Você precisa mesmo ser um workaholic?
A naturalização do trabalho sem limites provoca uma série de consequências que precisa ser debatida e merece atenção de todos.
Você já parou para refletir no quanto estamos imersos em uma era de transformações?
Digitalização, tecnologias surgindo no espaço de um piscar de olhos, novas profissões atraindo a atenção de estudantes ou daqueles que sonham em dar uma guinada em suas vidas e correr atrás de uma carreira com mais propósito.
Todo esse cenário, naturalmente, traz mudanças importantes nas relações de trabalho. Não é preciso ser um expert para perceber que, sobretudo nos últimos anos, a transformação digital das empresas possibilitou a construção de equipes e ecossistemas colaborativos para além das fronteiras dos escritórios tradicionais – cenário esse que foi impulsionado de modo definitivo pelo contexto de pandemia global.
Trabalho a distância, jornadas dinâmicas e a construção de carreiras mais independentes tornaram-se possibilidades concretas e já são visíveis em um mercado no qual, dentre outros fatores, o modelo híbrido já é a principal opção em 2022 para 66% das empresas, segundo pesquisa realizada pela Great Place to Work (GPTW).
Mas se toda transformação gera oportunidades, ela também traz desafios e reflexões que precisamos conduzir para que possamos encontrar um balanço ideal entre o que o mercado espera e aquilo que desejamos para nossos futuros.
Um exemplo claro de obstáculo que precisamos enfrentar em conjunto, enquanto sociedade, é o dilema do excesso de trabalho e da produtividade em tempos digitais e da conectividade contínua. Pense comigo: nos últimos meses, quantos de seus amigos e familiares – que possivelmente atuam em diferentes áreas – se queixaram sobre cansaço e desgaste nas suas carreiras?
É bem possível, inclusive, que você conheça pelo menos um caso de alguém que foi afastado por burnout – termo que, infelizmente, se tornou uma buzzword no ambiente de negócios atual e se refere a uma síndrome de esgotamento ligado ao exercício profissional. E você (ou seu amigo) não está sozinho nessa: um estudo da Universidade de São Paulo (USP) indicou que um em cada cinco brasileiros apresenta sintomas de burnout.
Curioso é notar que esse aumento do desgaste físico e emocional em nossas carreiras caminha em paralelo com o mantra da produtividade a todo custo. Somos, afinal, a geração dos workaholics. Mas até que ponto essa naturalização do trabalho sem limites é saudável?
Qual o limite do trabalho sem limites?
“O velho limite sagrado entre o horário de trabalho e o tempo pessoal desapareceu. Estamos permanentemente disponíveis, sempre no posto de trabalho."
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De março até o fim de 2021, vivi na pele essa realidade de estar "permanentemente disponível", tão bem descrita pelo filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais teóricos da contemporaneidade e que, aliás, dedicou boa parte de seu ofício para analisar nossa era de transformações disruptivas e seus efeitos diretos nas relações humanas – Bauman chamava nossos tempos fluidos de modernidade líquida.
No começo do ano passado, senti que havia chegado a hora de abrir minha agência de redação, objetivo antigo e ligado ao interesse de conduzir projetos mais pessoais na área de jornalismo. Como muitos profissionais freelancers, comecei sozinho e, para além de uma pequena reserva financeira que me seguraria por uns 5 ou 6 meses se nada desse certo e uma rede de contatos que me ajudou bastante nesse início, basicamente "tentei a sorte".
E deu certo. Os projetos foram surgindo, as finanças foram se ajustando e, em alguns meses, consegui até superar os ganhos que eu vinha obtendo no mercado. Enquanto isso, trabalhava de modo mais independente e com uma diversidade maior de temas para explorar.
Mas esse é o lado belo da história – aquele que costumamos ver nas redes sociais com seus relatos de jornadas de sucesso – que tem uma carga factual, mas que veio combinado com semanas em que trabalhei até 16 horas por dia, lidando com a ansiedade da "disponibilidade permanente" tão maximizada pelos canais de comunicação digital e com a certeza de que, ou eu encontrava um ponto de equilíbrio entre entrega, satisfação, remuneração e vida pessoal, ou seria melhor voltar para o mercado.
Não, ser um workaholic nunca foi um objetivo em minha vida. Gosto de meu trabalho e acredito na importância do jornalismo e do comprometimento com a qualidade. Mas o excesso tende ao desgaste e, como venho percebendo, é possível encontrar alternativas mais saudáveis mesmo em nossos tempos líquidos.
O caminho do meio
Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, já preconizava que o ideal da virtude era o equilíbrio, o que ele chamava de mediania moral e o que nós gostamos de chamar de "nem 8, nem 80".
No fim do ano passado, pensando em achar o meu próprio meio-termo entre trabalho e vida pessoal, fiz uma breve viagem, ouvi diferentes perspectivas, li e tracei alguns pontos simples, que têm me ajudado a lidar com as demandas contínuas de nosso novo ambiente de mercado:
Sim, sei bem que tudo isso é bastante elementar, mas até hoje, o principal desafio é respeitar esses pequenos princípios, essa pequena rota para disciplina que confere liberdade. Não acredito em receitas mágicas, cada um tem seu próprio fluxo de organização e pode encontrar caminhos para o equilíbrio.
Mas é importante buscar esses caminhos e essa é uma obrigação também do mercado, haja vista que os impactos do excesso de trabalho são inclusive financeiros e, segundo reportagem da revista Exame, custa cerca de US$80 bilhões para os empregadores brasileiros por ano.
Sim, na era das transformações, estamos falando de uma mudança cultural importante. Não precisamos ser uma geração de workaholics, e o trabalho, embora uma parte importante de nossas vidas, não é tudo.