VOCÊ SABE O QUE É LAVAGEM DE DINHEIRO?

Com a intensificação da Operação Lava-Jato nos últimos anos, o termo “lavagem de dinheiro” passou a fazer parte do vocabulário cotidiano dos brasileiros. Muito se ouve, por vezes em vários momentos do dia, que fulano ou ciclano tomam determinadas ações para “lavar dinheiro”.

A questão que se põe, portanto, é: o que é lavagem de dinheiro? Quando ela ocorre? Será que o dono do estacionamento, da padaria, do posto de gasolina, dentre outros que não te oferecem o cupom fiscal não o fazem porque estão querendo “lavar dinheiro”, por exemplo?

Antes de mais nada, num breve contexto histórico, a criação do termo money laundering, segundo a maior parte da doutrina, é atribuída principalmente à prática de gangsteres norte-americanos, mais especificamente Al Capone, que se utilizaram de uma rede de lavanderias (laundry, em inglês) para ocultar recursos provenientes de crimes como venda de bebidas alcoólicas, proibida à época, tráfico de entorpecentes, corrupção, etc. Daí, portanto, a tradução para o português como “lavagem de dinheiro”, ao pé da letra.

Superada a questão da origem da expressão, importante ressaltar que o crime de lavagem de dinheiro é, sem dúvidas, um dos crimes mais complexos da legislação penal brasileira. Não pela sua descrição na legislação, mas pelas inúmeras formas que se pode cometer esse delito, chamadas, tecnicamente, de tipologias. Elas são inúmeras e a cada dia surgem novas maneiras, bastante engenhosas, diga-se, de se “lavar dinheiro”.

Pois bem, o artigo 1º, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, assim diz:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Em outras palavras, o crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se quando há a ocultação ou dissimulação de qualquer característica do produto do crime[1].

Com isso, quer-se dizer que lavagem de dinheiro é o processo utilizado por criminosos para ocultar e dar legitimidade às procedências de um crime. É o método pelo qual os criminosos se utilizam de meios lícitos, como o mercado financeiro, por exemplo, para dar uma aparente licitude a ativos provenientes de suas atividades ilícitas, ocultando-os, reinserindo-os em suas atividades econômicas, mesclando-os, por diversas vezes, com recursos que são, de fato, oriundos de atividades lícitas.

Importantíssimo ressaltar que os recursos que passam pelo referido processo têm apenas APARÊNCIA de licitude, mas, em verdade, são qualquer coisa, menos lícitos.

Para que se torne mais clara a forma como se dá todo esse processo, costuma-se dividi-lo todo em três fases: colocação (placement), dissimulação ou circulação (layering) e a integração (integration). É o chamado processo trifásico da lavagem de dinheiro e o que vai levar à aparente licitude dos recursos oriundos de crimes.

Essa divisão doutrinária do crime de lavagem de dinheiro é vastamente difundida e, inclusive, integrante de legislações de países como a França. Por isso, embora não haja uma relação necessária entre o cumprimento das três fases e a caracterização do crime de lavagem de dinheiro no Brasil, como será explicado, é imprescindível que se discorra sobre essas etapas. Didaticamente, ainda, o bom entendimento delas pode, certamente, auxiliar na compreensão da dinâmica da prática desse crime.


A primeira etapa, a colocação, ou placement, é onde ocorre a gênese do processo de lavagem do capital ilícito. É este o momento em que o criminoso busca concentrar os seus ativos para, na sequência, camuflar a sua origem criminosa.

É nesta etapa em que há a maior vulnerabilidade do criminoso e, consequentemente, é nela em que a árdua tarefa de se impedir que o processo chegue ao final é mais provável de ser realizada com sucessoa. Isso se dá, basicamente, porque nessa fase ainda não há um total distanciamento entre o ativo ilícito e a sua origem, o que faz com que haja maior foco das instituições vulneráveis a esse crime e seus reguladores nesse movimento inicial do capital.

Dentre as formas mais comuns para a realização desta etapa está o depósito em espécie em contas correntes ou em aplicações financeiras. O uso do dinheiro em espécie dificulta sobremaneira a tarefa das instituições financeiras de conhecer a origem dos recursos.

Pode-se citar, ainda, a utilização dos famigerados doleiros, que funcionam como uma espécie de mercado negro do câmbio, convertendo os recursos ilícitos em moeda estrangeira, por exemplo.

Nem sempre, no entanto, faz-se o uso do sistema financeiro. Pode-se utilizar de outros meios ardilosos para a circulação de fundos ilícitos, com o intuito de ocultar a sua verdadeira origem, como, por exemplo, a compra de bens móveis de difícil aferição econômica como antiguidades, ou de bens que são de fácil e rápida circulação entre países, como pedras preciosas.

A segunda etapa é a dissimulação, ou, ainda, estratificação ou escurecimento, conhecida internacionalmente como layering. É nesta fase que busca o distanciamento entre o recurso e a sua origem ilícita. É aqui que, segundo a doutrina, ocorre, de fato, a “lavagem” do dinheiro, eliminando-se a trilha de papel – paper trail. Em resumo, é nesta etapa que ocorre o “transformar recursos ilícitos em recursos com aparência de licitude”.


Esta pode ser a fase onde há a participação de diversos agentes, os chamados “laranjas”, para que possam ocorrer as diversas transações que caracterizam a etapa. As grandes somas de dinheiro são diluídas, fracionadas, com a intenção de se ludibriar os vários mecanismos de repressão.

Este fracionamento pode se dar de diversas maneiras: podemos ter uma conta enviando recursos para diversas outras contas, que, ainda, dividem-se em outras subcontas, conhecidas como “contas de passagem”,[2] ou, ainda, diversas contas transferindo recursos para uma única conta offshore. Ocorre, portanto, a estruturação desses valores, dividindo-os em valores inferiores aos que exigem registro da operação com comunicação aos órgãos reguladores.

Por fim, temos a integração, ou integration. É nesta etapa que o dinheiro sujo, após ter passado pelas fases anteriores, é recolocado na economia legal, já com aparência de licitude, criando-se uma nova origem, aparentemente lícita, para os recursos criminosos.


Segundo Marcelo Batlouni Mendroni, é nesta etapa que “o agente cria justificações ou explicações aparentemente legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na econômica legítima, sob forma de investimentos ou compra de ativos.”.[3]

O que ocorre nessa fase é que o agente lavador utiliza-se do dinheiro sujo, já com aparente licitude, para integrá-lo às suas atividades legítimas. Dessa forma, acontece a mescla entre os ativos lícitos e os ativos ilícitos. Uma vez concluída essa etapa, torna-se muito mais difícil para as autoridades judiciárias e policiais a persecução do dinheiro ilegítimo. Não fosse isso problema suficiente, é com a conclusão dessa etapa que se pode reiniciar o ciclo criminoso, uma vez que o dinheiro sujo pode, agora, ser utilizado e o será, no mais das vezes, utilizado para financiar práticas criminosas.

Como dito acima, é importante salientar que a divisão do crime de lavagem de dinheiro em três fases é questão meramente didática, pelo menos no que concerne à legislação brasileira. Na prática, as três fases podem ocorrer simultaneamente, ou pode ser, ainda, que sequer ocorram todas para que se caracterize o crime.

Voltamos, portanto, aos aspectos objetivos do crime. Note que no artigo 1º, da Lei 9.613/98, o legislador utilizou os verbos ocultar ou dissimular para que se caracterize a prática do crime de lavagem de dinheiro.

Nas palavras de Pierpaolo Cruz Bottini, “ocultar significa esconder, tirar de circulação, subtrair de vista”, enquanto “dissimular é o movimento de distanciamento do bem de sua origem maculada”.[4]

Importante notar que o legislador brasileiro não incluiu no tipo penal as três fases da lavagem de dinheiro, diferentemente da legislação francesa, por exemplo. Significa dizer que, para o direito brasileiro, bastam o “ocultar ou dissimular”, não havendo necessidade de que se cumpram as três etapas já elucidadas. A simples movimentação de fundos, por exemplo, com o intuito de praticar o crime de lavagem, ainda que não se complete o ciclo, já serve para consumar o delito com base no verbo “dissimular”, por exemplo.


Já em relação à “natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade”, com isso quis dizer o legislador que a ocultação ou dissimulação de qualquer característica do produto do crime é o bastante para que se caracterize o crime de lavagem de dinheiro.[5]

Outra relevante nota que se deve fazer é sobre a menção “bens, direitos ou valores”, o que indica ser qualquer vantagem, qualquer benefício, obtido cuja origem esteja em uma infração penal. Não se considera aqui, como se pode extrair do texto legal, apenas o dinheiro, mas qualquer vantagem econômica obtida por meio do crime.

Por fim, a frase “provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” indica que, para que se caracterize o crime em questão, é necessário que haja, obrigatoriamente, um crime antecedente. A lavagem de dinheiro é, portanto, cem por cento das vezes, precedida de um outro delito.

Como exemplo, alguém que compre, ou alugue, um imóvel em nome de terceiro, com o intuito de não ter que declarar o bem, pois foi comprado com recursos oriundos de atividade ilícita e para os quais, portanto, não há justificativa, comete o crime de lavagem de dinheiro. A vantagem econômica, nesse caso, está no imóvel e não em dinheiro.

Pode-se dizer, portanto, que talvez a forma mais adequada para se chamar o delito seria “lavagem de capitais” e não lavagem de dinheiro.

Outra forma muito comum, também, é a compra e venda de bens através de superfaturamento ou subfaturamento. O sujeito adquire um carro, com recursos ilícitos, por exemplo, por R$15.000,00, mas declara ter pago apenas R$10.000,00. Na sequência, vende o carro pelos mesmos R$15.000,00, desta vez declarando o total do valor, recuperando todo o investimento feito e dando aparência de licitude ao recurso.

Conclusão

A lavagem de dinheiro é, por todo o exposto, um crime absolutamente complexo de ser desvendado, fazendo com que haja todo um aparato, tanto estatal quanto privado, no sentido de se prevenir o cometimento deste delito.

Isso porque, de acordo com informações do United Nations Office on Drugs and Crime gira em torno de 800 bilhões a 2 trilhões de dólares por ano, o que equivale de 2 a 5% do Produto Interno Bruto mundial.

Esse dinheiro sujo, que poderia ser utilizado para erradicar a pobreza no mundo, para alimentar milhões de pessoas que passam fome, construir escolas, dentre diversas outras benfeitorias, é usado, no entanto, para a manutenção de domínio econômico e político por parte de organizações criminosas, causando impactos sociais absolutamente prejudiciais ao desenvolvimento de nosso país e de diversos outros países da comunidade mundial, com consequências devastadoras.

Enquanto a lavagem de dinheiro precisa de um crime antecedente para que se caracterize, ela, em si, é antecedente de diversos outros crimes que colocam em risco a sociedade, a estabilidade econômica e política, não apenas do Brasil, mas do mundo. O grande foco da repressão a este tipo de criminalidade é, portanto, refrear o crescimento econômico de organizações criminosas, impedindo, dessa forma, o financiamento de outras ações delituosas extremamente gravosas à população.


[1] MORO, Sergio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.

[2] BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9613/98. 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 49.

[3] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro – 2. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 112-113.

[4] BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012 / Gustavo Henrique Badaró, Pierpaolo Cruz Bottini; prefácio Maria Thereza Rocha de Assis Moura – 2. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 66.

[5] MORO, Sergio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 25.



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