Não, Juíza, nós, meninas e mulheres, não suportaremos nem mais um pouquinho.
Estava rolando o feed do Facebook quando me deparei com a seguinte pergunta na legenda de um post: “Quantos anos você tinha quando perdeu sua virgindade?”
O susto veio ao primeiro sinal de relato de abuso. Infantil ou não. Contra mulheres ou não.
“8 anos, infelizmente.”
“18, mas fui forçada.”
“16 anos, contra [minha] vontade.”
“5 anos de idade.”
“7 anos.”
O que mais me chamou a atenção:
“Não perdi. Me roubaram.”
A cada comentário, uma tristeza me envolvia, um nó na garganta me sufocava. Mais e mais.
Até que, hoje, ao pensar também no caso da menina de 11 anos que foi estuprada e teve o aborto legal negado, tal sensação transformou-se numa inquietação latente.
Não como uma simples revolta de quem chega aqui e repete tudo aquilo que já foi falado, alimenta a repressão contra a juíza e espera uma punição severa a mesma.
Mas sim na forma de um olhar mais crítico, profundo e responsável sobre o que todas nós podemos, de fato, mudar e fazer em nosso próprio contexto para que as violências que sofremos, físicas ou não, já não nos impeçam de seguir em frente e sermos donas de nós mesmas e nossas vidas.
É claro que a abordagem da juíza pode ter sido, no mínimo, equivocada em partes e espero, de verdade, que ela possa refletir sobre, tirar algo de bom de toda essa bagunça e encontrar ordem no caos para que seja também uma mulher melhor da próxima vez.
Porém, o que não vejo ninguém dizer é sobre como a menina e todas nós podemos superar traumas assim e nos tornarmos protagonistas, não mais vítimas, de nossa realidade.
Como é possível, no presente, construirmos um futuro que faça sentido para nossa criança interior, que muitas vezes teve, no passado, sua infância, essência, alma, espírito, autenticidade, espontaneidade, curiosidade e sonhos roubados?
Eu te pergunto: O que você tem feito com tudo aquilo que fizeram contigo?
Afinal, não conheço uma mulher sequer que nunca tenha sido refém de algo ou alguém.
O problema é que a maioria assim se mantém. Por toda a vida. Mesmo quando tudo já passou há muito tempo.
Você pega o que aconteceu e se culpa, se rotula, se cobra, se pressiona.
O que é completamente plausível, visto que aprendeu a sentir vergonha por não ter dado conta de se defender quando ninguém mais podia.
Agora, você veste sua armadura e vai à luta. Sem oportunidade ou chance alguma para processar o luto pela morte de uma parte sua.
“Você tem que ser forte.”
“Um dia, às 3h da madrugada, será somente você com você. Pense nisso.”
“Suporta mais um pouquinho.”
Não, Juíza, não suportaremos nem mais uma ou duas semaninhas, horinhas, minutinhos ou segundinhos sequer.
A Juíza da qual me refiro, no caso, nem é a mulher em específico cuja qual cada feminista se colocou e postou a julgar. Pode ser o patriarcado, seu ex-marido ou namorado, o próprio empoderamento feminino, sua chefe, sua amiga, sua irmã ou sua mãe. A Juíza pode ser qualquer uma, inclusive aquela voz interna que insiste em te forçar a ser, ter, fazer e aceitar menos do que merece.
Acontece que existe algo que deve ocorrer quando já não somos mais crianças e sim mulheres adultas: a mãe boa precisa morrer.
A mãe boa é aquela que aponta tudo e todos como culpados e não nos deixa crescer e evoluir para nos responsabilizar, tomar o que é nosso e assumir nosso lugar no mundo. Ela está dentro de você neste exato momento. Criticando as pessoas e te fazendo esquecer do que realmente importa: você mesma, seus pontos de melhoria e o que você pode fazer diferente para ser uma mulher mais livre e feliz.
Aqui, eu gostaria de indicar dois conteúdos riquíssimos para você se aprofundar e refletir:
O conto “Vasalisa”, do livro Mulheres Que Correm Com Os Lobos, e a animação “Red - Crescer é uma Fera”, da Disney e Pixar.
Ambos, juntos, me devolveram parte da intuição e instintos de proteção e sobrevivência perdidos quando eu mesma, aos 13 anos, sofri um assédio no colégio.
O primeiro, a partir da percepção e clareza de que eu não podia mais me deixar abater ou definir e devia a mim mesma todo o perdão, amor e disciplina necessários para ser tudo o que desejo.
— Estas são as minhas últimas palavras, querida — disse a mãe. — Se você se perder ou precisar de ajuda, pergunte à boneca o que fazer. Você receberá ajuda. Guarde sempre a boneca. Não fale a ninguém sobre ela. Dê-lhe de comer quando ela estiver com fome. Essa é a minha promessa de mãe para você, minha bênção, querida. — E, com essas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma, e saiu correndo pelo lábios; e a mãe morreu.
O segundo, pela confirmação de que quando estudamos e entendemos as histórias e motivações das mulheres de nossa família é que damos a nós mesmas [e também a elas e nossas filhas, sobrinhas e outras] a permissão para quebrar paradigmas e correntes.
Algumas lições que tirei do filme:
Muitas vezes, as mulheres que vieram antes de nós em nossas famílias não se sentiram validadas para fazer nada disso, e repassaram essa reprovação de geração em geração. Mas, como dito anteriormente, nós podemos quebrar esse ciclo, nos libertar e assim libertar toda a linhagem de mulheres que virá depois.
Minha mãe e avó também passaram por poucas e boas nas mãos de meu avô, por exemplo. Foi só quando olhei para isso com amorosidade e firmeza que pude ser livre e feliz.
Antes, como eu poderia? Minhas ancestrais e origem não puderam!
Na minha cabeça [e talvez na sua também acerca de suas próprias ancestrais], seria como se eu estivesse me colocando acima e, portanto, mais merecedora do que elas jamais foram.
Eu estaria as traindo. Um grande ato de desrespeito e desonra. A ovelha negra da família.
Assim, já não mais pertenceria ou teria espaço em seus corações. Tive que ressignificar muitas coisas até passar a mentalizar que, muito pelo contrário.
Na real, honrar cada uma delas era, justamente, pegar a vida que me deram e vivenciar ao máximo tudo o que não tiveram a possibilidade de viver.
Ser a melhor mulher possível e desejável.
Um pouquinho de cada vez.
Com liberdade e felicidade.
Agora e sempre.
E você?! Quais amarras e prisões, familiares ou sociais, não mais suportará daqui em diante?
Isabela D. Allan
Sou escritora, coach e terapeuta. Uma mulher que veio ao mundo com a missão de viver a própria vida e criar a própria realidade. Através da própria verdade e liberdade. Assim, tornar livres todas as pessoas a minha volta.
Não nasci para ser comum nem me encaixar. Nasci para questionar e provocar.
Encontrei na escrita uma maneira de organizar meus pensamentos, aquietar meu coração e conhecer a mim mesma.
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Que lindo texto, Isabela D. Allan 😍 Sensível e forte ao mesmo tempo. Inspirador. Parabéns!
Gestora- Fabrício Car Oficina Mecânica LTDA
2yÓtima leitura Isabela D. Allan A criança (menina) sofreu várias violações dos direitos. Por falta de pessoas preparadas para o acolhimento e tratamento. E enquanto não focarmos em medidas e soluções para mudar essa realidade infelizmente casos como esse vão continuar se repetindo... Que possamos desenvolver projetos com soluções! E que essa criança possa ser tratada com todo acolhimento e tratamento de seus direitos. O olhar e ação precisão está voltados para que abusos contra criança e mulheres não façam mais parte de estatística.
Empreendedorismo | Desenvolvimento Humano | Relacionamento | Liderança
2yTexto maravilhoso Isabela D. Allan. Trouxe reflexão, honra, perdão e o olhar pra dentro, fazendo com que as mulheres se enxerguem e sejam protagonistas de suas vidas.
Marketing Agency
2yMuito boa leitura! temos muito que refletir sobre as amarras e os falsos legados, na verdade temos a obrigação disso...Parabéns por compartilhar!