Tecnologia e saúde mental: como driblar o burnout dos médicos no Brasil
Nos últimos anos, a saúde mental tem emergido como uma prioridade global, com uma crescente conscientização sobre a necessidade de cuidados e serviços adequados. No Brasil, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que 5,8% da população, o equivalente a 11,7 milhões de pessoas, sofrem de depressão, tornando o país líder em casos na América Latina. A nível continental, o Brasil aparece atrás apenas dos Estados Unidos, onde, segundo a OMS, 5,9% da população sofre de transtornos de depressão.
Esse cenário complexo coloca uma pressão significativa sobre os profissionais de saúde, especialmente aqueles que atuam na linha de frente dos cuidados primários, os quais já têm uma grande carga de trabalho ao praticar medicina geral. Prova disso é um estudo realizado pela Universidade Federal de São Carlos (USFCAR), que acompanhou trabalhadores de saúde entre 2021 e 2022, e revelou que 86% dos entrevistados sofriam com burnout, enquanto 81% apresentavam níveis elevados de estresse.
Infelizmente, esses profissionais de cuidados primários, muitas vezes, não têm o que precisam para também lidar com o tratamento de problemas de saúde mental, enfrentando desafios como falta de treinamento e limitação de tempo e recursos. Isso porque, o estigma associado aos transtornos mentais, a diversidade de sintomas e a necessidade de abordagens individualizadas são fatores que impactam o trabalho dos médicos. Além disso, muitos pacientes relutam em buscar ajuda ou discutir seus problemas abertamente, o que também dificulta o diagnóstico e o tratamento.
Tecnologia e saúde mental: como usufruir dessa aliada indispensável
A boa notícia é que instituições e especialistas com visão de futuro estão encontrando soluções acionáveis para a crise de saúde mental, utilizando uma aliada indispensável: a tecnologia. Ferramentas digitais e plataformas de suporte à decisão clínica são facilitadoras para superar esses desafios, ao fornecerem acesso imediato a informações atualizadas e baseadas em evidências, o que permite que os médicos façam diagnósticos precisos e elaborem planos de tratamento eficazes, mesmo em situações de alta complexidade.
Uma vantagem ainda maior é a capacidade de usar algoritmos interativos para acelerar o processo de tomada de decisão. As soluções mais avançadas se integram com registros eletrônicos, fazendo com que os profissionais da saúde descubram rapidamente quais efeitos colaterais ou comorbidades devem estar cientes, sem ter que classificar e digerir uma série de informações para cada paciente. Essas ferramentas ainda garantem que toda a equipe clínica tenha referências consistentes para informações, simplificando a execução do plano de cuidados e reduzindo erros que prejudicam os resultados do paciente.
A efetividade dessas soluções já tem sido comprovada ao redor do mundo. Um estudo publicado pela National Library of Medicine, que envolveu 97 pessoas com doenças mentais graves que usaram um sistema de cuidados, revelou que os pacientes aumentaram as visitas de cuidados primários e melhoraram significativamente as metas de saúde física em relação ao colesterol, pressão arterial, triglicerídeos e IMC (Índice de Massa Corporal).
No Brasil, em que a demanda por serviços de saúde mental supera a oferta, essas ferramentas são especialmente valiosas. Elas permitem que médicos de diversas especialidades, incluindo aqueles em áreas rurais e com menos recursos, tenham acesso às mesmas informações que seus colegas em grandes centros urbanos. Isto contribui para uma abordagem mais equitativa e eficiente no tratamento de transtornos mentais.
Para se ter ideia, um levantamento feito pelo Instituto República.org com base em dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), mostra que existem apenas 19 psicólogos para cada 100 mil habitantes no SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil, enquanto em alguns países da Europa esse número de profissionais chega a ser superior a 40 para cada 100 mil habitantes.
À medida que continuamos a enfrentar desafios crescentes na saúde mental, é fundamental, portanto, aproveitar as inovações tecnológicas para oferecer cuidados melhores e mais eficientes aos pacientes.
A integração de tecnologia e saúde mental no cotidiano dos profissionais pode transformar a maneira como o assunto é abordado, proporcionando suporte essencial na tomada de decisões clínicas, ao mesmo tempo que facilitam a rotina dos médicos. Em um mundo em que a informação correta pode fazer toda a diferença, essas soluções se tornam não apenas úteis, mas indispensáveis.
Ariane Gagliardi, Gerente Comercial na Wolters Kluwer Health no Brasil.
Homem deve pagar R$ 14 mil à ex por vazamento de dados médicos em disputa de guarda
Um caso recente no Distrito Federal trouxe à tona questões importantes sobre a proteção de dados pessoais e o direito à privacidade no Brasil. Um homem foi condenado a pagar uma indenização de R$ 14 mil à sua ex-mulher após divulgar informações médicas sigilosas durante um processo de guarda de um filho. A decisão, mantida pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF, foi inicialmente proferida pelo 1º Juizado Especial da Fazenda Pública.
Durante o processo de guarda, o réu anexou documentos que continham dados sensíveis retirados do prontuário médico da autora. Estes documentos foram obtidos de um hospital público, sem que houvesse qualquer autorização prévia. A Justiça considerou que essa divulgação indevida de informações violou o direito à intimidade e à privacidade da autora, configurando um vazamento de dados pessoais, o que motivou a condenação por danos morais.
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O caso levanta debates significativos sobre o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que prevê diretrizes rígidas para o tratamento e compartilhamento de dados pessoais e sensíveis, especialmente no âmbito judicial. De acordo com a LGPD, é imprescindível que o tratamento de dados sensíveis, como os de saúde, seja realizado com base em consentimento expresso, salvo exceções bem delimitadas na lei, como em casos de proteção da vida ou tutela da saúde.
A decisão também reafirma a responsabilidade dos órgãos públicos em relação à proteção de dados pessoais que estão sob sua guarda, uma vez que foram os próprios servidores do hospital que forneceram os documentos sem autorização adequada. Segundo a Justiça, tanto o réu quanto a instituição pública falharam em seguir as medidas de segurança e boas práticas necessárias para evitar o vazamento de dados sensíveis, reforçando a necessidade de maior cuidado e conscientização sobre a LGPD.
Este caso é um exemplo claro de como a legislação brasileira está sendo aplicada na prática para proteger os direitos dos indivíduos e assegurar um ambiente jurídico mais seguro e ético em relação ao tratamento de informações pessoais. A decisão também sinaliza um alerta para advogados e partes envolvidas em litígios, uma vez que o uso de dados pessoais como prova deve ser feito com rigorosos critérios de legalidade e proporcionalidade.
O assunto ainda pode ter desdobramentos mais amplos, já que é possível que novas ações sejam movidas para investigar a conduta do hospital envolvido, bem como de outros profissionais que possam ter contribuído para o vazamento dos dados. A condenação é um marco no reforço à aplicação da LGPD e ilustra a importância de adotar medidas preventivas para proteger dados sensíveis, principalmente em disputas judiciais.
Fernanda Araújo Couto e Melo Nogueira: Advogada formada pela Universidade Fumec, Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Lisboa, Portugal, especialista em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pela EXIN e em Contratos pela FGV, MBA em Gestão Estratégica de Negócios na Fumec.
Tecnologias e transformação do atendimento foram os grandes temas da CONAHP 2024
O CONAHP 2024 se destacou mais uma vez como um dos eventos essenciais para a compreensão das novas direções do setor de saúde. Com discussões centradas no futuro do atendimento e do cuidado, o evento colocou em foco as tecnologias mais avançadas que já estão sendo implementadas para melhorar o sistema de saúde brasileiro – com ênfase na inteligência artificial (IA) e na interoperabilidade. O impacto dessas inovações, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na saúde suplementar, foi um dos temas mais debatidos pelos especialistas presentes.
Um dos momentos de maior relevância do CONAHP foi a palestra “Saúde Suplementar: Desafios da inovação do setor e transformação digital”, que contou com a participação de nomes como Ana Estela Haddad, Paulo Nigro e Denise Santos. Os palestrantes abordaram o caso da Cleveland Clinic, que evidenciou a importância da conexão de dados entre diferentes unidades e sistemas de saúde. Essa análise reforçou a necessidade premente de compartilhar informações de saúde, um dos desafios mais significativos para a melhoria do atendimento ao paciente no Brasil e no mundo.
Durante a apresentação, Paulo Nigro, ex-CEO do Hospital Sírio-Libanês, levantou uma questão pertinente: “As pessoas têm suas informações de saúde ao alcance da mão? Têm acesso ao seu histórico clínico digital?” Essa provocação suscitou o debate sobre as dificuldades enfrentadas na saúde suplementar, onde os pacientes não conseguem visualizar ou gerenciar de forma eficiente seus dados ao longo da jornada do cuidado.
A secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad, complementou a discussão questionando o público sobre o uso do Meu SUS Digital, ferramenta do governo que permite aos cidadãos acessarem suas informações clínicas. Ela destacou que, apesar de vacinas, medicamentos e procedimentos já estarem disponíveis no sistema, ainda falta uma integração mais abrangente entre os dados da saúde pública e da saúde suplementar. “A ideia é que todos tenham um histórico clínico completo por meio do Meu SUS Digital, mas ainda precisamos avançar na interoperabilidade para incluir dados da saúde suplementar”, afirmou.
No Brasil, já se adota o International Patient Summary (IPS), um padrão global que permite o compartilhamento de dados de saúde entre países de forma segura e eficiente. Esse modelo facilita que os pacientes possam acessar e compartilhar seus dados clínicos em outras regiões do mundo, garantindo continuidade no atendimento, seja em território nacional ou internacional. A integração de sistemas de saúde, com base no IPS, está em constante evolução, inserindo o país no cenário global de interoperabilidade e cuidado médico conectado.
A palestra destacou, ainda, o papel crucial da cooperação entre empresas privadas e órgãos governamentais, como o Ministério da Saúde e a Secretaria de Transformação Digital. O fortalecimento desse ambiente colaborativo é fundamental para promover o avanço no uso de tecnologias como a inteligência artificial e a interoperabilidade, que têm o potencial de transformar a saúde no Brasil e no mundo.
Como ressaltou Ana Estela Haddad, “estamos vivendo o momento ideal para aproveitarmos as oportunidades de inovação na saúde”. O CONAHP 2024, com sua atmosfera provocativa e inspiradora, reafirmou a mensagem de que a transformação digital não é apenas necessária, é inevitável, e cabe às lideranças do setor estarem à frente dessas mudanças, conduzindo a um sistema de saúde de mais qualidade, sustentável e equitativo.
Teresa Sacchetta, Diretora de Saúde na InterSystems.