Você administraria uma empresa para falir?
Porque alguém adotaria uma estratégia da falência? No setor privado isso é praticamente inconcebível, não é mesmo? Mas no setor público tudo é muito diferente, principalmente quando o modelo adotado é o patrimonialista.
Estamos acompanhando um dos mais impactantes protestos dos últimos tempos, a greve dos caminhoneiros, provocada pela série de aumentos nos preços dos combustíveis desde que o "Presidente" Temer foi empossado. Esses aumentos fazem parte da Estratégia "Feitas para Falir" em curso, que tem como nome oficial a "Política de Desinvestimentos da Petrobras". Vamos entender um pouco mais sobre isso:
Em 2016 a Petrobrás passou a ser "administrada" por Pedro Parente (PSDB). Sua missão parece ser reduzir o market share (participação de mercado) da empresa para que as multinacionais estrangeiras cresçam mais. Isso parece estranho mas vamos te explicar o como e porquê isso foi feito.
O primeiro ponto da estratégia da falência é a redução da industrialização. A Petrobrás só está refinando 70% de sua capacidade! E porque isso?
Notícia: Importação cresce e produção das refinarias nacionais cai a pior nível
Ao reduzir a capacidade de refinamento do petróleo, entra o segundo ponto da estratégia de falência: a adoção de uma política de exportação duvidosa. Ao invés de industrializar o produto aqui no país, a Petrobrás decidiu exportar o produto em estado bruto e a importar ele refinado a preços mais altos.
Já na escola aprendemos que é melhor exportar produtos industrializados do que exportar matéria-prima para depois ter de importá-los pagando mais caro, não é mesmo?
Em 2017 a gasolina e o diesel representaram aproximadamente 20% de todo o valor importado pelo Brasil! As importações de tais produtos aumentaram em 93% em comparação com 2016. Importando os produtos por um preço mais caro o que acontece? Isso mesmo! Estamos pagando cada dia mais caro pelo combustível!
Mas as coisas não param por aí!
Em setembro de 2016 o CEO da Shell, uma das maiores empresas do setor, esteve no Brasil e garantiu que o país é seguro para investimentos. Como que um país mergulhado em crises, que acabara de finalizar um processo de impeachment e com a estatal petroleira prestes a falir pode ser seguro para investimentos? Vamos explicar.
Para reduzir ainda mais a participação de mercado da Petrobras, no fim de 2016 foi aprovada e sancionada a Lei que desobriga a Petrobras a participar e operar a exploração de petróleo no pré-sal. O que isso significa? Que empresas estrangeiras poderão retirar o petróleo do país sem que isso dê um retorno relevante para a população. Sabe porque? Lembra-se que os royalites da exploração de petróleo do pré-sal pela Petrobrás são revertidos para saúde e educação?
Nossas simulações mostram que, somente no caso do campo de Libra, se a Petrobras não fosse operadora, os recursos para educação e saúde perderiam 70 bilhões de dólares em cerca de 35 anos de operação. ( Cloviomar Clararine)
Sem a Petrobras participando da extração do petróleo no pré-sal a sociedade brasileira perderá uma quantia expressiva de recursos para educação e saúde, enquanto multinacionais estrangeiras aumentarão ainda mais seu poder.
Calma, ainda tem mais! Retirar a Petrobras do jogo e dar maior liberdade ao capital estrangeiro sobre o pré-sal não foi o suficiente. Buscando beneficiar ainda mais as multinacionais petroleiras entrou em curso uma política de renúncia fiscal, conhecida como MP do trilhão.
" Esta MP é a Black Friday do pré-sal", ( Greenpeace)
Basicamente, a Medida Provisória - MP do trilhão isenta as empresas de diversos impostos na exploração dos recursos naturais brasileiros. Graças à renúncia fiscal, um estudo realizado pela assessoria legislativa da Câmara dos Deputados aponta perda de R$ 40 bilhões por ano, ou 1 trilhão em 25 anos somente com os blocos ofertados nos últimos leilões do pré-sal.
Contra-argumentando o governo
A Política de Desinvestimentos é defendida pelo governo por argumentos de falta de recursos. A União diz que a Petrobrás não tem capacidade de investimentos, por isso o Brasil está abrindo espaço para que empresas de fora explorem o petróleo e os industrialize em seus países, reduzindo a capacidade da Petrobrás operar no país.
Mas vamos pensar: se o país não tem recursos, porque foi aprovada a renúncia de R$ 40 bilhões por ano em recursos das petroleiras? Com esses recursos não seria possível continuar investindo nos campos do pré-sal e reverter seus royalites para a saúde e educação pública?
Como administrador, se sua empresa estivesse com problemas você abriria espaço para seus concorrentes e os incentivaria financeiramente e os apoiaria a aumentar sua participação de mercado? Uma empresa conscientemente deixaria seus concorrentes vencerem? E como administrador público, você faria tudo isso sabendo que a população sofreria péssimas consequências como o aumento no valor dos combustíveis e a redução de recursos para a saúde e educação?
No mundo todo se faz guerras para conseguir petróleo. No Brasil isso não é necessário, entregamos um bem precioso amigavelmente.
E é importante se lembrar que, apesar de seus problemas políticos causados principalmente por conta do patrimonialismo, a Petrobras é muito competitiva! "o Brasil tornou-se uma das únicas nações a dominar a tecnologia de exploração petrolífera em águas profundas e ultraprofundas.". A Petrobras foi a primeira empresa do mundo a conseguir extrair petróleo em tão grande profundidade como é o caso do pré-sal.
“O pré-sal é onde todo mundo quer estar” ( Presidente da Shell brasil)
"Na Nigéria, o custo unitário chega a quase US$ 32, enquanto que na Líbia e na Venezuela supera os US$ 32. Mais confortáveis estão as petromonarquias do Golfo Pérsico. Na Arábia Saudita, extrair um barril de petróleo custa menos de US$ 10 , cifra similar à do Qatar. O Kwait, dentro da Opep tem o menor custo, apenas US$ 8,5 o barril."
O custo médio de extração[...] passou de US$ 9,1 por barril de óleo equivalente (óleo + gás) em 2014, para US$ 8,3 em 2015, e atingiu um valor inferior a US$ 8 por barril no primeiro trimestre deste ano. Um resultado bastante significativo, se comparado com a média da indústria, que oscila em torno dos US$ 15 por barril de óleo equivalente. ( Petrobras)
A Petrobras é uma das empresas de petróleo mais competitivas do mundo, tendo uma das maiores reservas e um dos menores custos.
Porque adotar uma estratégia de falência?
Mostramos que a Petrobras é competitiva e que não faltam recursos, pois o Governo está deixando de arrecadar R$40 bilhões por ano com a renúncia de tributação à petroleiras. Se temos uma empresa competitiva e recursos, então porque maquinar conscientemente a falência de uma empresa pública?
Já apresentei anteriormente o Paradoxo da Desigualdade. O Estado tem a função de, ao mesmo tempo, promover a igualdade e a desigualdade. Qual função será mais forte dependerá do jogo de forças entre os atores.
Muitas discussões políticas no Brasil giram em torno da briga entre direita ou esquerda. Entendendo que as políticas de direita tendem a incentivar o livre mercado e as políticas de esquerda tendem à igualdade social. Porém muitos não percebem que o maior problema do país são as políticas patrimonialistas.
As políticas de esquerda buscam estabelecer mais igualdade entre as pessoas, onde o Estado intervém oferecendo mais serviços públicos a quem tem menos e tributando quem tem mais. As políticas de direita buscam o livre mercado, dando maior liberdade aos empresários, reduzindo tributos e, consequentemente, reduzindo também os serviços públicos e a intervenção estatal. Em regra geral as duas políticas rejeitam um Estado que beneficie poucos, a esquerda intervém ajudando quem mais necessita e a direita não intervém, dando maior liberdade de competição.
Já as políticas patrimonialistas buscam favorecer os amigos do rei. Essas são as políticas promotoras de desigualdade, as criadoras de monopólios e oligopólios. No patrimonialismo são criadas condições para favorecer poucas empresas em detrimento das demais e da população. Os recursos públicos são utilizados para benefícios privados, não para desenvolvimento da sociedade.
O Brasil é um país que possui um Estado grande, mas não é por isso que ele pode ser visto como um Estado de esquerda, assim como políticas de abertura do mercado para outras empresas não podem ser vistas como políticas de direita. O Estado brasileiro é grande para que possa cumprir seu objetivo de beneficiar interesses de poucos, através de políticas como a apresentada aqui.
Seguindo esta linha patrimonialista o administrador da Petrobras tem um objetivo paradoxal: sua missão não é fortalecer a empresa e sim enfraquecê-la, para beneficiar um oligopólio que, provavelmente, entrega benefícios (propinas) para isto, que é o que chamamos de corrupção.
O patrimonialismo é basicamente a estratégia de infiltrar agentes de grupos específicos no Estado, que deveria ser uma instituição que busca o desenvolvimento coletivo. O patrimonialismo é a sabotagem do Estado.
Sobre a Petrobras, este vídeo apresenta de uma forma didática uma parte do que foi apresentado aqui:
Esse artigo foi escrito por mim.
Professor Leandro Matos - Administração Pública e de Empresas das Faculdades Atopp e Catuaí, na região de Londrina.
Coordenadora de Cálculos Judiciais
6 aMuito bom!!! Entender mais sobre o assunto é essencial! o Texto consegue transmitir toda a explicação do tema!! Parabéns, amor!!!!