Você também gosta de gritar É A P.... DO BRASIL!?

Você também gosta de gritar É A P.... DO BRASIL!?

Você gosta? Conheço gente que não gosta. E nem precisa ir muito longe.

Quando o Renato Russo perguntou aos brasileiros Que País é Esse (há 40 anos), talvez ele esperasse mais uma reflexão do que uma resposta.

Muito menos ESSA resposta.

QUE PAÍS É ESSE? Claro, fácil: É A P.... DO BRASIL!

Feedback que podia muito bem ter vindo numa versão mais light, tipo: É A MERDA DO BRASIL...

Uma porcaria do mesmo jeito

Li numa reportagem que o autor da canção se incomodava com aquele corinho que começou a surgir nos shows da Legião Urbana.

Um coro cada vez mais forte, que ganhou cada vez mais vozes.

De centenas para milhares, de milhares para milhões de pessoas cantando, gritando, berrando juntas: É A P.... DO BRASIL!

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Que eu saiba, o líder da banda nunca chegou a bater de frente com a multidão – pelo menos não por causa disso. Mas, idealista e sensível do jeito que era, é provável que ele tenha ficado bem chateado, triste até.

Generalizar devia ser proibido

Certa vez, comprei um milho cozido com um senhor na faixa dos 60 anos, dono de uma carrocinha de rua. Fiquei comendo o milho ali mesmo, enquanto ele conversava com três estudantes de ginásio sobre algum crime escabroso cometido por políticos.

Não sei por quê, comentei.

– É o Brasil...

Eu jamais, em tempo algum havia dito isso na minha vida. Merecidamente, fui repreendido pelo vendedor.

– Por favor, você não fale uma coisa dessas. Principalmente na frente dos mais jovens.

Surpresa geral e a atenção de todos voltada para ele.

– Isso aí não é o Brasil.
Isso aí não representa os meus avós, não representa os meus pais.
Isso aí não me representa.
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Sacudi a cabeça afirmativamente, resignado com a mancada, e ele concluiu.

– Essa podridão toda aí representa uma minoria, um bando de safados ordinários, uns espertalhões preguiçosos, covardes e sem caráter. Não representa todo mundo!

“O Brasil ainda tá cheio de gente boa, honesta e trabalhadora. É isso o que eu tento passar pros meus filhos e pros meus netos.”

Vivendo e aprendendo em tempo real

O diálogo acima aconteceu há uns 15 anos, numa esquina do Jardim Botânico, bairro onde eu trabalhava na época.

De lá para cá, por motivos diversos, parece que aquela “minoria” se alastrou de uma forma terrível, num efeito cascata ou coisa parecida. Mas acredito que ela ainda não represente a maioria da nossa população.

Por isso, especialmente, me incomoda ouvir legiões de espectadores urrando É A P.... DO BRASIL! em apresentações do Capital Inicial e dos Paralamas do Sucesso, duas das bandas que anexaram Que País é Esse ao seu repertório.

No vídeo, percebemos que Herbert Vianna fica meio na dele, parece apenas observar a reação do público, sem interagir com os xingamentos. Já outros vocalistas costumam ficar eufóricos com o frisson gerado por pergunta e resposta, sem se importar com o conteúdo.

Mas esta é uma cena frequente, também, em manifestações políticas. E até no Carnaval eu já vi e ouvi: Que País é Esse?!

É o que a gente já sabe...

Um convite para jogar a toalha

Com certeza o significado dessa p.... toda é vasto e complexo, nos convida a uma análise mais aprofundada, feita por especialistas em comportamento humano. Mas, mesmo com o nosso olhar amador, não dá para negar que existe um quê de derrota ali.

Afinal, o que pensar quando dezenas (ou centenas) de milhares de pessoas “admitem”, juntas, que o seu país é uma bosta?!

E aí nós podemos pensar ainda mais alto: que tipo de sentimento fica impregnado nos corações & mentes mais jovens? O que as crianças e adolescentes que participam desses rituais estão levando para o futuro? 

E tem mais: será que essa conduta coletiva não funciona como um incentivo às quadrilhas que atuam nos podres poderes nacionais? Uma espécie de salvo-conduto para que continuem a roubar, bem na nossa cara, locupletando-se à vontade!?

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Talvez a pergunta possa até ser mais direta: por que os bandidos oficiais não praticariam tais crimes, se isso aqui “é uma merda mesmo”, se isso aqui É A P.... DO BRASIL!?

Ou será que não é?

Para sermos justos, o aspecto catarse também precisaria ser levado em consideração. Como um descarrego geral ou tribal, de tudo de ruim que temos no país, estampado diariamente no noticiário e em nossas rotinas.

Mas, me soa como uma catarse meio inócua. Talvez, no fundo, individualista.

Algo bem distante do que seria o Espírito de Tribo ou o Espírito de Nação, onde a vida é (deveria ser) regida pela máxima mosqueteira: Um Por Todos, Todos Por Um.

Diante do que temos visto por aí, fica a impressão de que “quase todo mundo no Brasil” já meio que ligou o phoda-se. E, nesse contexto, a resposta da massa fica parecendo uma catarse meio tola, “inútil”...

Mas aí a canção já seria outra. Seria hora da galera cantar a plenos pulmões: “a gente não sabemos tomar conta da gente/a gente não sabemos escolher presidente”, etc.

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Bem, de volta ao “hino” composto por Renato Russo quando ele tinha apenas 18 anos. Versos de um rapaz inconformado, que vêm sendo repetidos já por sucessivas gerações de brasileiros – não se sabe até quando...

Se por acaso um dia eu me visse no meio de alguma plateia, diante da qual estivesse sendo tocada a canção, O QUE EU FARIA?

No refrão, na hora de responder à pergunta, seguindo a métrica da frase melódica que “o povo” acrescentou à música original, eu iria cantar, gritar, berrar, urrar com todas as minhas forças:

É O BRASIL QUE VAI MUDAR!
QUE PAÍS É ESSE???
É O BRASIL QUE VAI MUDAR!
.
E você?
O que você faria?
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Só mais um detalhe

Mesmo com sua inegável potência, talhada para o sucesso, Que País é Esse (sem o ponto de interrogação no título) só foi aparecer no terceiro disco da Legião Urbana, em 1987, quase nove anos depois de seu nascimento.

Houve quem estranhasse e perguntasse ao Renato: por que ela não entrou nos discos anteriores? A resposta do “trovador solitário” soou quase cândida:

Que País é Esse nunca foi gravada porque sempre havia a esperança de que algo iria realmente mudar no país, tornando a canção totalmente obsoleta.

Palavras de um sonhador... muitos poderiam dizer.

Mas nessas palavras está contida, também, a esperança de milhões de brasileiros que ainda não jogaram a toalha. E que talvez só desistam quando não estiverem mais no planeta.

Outros países, que já foram sombrios e vergonhosos em outros tempos, conseguiram evoluir significativamente. Em certo sentido, aquelas sociedades se tornaram modelos civilizatórios. Então, uma pergunta final: por que isso não pode acontecer aqui também??!!!

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Rogério Imbuzeiro

Revisor e Redator Final de Textos para empresas e profissionais autônomos  sites, blogs, ebooks, artigos e outras publicações. Editor de Conteúdo. Jornalista.

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