Vulnerabilidade é o Novo Normal
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Vulnerabilidade é o Novo Normal

Vulnerabilidade sempre foi uma palavra que causou arrepios na maioria das pessoas. Ninguém quer se sentir vulnerável, porque as pessoas associam vulnerabilidade à fraqueza, desconforto, vergonha, constrangimento e desamparo. A pandemia explicitou todos os tipos de vulnerabilidade social – de negros, índios, pobres, mulheres trabalhadoras, pais de família, moradores de rua. Explicitou também as nossas próprias – escancarou medos e inseguranças, de maneira que ninguém está podendo disfarçar.

Nos últimos anos, a “síndrome da (in)vulnerabilidade” assumiu patamares assombrosos. Paralelamente a isso, o índice das pessoas diagnosticadas com a síndrome de burnout também aumentou. As crenças nos poderes pessoais ilimitados e a síndrome de burnout estão diretamente relacionadas. No início dos anos 2000, a psiquiatra Alexandrina Meleiro, publicou um extenso estudo sobre a “invulnerabilidade médica” e a tendência desses profissionais se julgarem onipotentes e super-heróis.  Infelizmente, nos últimos anos, essa síndrome não ficou restrita aos profissionais da área da saúde, infectando empresas, organizações e seus colaboradores de maneira exponencial (qualquer semelhança com o coronavírus não é mera coincidência).

Mais recentemente, a vulnerabilidade tem se tornado popular pelo trabalho de Brené Brown, mas percebo que antes da pandemia, esse conceito ainda estava muito incompreendido, apesar dos esforços dessa autora. Talvez agora, que as vulnerabilidades estão tão evidenciadas, seja possível compreender o significado de sentir desamparo, cansaço e “estar vulnerável”.

Mas afinal, o que é vulnerabilidade? É a qualidade de ser vulnerável, frágil, segundo o dicionário. A origem da palavra é vulnerar do latim, que significa ferir, melindrar. Vulnerabilidade é ter ferimentos e precisar tratá-los – e não sentir qualquer constrangimento ou vergonha por precisar de um remédio, seja qual for a sua natureza. Nesse momento pós-pandemia, estamos, sim, feridos. De diversas maneiras. Todo mundo está tendo momentos, dias e semanas ruins. E não há problema nenhum em demonstrar as lutas e fragilidades.

Vamos ver algumas confusões observadas quanto ao conceito antes da pandemia:

- Nas empresas entenderam que, líderes que expressam exaustão e contrariedade significa ser vulnerável. Vulnerabilidade é entender que a exaustão é um sinal de que é preciso parar para reformular as estratégias. Expressar contrariedade também não é sinal de que está lidando bem com as dificuldades. Contrariedade é resistência e irritabilidade, que levam ao estresse. Aceitar que podemos estar feridos e cansados é o oposto disso, como no exemplo do CEO Arne Sorenson, da Marriott International (conglomerado de hotéis de luxo). Depois de ver a receita da empresa despencar quase 75% na maioria dos mercados por causa da Covid-19, ele quis gravar um vídeo para os colaboradores da empresa. Sua equipe tentou fazê-lo declinar da ideia, porque Sorenson estava muito debilitado e sem boa aparência, devido à quimioterapia realizada para tratar o câncer de pâncreas. Mesmo assim, ele fez o vídeo e anunciou que tanto ele quanto o presidente da empresa renunciariam a seus salários em 2020 e que a remuneração da equipe executiva seria dividida pela metade. Ele se emocionou no final, enquanto falava em apoiar os associados da Marriott em todo o mundo. O vídeo inspirou outros líderes a desistir de seus salários também. Esse é um exemplo de um líder que lidou bem com seus medos e fraquezas, não se envergonhou ou se constrangeu por estar fragilizado pela crise ou pela doença. Não teve medo de expor o quanto se sentia ferido. Essa comunicação franca pode fortalecer os vínculos, e é o que as empresas mais necessitam nesse momento – vínculos fortes e confiança no grupo, para ter colaboradores resilientes.

- Nas redes sociais. As pessoas expõem suas feridas, suas dores, sua família, sua localização. A alta exposição sem filtros deixa as pessoas vulneráveis em relação à segurança física e principalmente psicológica. Vulnerabilidade não é expor-se sem critérios; quando aprendemos a lidar com a nossa humanidade, não expomos as nossas feridas e nossa história a qualquer pessoa ou em qualquer meio. Aprender a lidar com a própria vulnerabilidade é ter esse autocuidado, ter segurança interna e saber em quem confiar; bem diferente de buscar aceitação externa a qualquer preço.

- Individualmente. A síndrome da invulnerabilidade coletiva é decorrente da negação da vulnerabilidade por parte das pessoas, no seu universo particular. Isso é fruto de uma educação familiar e escolar que não contempla as fraquezas, as feridas. Pais e mães tentam ser sempre fortes, reprimindo os medos e angústias. Professores têm sido exigidos para se manterem verdadeiros super-heróis, desenvolvendo muitos problemas de saúde física e mental.

Como falar de assuntos tão doloridos? Como expor seus medos e inseguranças para a família e a equipe no trabalho?

Em primeiro lugar, perdendo o preconceito de sentir medo, raiva, insegurança. Eles são reais e aceitáveis. Todos estamos com medo. Uns estão com mais medo de algumas coisas, outros, de outras. Mas todos têm medo de algo, e assumir isso é encarar a nossa vulnerabilidade. Existe um paradoxo aqui – quanto mais aceitamos nossas fragilidades, mais fortes nos tornamos. O estoque de energias utilizado para enfrentar situações adversas sem autoconsciência das emoções envolvidas é altíssimo. Então, falar abertamente das inseguranças, apontando os recursos disponíveis para lidar com as dificuldades, é a única opção aqui. Se esses recursos não estão disponíveis, é preciso conversar sobre as estratégias para busca-los.

Em segundo lugar, identifique sua estratégia para fugir do medo e de suas feridas. Brene Brown alerta: “Todo mundo tem diferentes formas de se entorpecer – comida, trabalho, redes sociais, compras, televisão, videogames, pornográfica, álcool. E, quando apelamos para esses agentes entorpecentes de forma crônica e compulsiva, passa a ser vício, não apenas um modo de aliviar a tensão”. Antes da COVID-19, isso já era comum. Agora, durante a pandemia, ficou ainda mais necessário identificar esses entorpecentes “da alma” para se tornar mais forte.

Para quem tem filhos, uma estratégia para evitar a alienação e o entorpecimento, é brincar e jogar com eles. O lúdico nos aproxima de nossa vulnerabilidade – sentar-se no chão, dar boas risadas, pode aliviar a tensão de ter que ser sempre forte.

A Neurociência da vulnerabilidade.

“É perfeitamente humano querer buscar o respeito e a estima dos outros, uma vez que evoluímos e sobrevivemos, dependendo da nossa reputação no grupo” (Rick Hanson). Estudiosos do tema da vergonha e do constrangimento consideram essas emoções como sinalizadores de que fizemos algo condenável pelo grupo e que isso pode levar à expulsão, à solidão e à morte.

As experiências que são percebidas como vergonhosas ou constrangedoras são moduladas nas estruturas de processamento emocional instintivo, relacionadas especialmente às reações de luta, fuga ou congelamento. A raiva pode ser a forma de lutar contra o constrangimento – a agressividade característica dos animais que se sentem ameaçados. A estratégia para fugir da sensação de fragilidade costuma ser exagerar em muitas coisas – dormir, trabalhar, comer, beber. Já a estratégia de congelamento (“fingir-se de morto” no mundo animal), é a manutenção de segredos – a evitação dos conteúdos que nos deixam vulneráveis.

Brene Brown diferencia as sensações de culpa das sensações de vergonha. Ela considera que a culpa é adaptativa, aponta os erros, permitindo corrigir e mudar as atitudes. Na culpa, o pensamento predominante é “eu errei”. A vergonha, por sua vez, faz com que a pessoa sinta que “uma parte dela é inaceitável, defeituosa,” e que mudar é muito difícil. O pensamento predominante é “eu sou um erro”.

A vergonha, como falamos, está relacionada ao medo da exclusão do grupo, é profundamente inconsciente e primitiva. A culpa também gera medo. Culturalmente, aprendemos que “todo culpado merece uma punição”, e nesse sentido, não percebemos a culpa como adaptativa. O indivíduo culpado pode viver em um auto-flagelo e a não refletir profundamente sobre as possibilidades de mudança. O ato de estar autoconsciente das nossas ações, refletir sobre o impacto que elas têm nos outros e em nós, assumindo a responsabilidade independente de punição, sem emocionalismo, é o que nos torna mais humanos. Agir com responsabilidade aciona os circuitos do neocórtex.  

Há muito tempo, um amigo judeu me disse que se o povo alemão se sentisse culpado pelas atrocidades cometidas pelos nazistas, existiria menos possibilidades de que genocídios voltassem a acontecer (na verdade, pesquisas mostram que alemães sentem vergonha). Ele entendia pelo lado da moralidade – ter culpa ou vergonha pelo que é certo ou errado. Eu vejo de outra forma. O melhor que podemos fazer por nós nesse momento, é nos comprometermos com o bem da coletividade – por solidariedade, compaixão, generosidade. Nós temos uma rede neural desenvolvida especialmente para isso, conforme publicamos ontem e vale a pena repetir: “... aqueles genes que promoveram aptidões de relacionamento e tendências cooperativas imprimiram seus traços na constituição genética da população humana. Os resultados podem ser vistos hoje nas bases neurais de muitas características essenciais da natureza humana, incluindo altruísmo, generosidade, preocupação com a reputação, justiça, linguagem, perdão, moralidade e religião. (Rick Hanson)”

Na minha condição de profissional da saúde, prefiro que as pessoas façam as mudanças necessárias por responsabilidade consigo, com sua família e com o planeta através das emoções edificantes (e esse recurso está disponível para nós) e não por culpa ou vergonha (que podem não sustentar as mudanças). Essa é a mudança para uma realidade sustentável. Somente quando o ser humano assumir a responsabilidade pelo cuidado consigo e com os demais, mesmo errando, se tornará mais forte. Quando agirmos por amor e responsabilidade, e não pelo medo da punição, estaremos livres para melhor construir o Novo Normal que queremos.



Alexandre Braun de Vargas

EMPRE | ASSESS - Assessoria para Empreendedores

4 a

Texto fantástico. Leiam!!!

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