Os termos de uso são um exemplo disso.

E você? Vai permanecer no WhatsApp ou irá migrar para outro aplicativo?

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