#7 Notas sobre o amor

#7 Notas sobre o amor

Vivemos como se fóssemos ocupados demais para falar sobre amor. Como se isso fosse algo tão raro que devesse ser limitado aos nossos contextos familiares e íntimos. Aprendemos pouco sobre o que o amor realmente é, e a partir de visões fragmentadas vamos construindo significados e entendimentos paradoxais onde o amor coexiste com a destruição, o abuso e a exploração.

Ao longo dos séculos, muitos pensadores tem alertado que os impactos da ausência de amor, como um fenômeno social, tem custado não só desafetos, mas vidas, florestas e o futuro do nosso projeto de humanidade.

Aproveitei o clima de natal para dividir por aqui algumas das minhas descobertas ao longo desse ano estudando o amor de forma mais intencional. Pode parecer que esse texto não tenha nada a ver com esse espaço e contexto. Mas bem, é exatamente por isso que decidi escrevê-lo. Embora essa conversa funcionasse melhor em uma mesa de café, reuni algumas notas que me acompanharam nessa pesquisa.

A ética do amor

Amar parece algo tão natural e ao mesmo tempo misterioso, que investimos pouco em entender o que significa e estabelecer entendimentos comuns. Porém, a falta de aprofundamento no que o amor realmente é tem nos custado muito. Confundir amor com sentimento e afeto, por exemplo, tem isentado nossa responsabilidade coletiva por ações eticamente responsáveis em todos os âmbitos da nossa vida. Bell Hooks mergulhou sobre o significado do amor em uma triologia belíssima e nos diz que o amor não é um estado ou um sentimento, mas um verbo. Uma pratica que implica intenção e ação. A gente escolhe amar. E isso significa combinar cuidado, comprometimento, confiança, conhecimento, responsabilidade e respeito.

Nessa perspectiva, o amor não é despertado ou acontece no vácuo, mas na intenção em conhecer e construir todas essas dimensões nas relações que estabelecemos com o mundo, com a natureza, com nosso planeta. Recomendo a leitura de Amor Radical e o Despertar do universo consciente.

O amor no cotidiano

Essa falha de entendimento do que é o amor pode nos tornar extremamente seletivos sobre os ambientes e contextos onde o levamos e o reconhecemos. Nos torna apáticos em perceber o amor no ordinário, de tomarmos as ações que precisamos para apaziguar tensões, dissolver conflitos, oferecer uma mão, iluminar o momento escuro de alguém. No filme Dias perfeitos somos agraciados (ou desafiados) a observar, no ritmo lento da vida de um lavador de banheiros no Japão, a beleza e a singularidade da sua vida. Em Reflections of Life, há dezenas de histórias que nos resgatam para lugares onde a vida, em todas as suas formas, é honrada.

O amor nas relações

A essa altura eu imagino que já tenha ficado claro que o amor a que me refiro não vem só do amor romântico com que fomos familiarizados. E vai além dos contratos de relação que construimos em torno disso. Inclui o auto-amor, como fundação de todas as outras as outras formas de amar, e considera as relações que estabelecemos com cada um que cruza nosso caminho - incluindo a pessoa estranha que dividiu o elevador com você hoje ou a vitima de mais um ato violento que foi exposta no jornal da semana. O nosso projeto de humanidade é coletivo, o que significa que experimentamos uma vivência de amor em comunidade.

Em Descolonizando afetos, a escritora indígena Geni Nunez traz uma reflexão tão bonita e importante sobre a “singularidade de cada pessoa na artesania dos afetos.” David Brooks fala que não conseguimos nos conectar verdadeiramente com alguém se não partimos de um ponto onde vemos valor na outra pessoa. E humildemente eu vou além, não conseguimos nos conectar com alguém se as dimensões que compõe o amor (cuidado, comprometimento, confiança, conhecimento, responsabilidade e respeito) não coexistem ali.

O amor na prática

A epistemologia do amor não vem só dos estudos de suas obras, mas da capacidade de nos resgatarmos da insensibilidade que o mundo materialista nos coloca para reconhecer mais fagulhas de amor que rastros de ódio. Em outras palavras, amar se aprende amando. E como disse Geni, “o que fomos não precisa ser a profecia do que seremos.”

Nos resgatarmos de um contexto de desamor é um exercício diário de orientarmos nossas ações à ética do amor. Na entrevista emocionante que Oprah faz com o filosofo Thomas Moore, ela diz que o melhor remédio para os dias em que se sente pra baixo é fazer algo por alguém. Muita gente já percebeu isso. No seu conhecido livro Care of the soul,Thomas nos lembra que precisamos de pessoas com quem possamos ter conversas abertas, reais. Isso parece simples, mas envolve coragem de lidar com muitos medos. E essa dinâmica é incompatível com o tipo de diálogo que temos em redes sociais, como essa aqui. Precisamos de conversas reais.

Ao longo desse ano, mesmo fisicamente distante dos meus amigos e familia, tive muito mais conexões significativas com muitos deles pelo simples fato de escolher tê-las. Entre novos projetos, papers, business cases, poesias, pinturas e bons cafés eu vou me dando conta que retornar o amor ao centro é a coisa mais natural que posso fazer por mim. Não porque isso signifique paz ou plenitude, mas simplesmente porque integra o que nunca deveria ter sido considerado separado.

Para 2025, muito amor!

Daniel Franca

MBA Candidate at Chicago Booth | Product Management | Product Development | Strategy | Innovation | Mobility | Automotive

1w

Texto incrível Clari!

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Patricia Costa Campos

Innovation Specialist| Engineer| Strategy Advisor | Leadership| Product manager | project management | OKR | SAFE PO PM

1mo

Que texto incrível, Clari! "Precisamos de conversas reais." Essa frase tem ecoado na minha mente nos últimos dias e trazer essa sensibilidade por aqui é muito importante. Obrigada por esse texto!

Bruno Moreira

Pai da Beatriz e da Bianca, Parceiro de vida da Ju, Fundador da Inventta, Sócio da KPTL e Conselheiro da ANPEI

1mo

Oi Clarisse Gomes, sinto que temos boas conversas para ter! Obrigado pelo texto.

Fabiana Raulino

Tech PhD | Speaker | AI Specialist | Aprendizagem Otimizada pelas Tecnologias | Playcast Games | Host de podcast na Revista Proteção

1mo

Nossa, Clarice! Que presente esse texto!

André C B Aquino

Director of Innovation of São Paulo State Gov | Full Professor at University of Sao Paulo | Speaker | Organization Studies | Ecosystems spanning | Executive Board member

1mo

a própria tentativa já seria um bálsamo... no dia a dia abrir os olhos para essa loucura que vivemos e optar por mudar, optar por paciência, por gentileza, por ouvir.. até por sorrir, e sobretudo por sentir.. .. mas também perceber que será difícil para muitos.. seja porquê passam fome de comida.. ou fome de poder, de atenção, de bens, de fama.. o efeito é o mesmo, se formos famintos de alguma forma, nos dificilta caminhar.. Mas chegaremos lá, um dia.. que bom que você escreveu a reflexão Clarisse Gomes !!! Nos ajuda a parar, a frear o fluxo corriqueiro, e nos conecta em um outro..

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