Walmart: 20 anos de Brasil serão suficientes? Walmart: will 20 years of Brazil be enough? (Artigo de Dezembro de 2015 | Article from December 2015)
Lembro-me vivamente quando anunciou-se que o Walmart iria ingressar no Brasil. Neste ano de 1995 o Carrefour, meu então empregador, comemorava 20 gloriosos anos de Brasil. E o Walmart não viria só, estando muito (bem) acompanhados pela Lojas Americanas, de Jorge Paulo Lemann, sócios com 40% do capital do Walmart Brasil (participação vendida em 1997 com uma perda de R$ 9 milhões). A mensagem era clara e pública: o Walmart iria conquistar o Brasil passando por cima da concorrência como um rolo compressor!
Nesta época eu trabalhava na administração do Carrefour Brasil. E a administração do Carrefour Brasil reagiu de maneira correta a esse anúncio preparando-se para receber a maior rede varejista do planeta. Decidiu-se por um ataque ao invés de simplesmente defender-se. A expansão do concorrente foi mapeada e as lojas Carrefour localizadas na zona de influência da “nova” concorrência foram reforçadas em termos de equipe, de mercadoria (sortimento e estoque) e de campanhas promocionais (preço e comunicação). Adicionalmente, decidiu-se por adquirir um terreno ao lado de onde se construiria o primeiro hipermercado do WM - em Osasco - e ali construir uma loja. Para essa loja deslocou-se uma equipe experiente liderada por um dos melhores diretores de loja da rede e definiu-se que essa loja não teria por preocupação ganhar dinheiro. O objetivo dessa equipe era o de garantir uma recepção à altura de uma grande empresa. O resultado foi uma “carnificina”. As lojas chegaram a faturar, mensalmente, mais de R$ 20 milhões cada uma (em 1995!). O Walmart em função de ter uma equipe que não conhecia muito bem o modo de operar (processos) da empresa americana, de sistemas não adaptados, de um sortimento “não tropicalizado”, e de um movimento que não antecipava perdeu muito dinheiro.
O ambiente em que o Walmart ingressou no Brasil experimentava uma importante transformação em várias frentes:
i. Macroeconômica: o Plano Real havia, após décadas, obtido sucesso no controle da inflação;
ii. Concorrência: Carrefour e Grupo Pão de Açucar, os dois maiores varejistas operadores de lojas de grande superfície do país, encontravam-se em um bom momento. O Carrefour, o líder, muito lucrativo e gerador de caixa e o Pão de Açucar uma empresa que havia passado por uma reestruturação de sucesso e que havia reforçado seu balanço com recursos da abertura de capital. Afora estes dois grandes varejistas “nacionais”, os demais eram operadores regionais, fortemente estabelecidos em suas regiões e que já haviam “absorvido” o “know how” das grandes redes via recrutamento de gente e simples cópia. E, outras frentes de concorrência surgiam: (a) o incremento do número de lojas físicas e online especializadas na área de não alimentos; (b) o supermercado de vizinhança tornando-se mais profissional e mais competitivo em termos de preços; e (c) o atacado de autoserviço capturando parte dos novos clientes advindos da classe média emergente.
iii. Consumo: algumas transformações importantes tais como a redução do tempo disponível para compras (em função do crescimento em quantidade e importância do trabalho feminino); a redução do tamanho das famílias; e a piora do trânsito com aumento importante no tempo de deslocamentos.
iv. Suprimento: o crescimento e profissionalização das indústrias; e taxa de câmbio favorável à importação.
v. Infraestrutura: a valorização imobiliária das grandes áreas.
Varejo é, por definição, local. No entanto, o fenômeno da globalização não passa ao seu largo. As razões ou motivações para a expansão internacional de uma rede varejista são: saturação do mercado doméstico (motor da expansão), aproveitamento de oportunidade (arbitragem) e vocação para internacionalização (alavancada em marca, recursos financeiros, gestão e modelo replicável). A expansão se dá: por aquisição de negócio(s) existente(s); orgânico (reproduzindo seu modelo localmente); ou cooperação (licenciamento de marca e know-how).
E por que não correu como esperado? Por que até hoje, 20 anos depois, o Walmart Brasil segue sendo uma operação deficitária?
1) Optou-se por ingressar com dois modelos – Sam`s e Supercenter – agregando complexidade e dispersando recursos (e demandando maior e custosa estrutura);
2) Padronização-Centralização com pouca flexibilidade (inaptabilidade que se refletiu na operação, política comercial e controles);
3) Modelo de precificação (Preço Baixo Todo Dia-EDLP) que funciona bem nos EUA em razão da representatividade da operação lá mas que não se adaptou bem a uma operação “menor”. Além disso é um modelo que castiga a margem!
4) Aquisições pulverizadas – Bompreço (2004) e Sonae (2005) – em estados extremos, o que agregou mais complexidade ainda ao negócio. Interessante que ambas as empresas foram vendidas por operadores estrangeiros que deixavam o mercado Brasileiro;
5) Demora na integração de sistemas e bandeiras.
A administração no Brasil sofre com alguns dilemas, alguns dogmáticos, que deveriam ser endereçados de maneira rápida para tornar o negócio sustentável. Alguns destes dilemas são: (a) Investir no Sam’s em detrimento do Supercenter?; (b) Encerrar a operação Maxxi’s?; (c) Racionalizar as lojas de hiper (tamanho e número*)?; (d) Investir em formato alimentar menor como por exemplo o “Fresh”?
O problema, no entanto, é que pode não haver tempo ou paciência por parte da matriz para aguardar essas respostas. O Walmart enfrenta problemas no seu maior mercado, os EUA, e está tomando ações envolvendo a melhoria operacional (o que inclui aumento de salários, contratação de gente e treinamento); investimento na estratégia de Preço Baixo Todo Dia o que o levará a reduzir margens e/ou a incrementar a pressão sobre seus fornecedores; e investimento em ecommerce. Além disso o seu CEO declarou estar comprometido com os dois principais mercados: EUA e China. Adicionalmente já havia afirmado estar “aberto a revisar o seu portfolio”. E o Walmart já saiu de outros mercados importantes em que não desempenhava bem como, por exemplo, a Alemanha.
A questão que fica é se o Walmart estará operando no Brasil daqui a 20 (vinte) anos ou esses primeiros 20 anos foram demais!?
*) Desde que o texto foi escrito em Dezembro de 2015, algumas lojas foram fechadas.
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I vividly remember when was announced that Walmart would enter in the Brazilian market. In this year of 1995 Carrefour, my employer then, was commemorating 20 glorious years of Brazil. And Walmart did not come along but sided with Jorge Paulo Lemann’s Lojas Americanas, owner of a 40% interest (sold in 1997 with a R$ 9 million loss). The message was clear and public: Walmart would conquer Brazil running over the competition like a steamroller!
At that time I was working at Carrefour’s Brazil HQ. And Carrefour Brasil management reacted correctly to this announce by been prepared to receive the largest retailer in the planet. The decision was for an attack instead of simply playing defense. The expansion plan of the newcomer was mapped and the Carrefour stores located within the influence zone of the “new” competition were reinforced in terms of teams, merchandise (assortment and inventory) and promotional campaigns (pricing and ads). Additionally, was decided to acquire land located side by side with the land where the first Walmart Supercenter would be built. To this store an experienced management team was transferred and was defined that it should not be worried about making money but instead guarantee a reception on a par of a great company. The result was “carnage”. The stores, each one, would invoice, monthly, over US$ 20 million (in 1995!). Walmart due to a team not very familiarized with the modus operandi (processes), lack of adapted systems, a “non-adapted“ assortment, and to a non-anticipated traffic lost a lot of money.
The environment in which Walmart entered Brasil was experiencing transformation in various fronts:
i. Economy: the Real Plan had, after decades, obtained success in taming inflation;
ii. Competition: Carrefour and Grupo Pão de Açucar, the two major retailers operating large surface stores were both in a good moment. Carrefour, the leader, very lucrative and cash generator and Grupo Pão de Açucar had been through a successful restructuring and had reinforced its Balance Sheet via an IPO. Other players were regional operators, strongly entrenched in their regions and that had “absorbed” the “know how” of the major players via recruiting their key people or by simply copying. And, other sources of competition were arising: (a) the increment in the number of physical and online stores specialized in non-food; (b) the neighborhood supermarket was more professional and competitive in terms of prices; and (c) the cash and carry wholesalers were capturing part of the emerging medium class.
iii. Consumption: important transformations were taking place such as the reduction in the time availability to shop (due to the growth in quantity and importance of the feminine work); a reduction in the size of the families; and a worsening in the traffic increasing the time to make displacements.
iv. Supply: growth and professionalization of manufacturers; a favorable to import exchange rate.
v. Infrastructure: important price increase of land.
Retail is, by definition, local. Nevertheless, the phenomenon of globalization is not off (retail). Reasons or motives for a retailer embarking on an internalization expansion are: saturation of the domestic market (expansion engine), opportunity (arbitrage) and international orientation (levered on brand, financial resources, management capabilities and replicable model). And international expansion can take place through: acquisition of an existing business (es); organic (reproducing the existing model in the new country); or via cooperation (licensing brand and know-how).
And why it did not take place as expected? Why until today, 20 years later, Walmart Brazil is a loss making operation?
1) It opted for entering with two different models – Sam`s and Supercenter – adding complexity and dispersing resources (and demanding a more costly structure);
2) Standardization-Centralization with low or no flexibility (lack of adaptability reflected in the operation, commercial policy and controls);
3) Pricing model (Every Day Low Price) that works well in USA given the representation of the operation there but that did not work in a “smaller” operation. In addition to that is a pricing model that punishes margin!
4) Acquisitions in distant regions – Bompreço in the Northeast (2004) e Sonae in the South (2005) – adding more complexity to the business. Interesting was the fact that both companies were sold to WM by foreign retailers exiting the Brazilian market;
5) Delay in integrating systems and brands.
The Brazilian management struggles with a few dilemmas, some dogmatic, that should be addressed urgently with the aim of making the business sustainable. These dilemmas are: (a) Invest on Sam’s in detriment of Supercenter?; (b) Shut down the Maxxi’s operation?; (c) Rationalize the Supercenters (size and number*)?; (d) Invest in a smaller food format such as the “Fresh”?
The problem, however, is that maybe there will be no time or patience from the part of the HQ to wait for the answers. Walmart is facing problems in its larger market, the US, and is taking actions that involve operating improvements (salary increases, hiring and training); further investment on the EDLP strategy that will lead to reduce margins and-or increase pressure over the relationship with suppliers and investing in ecommerce. Besides that the CEO declared to be committed to the two major markets for Walmart: US and China. He also declared that management is open for revision of the portfolio. And Walmart already divested from non-performing operations in important markets such as Germany.
The question then is if Walmart will continue to be operating in Brazil 20 (twenty) years from now or if these first 20 years were enough!?
*) Since the text was written in December 2015, a few stores were closed.
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2 mRubens, obrigado por compartilhar!!
Business Development, Sales and Public Relations
1 aExcelente análise
Franqueado e Investidor
6 aTalvez fosse este o momento de se ter a humildade em aprender com a reformulação feita no GPA pelo Abilio e seu time. Varejo são detalhes e estes detalhes são colhido no chão de loja junto aos clientes e funcionários.
Gestor e Consultor Técnico Humanista ( predial, operações e facilities)
6 aEstava também no Carrefour, e como o Walmart começou no ABC, vi muito de perto essa investida no Brasil. começou com o San's Club em São Caetano, implodindo um prédio de uma grande metalúrgica que tinha na região, depois partiu para Santo André bem atrás do Carrefour , com divisa de muros. Como você comentou o Carrefour se preparou, fomos para uma sítio em Embu das Artes, ficamos dois dias com a família nesse local e tivemos até palestras como profº Marins, nosso Diretor estava preocupado com o Walmart, muitos colegas de trabalho foi para o concorrente com cargos maiores que tinham no Carrefour, mas a operação parecia muito "maluca" onde as ordens pelo menos na manutenção vinham da Argentina, cheguei emprestar um técnico de refrigeração para eles, pois estavam com um vazamento no sistema e não conseguiam encontrar ( já pensou você concorrente direto emprestar um funcionário para ajudar o "inimigo", mas quem é da área sabe o que é estar perdendo mercadoria por vazamento de gás refrigerante, e em um sistema que é gigantesco , precisa de toda ajuda possível), e assim foi, e após ver outro Walmart inaugurando em 1997 na Av. dos Estados , vi em nenos de 20 anos ele fechar,....... alguma coisa está errada!
Gerente de Compras / Comprador / LinkedIn Creator / Disponível para o mercado
6 aOs quase 2 bilhão que vão gastar na reformulação de algumas lojas é a pá de cal. Não vai dar o retorno do investimento. O que tem que mudar é a forma de pensar/trabalhar o resto é prolongar o inevitável.