A Nova Promessa Climática Brasileira: Ambição, Contradição e Riscos à Saúde

A Nova Promessa Climática Brasileira: Ambição, Contradição e Riscos à Saúde

André Medici

Introdução

A nova promessa climática do Brasil, lançada na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, conhecida como COP29, que ocorreu de 11 a 22 de novembro de 2024 em Baku, Azerbaijão, tem por objetivo reduzir dois terços das emissões de gases de efeito estufa até 2035, em comparação com os níveis de 2005.

Essa meta tornou o Brasil um dos primeiros países a apresentar sua contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês) antes do prazo de fevereiro de 2025, quando todos os países deverão apresentá-las. As NDC são atualizadas a cada cinco anos conforme determina o Acordo de Paris. Nelas, os países detalham como pretendem reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global.

O Brasil será anfitrião da próxima cúpula climática da ONU - a COP30 - em novembro de 2025, onde as NDC de todo o mundo serão avaliadas. A submissão do Brasil será amplamente fiscalizada por ser um dos dez maiores emissores mundiais de carbono, além de sua grande diversidade ecológica ao abrigar dezenas de milhares de espécies animais e vegetais e importantes nos biomas da Amazônia e do Cerrado.

Para implementar a nova NDC, o Brasil deverá atualizar seu plano climático nacional, onde são especificadas as estratégias nacionais de mitigação e adaptação climática. Essas estratégias serão divididas em 16 planos setoriais de adaptação e sete planos setoriais de mitigação, que deverão ser finalizados até meados de 2025.

A Proposta Brasileira e a Realidade

No que se refere à emissão de carbono, a nova NDC apresenta duas metas principais: uma meta “menos ambiciosa” de reduzir as emissões para 1,05 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) até 2035; e uma meta mais ambiciosa de reduzir as emissões para 0,85 GtCO2e até 2035. Essas metas representam, respectivamente, uma redução de 59% ou 67% das emissões em comparação aos níveis de 2005.

Vale lembrar que em 2016 o Brasil estabeleceu metas de redução de 37% até 2025 e 43% até 2030 (sempre em relação à 2005). Os dados revelam que em 2023 o Brasil alcançou uma redução de 35,4% - valor muito próximo ao da meta de 37% para 2025. Com base nisso, em setembro de 2023, o governo brasileiro anunciou a ampliação da meta de redução de emissões para 48% em 2025, firmando um compromisso mais ambicioso como resposta a mitigação das mudanças climáticas. Vamos esperar para ver se será cumprido. Os dados de 2024 poderão indicar se o país está no caminho certo.

O governo brasileiro tem utilizado eventos internacionais como a COP para reforçar seu compromisso climático e posicionar o país como líder ambiental. Promessas como a meta de “desmatamento zero” até 2030 e a restauração de terras degradadas têm sido amplamente divulgadas. No entanto, o descompasso entre o discurso ambiental e os indicadores ambientais brasileiros revela uma realidade preocupante.

Além dos dados de emissão de carbono, outros indicadores devem ser considerados. Dados recentes mostram que, apesar das promessas, alguns indicadores ambientais do Brasil pioraram entre 2023 e 2024 em relação a anos anteriores. A área desmatada na Amazônia, embora tenha mostrado uma leve queda em 2024, segue em patamares alarmantes. O Cerrado, outro bioma crucial, apresentou aumento significativo no desmatamento, atingindo níveis recordes em 2024. Especialistas alertam que o desmatamento no Cerrado é frequentemente negligenciado no discurso governamental, mesmo sendo essencial para a regulação hídrica e climática.

Além disso, as queimadas aumentaram em diversos biomas, agravadas pela fiscalização ambiental fragilizada e pela lentidão na implementação de políticas efetivas de controle. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que o número de focos de incêndio em 2023 superou o registrado nos anos anteriores e o de 2024 – antes do término do ano – foi ainda maior, contradizendo a narrativa oficial de preservação .

Organizações da sociedade civil e atores internacionais têm criticado a falta de clareza e ambição das metas brasileiras. A promessa de “desmatamento zero” até 2030, por exemplo, não aparece explícita na nova NDC, que apenas menciona o combate ao desmatamento ilegal. Isso deixa brechas que permitem a continuidade do desmatamento legal até 2035.

A amplitude das metas de redução da emissão de carbono (de 59% a 67%) cria dificuldades para a implementação e monitoramento. Além disso, a postura do Brasil em fóruns climáticos tem sido percebida como contraditória, especialmente diante do apoio a novos projetos de exploração de petróleo e gás, como os planejados na Margem Equatorial, que representam um risco adicional às metas climáticas.

O agronegócio, que responde por quase um quarto das emissões brasileiras, ainda enfrenta desafios para reduzir suas contribuições ao desmatamento e às emissões de metano. Embora o governo promova modelos de produção sustentável, a expansão agrícola segue em ritmo acelerado, muitas vezes sem controle adequado.

Na área energética, o Brasil apresenta uma matriz predominantemente limpa, com 89,1% de fontes renováveis, mas contradiz essa liderança ao fomentar a expansão dos combustíveis fósseis. O discurso governamental de uma transição justa não se reflete em ações robustas para eliminar subsídios ao setor de petróleo e gás.

A contradição entre o discurso do governo brasileiro e a realidade expõe o país a críticas e desconfiança de atores internacionais. Para que o Brasil assuma uma liderança legítima na COP30, prevista para 2025, será necessário mais do que promessas: é preciso demonstrar uma mudança concreta nos índices ambientais, com políticas eficazes de combate ao desmatamento, monitoramento rigoroso e transição energética verdadeira.

Como cumprir as novas metas climáticas?

A possibilidade de o governo Lula cumprir as novas metas climáticas depende de uma combinação de fatores, incluindo políticas públicas eficazes, compromisso político, financiamento adequado e colaboração com setores privados e sociedade civil. Isto enfrenta desafios significativos, tais como a continuidade da redução do desmatamento e das queimadas, planos setoriais de mitigação e adaptação previstos na nova NDC, como restauração florestal, expansão de energias renováveis e agricultura sustentável e financiamento Internacional, através de iniciativas como o Fundo Amazônia, que foi reativado e ampliado.

A implementação de políticas climáticas exige integração com setores como energia, transporte e indústria, o que demanda tempo e recursos substanciais. Além do mais, governos estaduais e municipais desempenham um papel crucial no combate ao desmatamento e na adaptação às mudanças climáticas, mas nem todos possuem a capacidade técnica e financeira para implementar políticas eficazes.

Organizações da sociedade civil, como o Observatório do Clima, acreditam que as metas são factíveis, porém afirmam que será necessário um compromisso mais acelerado para alinhar as políticas brasileiras ao limite de 1,5°C estabelecido no Acordo de Paris.

Créditos de Carbono

Embora os dados associados aos anos 2022 e 2023 não estejam disponíveis, se pode dizer que o Brasil tem aumentado sua participação no mercado de créditos de carbono, especialmente no segmento voluntário. Em 2021, o país foi responsável por 12% da oferta global de créditos de carbono, um crescimento em relação aos 10% registrados no ano anterior.

Estudos indicam que o Brasil possui um potencial significativo para expandir sua participação nesse mercado. Projeções sugerem que, até 2030, o país poderia atender entre 22,3% e 48,7% da demanda global por créditos de carbono, o que representaria um valor estimado de até US$ 120 bilhões, considerando um cenário otimista com o preço de US$ 100 por tonelada de CO₂.

Além disso, a recente aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil, estabelecendo o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), é um passo importante para consolidar e ampliar a participação brasileira nesse mercado.

Portanto, o Brasil tem demonstrado um crescimento na sua participação no mercado de créditos de carbono e possui potencial para expandi-la ainda mais nos próximos anos, especialmente com a implementação de um marco regulatório que promova a transparência e a eficiência nesse mercado. No entanto, dificuldades macroeconômicas se avizinham em 2025, podendo desestimular o capital externo a investir no Brasil em área inovadoras e dessa forma ameaçar a entrada de novos créditos de carbono..

Os Riscos à Saúde caso o Brasil não Cumpra as Metas Climáticas

Que riscos à saúde do brasileiro poderão se intensificar caso o Brasil não cumpra as metas climáticas estabelecidas? Abaixo citamos alguns

  1. Aumento de doenças infecciosas e tropicais: O aumento das temperaturas e eventos climáticos extremos, como chuvas intensas e enchentes, favorecem a proliferação do mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya. Em 2024 houve um recorde de aumento dos casos de dengue no Brasil, e o não cumprimento das metas climáticas pode intensificar esse cenário. No caso da malária, áreas antes não endêmicas podem ser afetadas, especialmente na Amazônia e no Cerrado.
  2. Problemas respiratórios: O aumento das emissões de gases poluentes, principalmente em áreas urbanas e industriais, pode causar doenças respiratórias, como asma, bronquite crônica e câncer de pulmão. A fumaça das queimadas, crescentes nos últimos dois anos na Amazônia e no Cerrado, eleva os riscos de doenças pulmonares e cardiovasculares, além de afetar crianças e idosos de forma mais severa.
  3. Agravamento das ondas de calor: O aumento da frequência e intensidade de ondas de calor pode levar a problemas como insolação, desidratação e até mortes. Idosos, crianças e pessoas com doenças crônicas estão mais vulneráveis. Altas temperaturas também aumentam a carga sobre o coração e os rins, agravando condições preexistentes.
  4. Insegurança alimentar e desnutrição: Eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e inundações, podem prejudicar a produção agrícola, causando escassez de alimentos e aumento de preços. Isso afeta principalmente populações mais pobres, elevando os níveis de desnutrição e insegurança alimentar. A perda de áreas naturais na Amazônia e no Cerrado impacta a biodiversidade e afeta ecossistemas que sustentam a produção de alimentos.
  5. Escassez de água e doenças hídricas: A diminuição da disponibilidade hídrica pode comprometer o abastecimento de água potável, afetando regiões como o Nordeste brasileiro. Analogamente, chuvas intensas podem sobrecarregar sistemas de saneamento, levando à contaminação da água por agentes como a bactéria Vibrio cholerae (causadora da cólera) e agravando a propagação de doenças como leptospirose e hepatite A.
  6. Impacto na saúde mental: A perda de moradias, familiares e bens materiais devido a secas, enchentes e deslizamentos de terra pode causar traumas psicológicos, aumentando os casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. Comunidades vulneráveis podem ser obrigadas a migrar devido às mudanças climáticas, criando populações deslocadas e aumentando os desafios de saúde pública.
  7. Surgimento de novas doenças: A destruição de ecossistemas e o contato humano com animais selvagens pode aumentar o risco de novas zoonoses, como ocorreu com pandemias recentes. O desmatamento descontrolado facilita o surgimento de vírus desconhecidos.

O não cumprimento das metas climáticas no Brasil não apenas prejudicará o meio ambiente, mas também trará consequências severas e diretas para a saúde pública, agravando problemas já existentes e criando novos desafios. Ações imediatas são necessárias para mitigar esses riscos e proteger a população brasileira, especialmente os mais vulneráveis.


Orlando Cândido dos Passos

Autor do livro: “Modelo-RSVA\LCA^AIS: Remuneração Sistêmica por Valor Agregado nas Linhas de Cuidados Assistenciais compondo Ações Integrais de Saúde” (ISBN: 978-65-00-58745-6_784pg^dig)

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Como subsídio, 1.Sabe-se que o Setor de Saúde tem o que há de melhor em RH^Proficientes Resolutivos Diretos - suficientes para atender as Demandas-LCA/IS^AIS* das Populações(gestante, pediátrica, adulta e quinta idade). *LCA/IS^AIS=Linhas de Cuidados Assistenciais(médica, enfermagem, multip direta e multip indireta) por Instituição de Saúde(pública, filantrópica, privada e mista) compondo Ações Integrais de Saúde. 2.Assim, tem-se o necessário e suficiente para se focar fortemente em soluções sistêmicas norteadoras das Posturas Decisórias Assertivas que podem assegurar a potencialização das sinergias determinantes da Eficiência Sistêmica neutralizadora das adversidades do âmbito interno e externo

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Alfredo Paoliello Martinho MD, ObGyn, 3/MBA

Sócio Fundador da INLAGS Academy INLAGS - Instituto Latino Americano de Gestão em Saúde

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Parabéns ao autor por apresentar uma análise tão abrangente e perspicaz sobre a nova promessa climática do Brasil e suas implicações. Sua capacidade de conectar metas ambientais com desafios práticos de saúde pública e socioeconômicos oferece uma visão valiosa que nos inspira a agir.

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