IR sobre Rendimentos Recebidos Acumuladamente

Uma surpresa desagradável que aguardava a muitos contribuintes após saírem vitoriosos ao final de longos e dispendiosos processos judiciais era a forma de cobrança, por parte da Fazenda Nacional, do Imposto de Renda sobre eventuais rendimentos percebidos em tais demandas; especificamente no caso de demandas trabalhistas e previdenciárias (nas quais normalmente o rendimento percebido corresponde a vários períodos diferentes, porém o montante devido é recebido acumuladamente).

Após auferido o rendimento decorrente da vitória judicial, o contribuinte via-se tolhido em seu direito ao recolhimento do imposto de renda calculado pelo regime de competência (mês a mês, com aplicação de alíquotas menores na tabela progressiva – na medida em que o rendimento deveria ter sido recebido no tempo) e obrigado a pagar o tributo pelo regime de caixa, de uma única vez, na data do recebimento dos valores após a vitória judicial, aplicando-se a alíquota-teto da tabela progressiva (27,5%) sobre boa parte dos valores recebidos.

Nesses casos, a Fazenda Nacional considerava como ocorrido o fato gerador na data do pagamento do rendimento total auferido na ação judicial, desconsiderando que tais valores na realidade tinham origem em distintos períodos de apuração anteriores, não tendo sido adequadamente recebidos e tributados por razões alheias à vontade ou controle do contribuinte.

O entendimento fiscal era de que, no caso de rendimento tributável recebido acumuladamente, em razão de provimento judicial ou revisão de benefício, o fato gerador se aperfeiçoaria no momento da disponibilidade econômica do rendimento, com o consequente acréscimo patrimonial – já que o art. 12 da lei nº 7.713/88 prevê o regime de caixa para as pessoas físicas. Seguindo-se tal raciocínio, tratar o rendimento recebido acumuladamente de forma distinta seria ofensivo ao princípio da Isonomia, pois consistiria na atribuição de tratamento diverso entre os contribuintes: atribuindo-se a uns a tributação sob regime de caixa e a outros, como é o caso, sob o regime de competência.

Quando ao argumento dos contribuintes de que o rendimento foi recebido acumuladamente por razões alheias à sua vontade, e inclusive por lesão a seu direito, o fisco manifestava-se basicamente no sentido de que o Estado tampouco era culpado pelo atraso na percepção dos valores, não sendo tal fato justificativa para atribuição de tratamento diverso entre contribuintes. Esta era a posição fiscal, que gerava a aplicação da maior alíquota do imposto de renda, em detrimento do princípio da capacidade contributiva e da progressividade deste tributo.

Além da flagrante injustiça no tratamento do contribuinte, que é duplamente prejudicado (primeiro por não receber seu rendimento no período adequando, e segundo por sofrer tributação majorada quando do recebimento), a partir de 2010 a tese em comento passou a ser ilegal. Isso porque a própria União reconheceu a ilegalidade da regra do texto original da lei nº 7.713/1988, ao editar a Medida Provisória 497/2010 – posteriormente convertida na Lei nº 12.350/2010.

Em que pesem as reiteradas derrotas da tese fiscal ao longo dos anos, o fisco sustentou estoicamente tal posição – ainda que internamente houvesse dissonância sobre a aplicabilidade e legalidade da tese. De fato, em 2009, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional proferiu o Parecer PGFN/CRJ nº 287/2009, com a seguinte ementa: “Tributário. Rendimentos tributáveis recebidos acumuladamente. O imposto de renda sobre rendimentos pagos acumuladamente deve ser calculado com base nas tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem. “.

Da leitura do referido parecer verifica-se que uma parcela significativa dos membros da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional já se encontrava ciente das poucas chances de êxito da tese, já em 2009. Veja-se trecho do parecer:

“Dimana da leitura das decisões acima transcritas a firme posição do STJ, contrária ao entendimento da Fazenda Nacional acerca da matéria, que sempre foi no sentido da incidência do imposto de renda considerando o montante global recebido. (...) Nesses termos, não há dúvida de que futuros recursos que versem sobre o mesmo tema apenas sobrecarregarão o Poder Judiciário, sem nenhuma perspectiva de sucesso para a Fazenda Nacional que atualmente representa a União Federal em juízo, nas demandas interpostas contra as exações tributárias. Portanto, continuar insistindo nesta tese significará apenas alocar os recursos colocados à disposição da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em causas nas quais, previsivelmente, não se terá êxito.”

A despeito da razoabilidade do Parecer PGFN/CRJ nº 287/2009, uma grande quantidade (mais de nove mil, segundo dados do Supremo Tribunal Federal) de demandas a respeito da matéria continuou em trâmite perante o Judiciário. De fato, a quantidade de demandas era tão grande que, mesmo após a edição do parecer mencionado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o assunto como de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário RE nº 614.406.

O referido Recurso Extraordinário foi julgado pelo Pleno do STF, que decidiu, de acordo com a ata de julgamento nº 29 (publicada no DJE nº 219, de 06/11/2014), que “em observância aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, a incidência do IR deve considerar as alíquotas vigentes na data em que a verba deveria ter sido paga, observada a renda auferida mês a mês”.

Afinal, o alívio para os contribuintes que tiveram recebimentos pagos acumuladamente por força de ação judicial. Antes tarde do que nunca.

Gostei... Muito esclarecedor e me será útil.

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