Você não é o cargo, você está no cargo
Vincular a identidade pessoal a uma função e seus privilégios pode acarretar confusão entre o que é missão e o que é vaidade
*Guilherme Paiva
Autor e palestrante, Simon Sinek conta a história de um executivo que perdeu sua posição e, com ela, acessos sociais, assessorias diversas e também sua caneca de cerâmica, passando a merecer não mais do que um copo de plástico descartável. Ao contrário do que se possa imaginar como desfecho do discurso, Sinek prega a importância de termos consciência do fato de que todos nós, na verdade, merecemos um copo de plástico descartável.
Essa fala, tão lúcida e simples, desafia nossa vaidade de pensar que merecemos sempre mais. É fácil se acostumar com as regalias de uma função renomada e necessária que garante direito a um motorista particular, secretários, eventos, atenção da imprensa, presentes. Mas e se numa eventual reestruturação corporativa nossa posição é inviabilizada? Como isso afeta nossa autoestima e bem-estar?
Passando por isso recentemente, percebi o impacto da perda de um cargo em uma grande empresa. A dificuldade de conseguir falar com pessoas com quem antes o contato era corriqueiro, por exemplo, sugere mais do que uma dificuldade de agenda. Quando se desfaz o poder de atração exercido por uma marca conhecida, é preciso dar um passo atrás no networking que se pensava ter, já que os contatos se reconfiguram em um novo mapa que nos revela onde estão aqueles sinceramente interessados em fazer bons negócios.
Você não é seu crachá
Como você conduz suas relações, sua capacitação e disponibilidade deixam impressões pelo caminho. E a rede de contatos significativos se compõe, muitas vezes, de maneira despretensiosa, na simples abertura e na recepção de outros profissionais que estão construindo sua trajetória também. Por ter essa consciência, sempre guardei espaço para atender representantes de outras empresas que gostariam de apresentar seus produtos ou serviços. Em caso de inadequação, pelo menos você conheceu uma nova solução que pode ser importante mais pra frente, na atual responsabilidade ou até mesmo em uma cadeira futura.
Infelizmente, noto que a cultura no Brasil é burocrática, desfavorecendo a circulação de ideias e escanteando iniciativas novas ou pessoais. Ao contrário, nos contatos comerciais com equipes dos EUA ou da Europa, os indicadores de pertinência são objetivos: quais resultados meu produto ou serviço é capaz de gerar? Quais provas eu posso apresentar a respeito dos meus dados? O retorno é quase imediato e objetivo. Não há divagações sobre quem me indicou ou meu histórico curricular.
Recomendados pelo LinkedIn
A aproximação que uso em diferentes culturas é basicamente a mesma. No entanto, o espaço para falar, ouvir e responder de maneira prática faz a maior diferença. Com a burocracia comprometemos a capacidade de inovação, a valorização do trabalho, o empreendedorismo e o aprimoramento de processos. E como driblar as dificuldades? Fazendo o que estiver ao nosso alcance: cultivando redes de relacionamento, investindo na própria reputação, sendo solícito com quem nos procura, cumprindo o que prometemos e aprimorando os conhecimentos, além de ter sempre em mente que nossa contribuição não é definida por um crachá.
Sua marca pessoal é sua missão
Separar as movimentações do ego das motivações intrínsecas ajuda a manter nossos esforços no trilho certo. Isto porque a cada contratação se abre uma nova oportunidade para oferecer a técnica, a criatividade e o engajamento de que somos capazes. No fim do dia, ser o diretor de uma empresa significa resolver problemas de pessoas reais – seja a equipe de colaboradores, sejam clientes. Um cargo não deve ser visto como um objetivo em si, como um fim que levará a um salário, patrimônio, exercício de poder ou visibilidade.
O cargo almejado é um meio para servir melhor, estar capaz de tomar decisões que podem impactar a população de forma positiva. E cada vez mais as empresas procuram por profissionais com o perfil de missionários – em vez de mercenários –, que possam se apropriar das questões e encarar como desafios pessoais as manobras necessárias à continuidade da prestação de serviço ou da linha de produtos. E não existe problema nenhum em ganhar dinheiro de maneira justa. Só é problema quando a motivação começa e termina aí.
Para manter a identidade vinculada à correta missão, uma dica simples é diversificar os investimentos: cuidar da própria saúde, treinar a disciplina por meio dos esportes, manter um hobby e, por que não?, estar atento ao mercado, entendendo que a vida pode mudar sem que isso represente uma crise. Cultivar bons relacionamentos também é fundamental: identifique quem está, como você, interessado em colaborar com o desenvolvimento da sociedade por meio dos negócios e do trabalho bem-feito.
*Guilherme Paiva é empreendedor, investidor anjo, mentor de startups e consultor nas áreas de marketing digital, estratégia e inovação. Para saber mais, acompanhe Guilherme também no Instagram: @guipaiva.ig