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Por Tiago Bontempo

Arquivo pessoal

Lucas Severino, mais conhecido apenas como Lucas, teve uma carreira como poucos no futebol, tornando-se ídolo em quatro clubes diferentes: no Botafogo de Ribeirão Preto, time da sua cidade natal e da sua família, no qual foi artilheiro na campanha do acesso na Série C em 1996; no Athletico-PR, onde marcou o gol inaugural da antiga Arena da Baixada em 1999; no FC Tokyo, que defendeu por sete temporadas e se tornou o maior goleador da história do clube; e no Gamba Osaka, onde foi artilheiro da equipe e autor do gol do título da Liga dos Campeões da Ásia 2008. Lucas conversou com exclusividade com o Hinomaru/Futebol no Japão, revelando detalhes de sua carreira, especialmente no futebol japonês. Confira a entrevista completa no vídeo abaixo e, em seguida, um resumo dos principais tópicos abordados:

Início de carreira meteórico no Brasil e trauma com gol de ouro nas Olimpíadas de Sydney-2000

Nascido em 1979, Lucas ficou uma década no Botafogo-SP, dos 9 aos 19 anos. “As pessoas acham que eu sou oriundo da base do Athletico, porque eu fui muito jovem para lá. Mas eu sou de Ribeirão Preto. Comecei no Botafogo, estreei com 16 anos no profissional. Fui convocado para a seleção brasileira de base jogando no Botafogo. Tive toda a minha base e a minha formação como homem lá”, contou Lucas, que entrou para a história do time do interior de São Paulo com apenas 17 anos, como artilheiro e herói do acesso para a Série B em 1996. No Athletico Paranaense continuou a fazer gols, passou a ter projeção nacional, foi convocado para as Olimpíadas de Sydney-2000 e se tornou uma das maiores vendas da história do futebol brasileiro para o exterior ao se transferir para o Rennes, da França, por 21 milhões de euros.

“Talvez eu tenha atingido tudo que qualquer jogador quando inicia quer, que é jogar em clubes grandes, jogar na Europa, jogar na seleção brasileira... No meu caso, não consegui disputar uma Copa do Mundo, mas disputei uma Olimpíada, em uma geração que tinha Ronaldinho Gaúcho e Alex”, ponderou Lucas.

Curiosamente, nessa Olimpíada Lucas enfrentou o Japão, que tinha a chamada “geração de ouro” com Hidetoshi Nakata, Shunsuke Nakamura e Junichi Inamoto (Shinji Ono, lesionado, ficou de fora). Um jogo válido pela terceira rodada da fase de grupos em que o Japão já estava classificado, mas o Brasil não. Com a vitória brasileira por 1x0, gol de Alex, as duas seleções avançaram para as quartas de final. “Foi um jogo muito difícil, um jogo importantíssimo para nós, porque se a gente perdesse a gente estaria fora da Olimpíada”, recordou Lucas, que entrou no segundo tempo para substituir ninguém menos que Ronaldinho Gaúcho (veja os melhores momentos na transmissão da tevê do Brasil e do Japão).

“Eu não sabia que quatro anos depois eu estaria jogando contra alguns desses. Inclusive o Nakata Koji, volante de muita referência lá no Kashima Antlers, ele se lembra que eu machuquei ele nesse jogo (risos). A gente se encontrou lá no Japão em uma oportunidade, passou um tempo, eu já falava bem o japonês. Eu não lembrava o lance. Eu dei um carrinho nele e eu machuquei ele na Olimpíada”, lembrou bem-humorado o atacante, que afirma ter mudado sua visão do futebol japonês depois dessa partida.

“Eu me recordava do Japão como aquele campeonato do Zico lá atrás, contratando os jogadores veteranos mais para promover a liga do que os atletas japoneses terem tanta técnica e tanto talento. E quando eu me deparo com aquilo ali, uma seleção que tinha muita técnica, muita disciplina, não só eu, mas eu tenho certeza que todo mundo olhou com outro olho. ‘Opa, esses caras sabem jogar futebol.’ Uma seleção que nos deu muito trabalho, inclusive quase nos tirou da Olimpíada. E depois de quatro anos eu acho que até facilitou minha ida para lá, porque falei: ‘Não, eu vou jogar com caras bons.’

Foi também nessa Olimpíada que Lucas sofreu a derrota que afirma ter sido a mais marcante da carreira, a eliminação para Camarões no gol de ouro. “Não tem nada comparável, perder da maneira que nós perdemos para Camarões. A gente em 11, eles em nove. Aquele gol de ouro, que até tiraram [da regra]. Porque isso é uma calamidade que fizeram. Você perder o jogo por um lance e não ter a oportunidade de tentar empatar em uma prorrogação. Nós perdemos daquela maneira triste, então essa é minha pior derrota”, lamentou.

Lucas (o primeiro à esquerda) na seleção olímpica: a maior alegria e a maior tristeza na carreira do atacante — Foto: Reuters

Revivendo a carreira no Japão como herdeiro do ‘Rei de Tóquio’

Na França, as coisas não correram tão bem quanto Lucas imaginava e a pressão por ter sido criada uma expectativa tão grande em cima dele acabou atrapalhando. “Eu tive esse momento mágico no Brasil. Saí em 2000 como terceiro maior artilheiro, eu tinha 22 gols, eu estava abaixo somente de Romário de Ronaldinho Gaúcho. Eu tinha na mesa vários clubes europeus. Eram muitas propostas e essa do Rennes, não que eu não valesse, acho que naquele momento eu valia porque eu estava muito bem, mas acabou me atrapalhando porque a pressão foi enorme. Foi uma coisa fora do comum. Não sendo crítico, mas a imprensa francesa já tem um quê de contra brasileiro. E o apoio do torcedor é muito pequeno pelo que deveria ser quando se trata de brasileiro. Não que eles não gostem da gente. Mas vou dar um exemplo simples: Neymar e Mbappé no Paris Saint-Germain recentemente. E eu estou falando de dois caras da prateleira maior do futebol. Então você via a diferença que é o tratamento tanto de imprensa quanto de torcedor. E eu não tinha naquela época staff para me defender, não tinha assessor de imprensa. Eu tive facilidade inclusive para poder falar o francês e expor o que eu queria na língua deles. Isso era bom e ruim, porque eles entendiam muito bem o que eu estava falando. E isso foi me minando ao ponto de eu vir para o Brasil, coisa que eu não queria. O meu sonho era performar na Europa, sair do Rennes e ir para um clube maior. Acabei voltando para o Brasil e no Brasil as coisas não andaram”, explicou Lucas.

Emprestado para o Cruzeiro em 2002 e para o Corinthians em 2003, Lucas jogou pouco e ainda sofreu com uma lesão. “Quando eu volto para o Rennes, o meu empresário fala: ‘Olha, o seu mercado está meio que se limitando. Eu tenho uma proposta do Japão.’ Isso já era agosto, setembro [de 2003], que eles começaram a conversar comigo. O Tokyo tem uma pessoa lá que se chama Amaral, que é como o Fenerbahçe com o Alex... Era Amaral e Deus”, resumiu. Amaral era simplesmente o maior ídolo da história do FC Tokyo, chamado de “Rei de Tóquio”. O centroavante brasileiro estava no clube desde 1992, ainda na era amadora, e jogou sete temporadas pelo então Tokyo Gas e mais cinco na J.League após a transição para o profissional.

“O Amaral já estava com 37 anos, então eles queriam fazer uma mudança, mas com um atleta que fosse impactante. E eu no momento em que precisava recuperar minha imagem positiva”, esclareceu. Lucas então foi conversar com dois brasileiros que estavam no FC Tokyo que ele conhecia bem: o atacante Kelly, que foi seu companheiro de Athletico, e o zagueiro Jean, que jogou junto com ele na seleção. “A minha pergunta foi: ‘Cara, como é a liga?’ Porque financeiramente era melhor que na França. Os planos a princípio eram performar no Japão, em três anos ir embora e tentar sonhar novamente com seleção. Mas quando você chega em um país como aquele é difícil você não se apaixonar.”

Lucas na primeira passagem pelo FC Tokyo, de 2004 a 2007 — Foto: Amazon.jp

Adaptação difícil, título no primeiro ano em Tóquio e quebrando o trauma do gol de ouro

O início no FC Tokyo foi mais duro que o esperado, com apenas um gol nas dez primeiras rodadas da J1. “Meus primeiros seis meses foram muito difíceis, de vontade de vir embora. Eu falava para o meu empresário: ‘Não vai dar, cara. Eu não consigo.’ E não tinha pressão nenhuma, viu? A torcida era só apoio. O Amaral indo lá, explicando, me ajudando. A gente não tinha características parecidas. O Amaral sempre foi um cara brigador. Apesar de eu ser alto, eu sempre gostei muito de sair da área. E isso incomodava um pouco o [Hiromi] Hara, o treinador, porque ele queria uma peça parecida com o Amaral. Mas também na hora que começou a engatar foi muito bom. Comecei a fazer gol direto, dar assistência direto”, empolgou-se.

Já no primeiro ano Lucas viveu um momento épico, a conquista do primeiro título da história do FC Tokyo, a Copa da Liga. O brasileiro teve participação decisiva marcando três gols na semifinal, no dérbi contra o Tokyo Verdy, e converteu um dos pênaltis na grande decisão em mais um clássico, contra o Urawa Reds. “Naquele jogo contra o Verdy eu consegui tirar o trauma do gol de ouro, porque eu faço o gol de ouro [na prorrogação]. E contra o Urawa foi o meu maior público. E olha que eu tinha jogado já em Maracanã, Morumbi, Beira-Rio... Mas o estádio daquele jeito eu nunca tinha pego. Bateu lotação completa. O Urawa tem uma torcida apaixonadíssima e o Tokyo também. Foi uma final que a gente sabia que poderia ser uma loucura, porque o time deles era muito melhor que o nosso. Eu acredito muito em Deus, então acho que era para ser a gente. Porque levamos para o pênalti. Eu não sei o scouting, mas se eles não chutaram 30 bolas no gol... Foi um bombardeio. Mas a bola não entrou. E aí nos pênaltis a gente estava talvez mais confiante porque ali sim a gente viu que poderia ganhar.”

Bandeira em homenagem a Lucas está no Ajinomoto Stadium até hoje — Foto: hinchada-tokyo-12.blog.ss-blog.jp

Aprender o idioma: fundamental na adaptação

Um dos motivos para as dificuldades que Lucas teve nos primeiros meses no Japão foi a barreira do idioma. “Eu tenho um amigo, que é meu amigo até hoje, o [Kazunori] Iino-san, que é o intérprete do Tokyo. Eu falo que ele é presidente, porque o cara que está há mais de 20 anos no clube não pode ser só intérprete. Ele é um cara fantástico. E aí eu comecei a perguntar para ele o que eu tinha que fazer para me adaptar. E ele me falou: ‘Se eu sou você, começo a ir com eles almoçar, jantar, no começo eu vou com você, não fica só com brasileiro’. Comecei a sair bastante com japonês. Todo mundo: ‘Ah, você fala fluente?’ Não, é de ouvido”, explicava.

“Eu precisava passar os meus sentimentos. E tanto é que fui capitão tanto no Tokyo quanto no Gamba porque eu conseguia expressar meus sentimentos. Se você falar para mim, vamos dialogar aqui, óbvio que eu tenho muitos erros que são feios, eu não falo perfeitamente o japonês, mas eu conseguia e consigo toda vez que vou lá dialogar e passar meus sentimentos, isso é o mais importante”, continuou. “O conselho que eu dou para todo jogador que vai [para o Japão] é isso. ‘Cara, tente aprender um pouco da cultura. Não seja só um alienado ali para jogar futebol, para ganhar um dinheiro legal. Aprenda porque vai ser bom para a sua vida também.’ É um idioma difícil, até pelos ideogramas. Tem muitas particularidades. Mas eu me dou bem com o idioma e consigo falar”, completou.

A motivação para ficar a maior parte da carreira no Japão

O plano inicial era ficar no Japão por três anos. Lucas ficou dez. “Lógico que são vários aspectos. Primeiro a felicidade da família. Financeiramente, a tranquilidade, a segurança do país... E tem um aspecto muito importante. Em todos os momentos eles falavam que o Japão estava crescendo e eu estava ajudando nesse crescimento. Então isso te motivava. Você vê que estava ali também para ajudar”, justificou Lucas. “No começo, em 2004, acho que tinha três, quatro jogadores japoneses fora do país, sendo que somente dois eram realmente orgânicos, o Nakamura Shunsuke e o Nakata. Quando eu saio em 2013 são centenas, com jogadores fazendo sucesso na Europa em clubes grandes. Teve um momento com o Honda no Milan, o Nagatomo na Inter e o Kagawa sendo disputado por vários clubes e indo para a Premier League.”

“Isso era um dos motivos que lá atrás estava me motivando. ‘Poxa, tô ajudando.’ E não só eu. Juninho, do Frontale... Jogadores desconhecidos no Brasil. Acaba que eu viro um desconhecido também. Tem vários outros jogadores que ficaram décadas lá no Japão e eu tenho certeza que contribuíram para aquele crescimento. Porque eles param de fazer aquelas contratações bombásticas em troco de mídia e de patrocínios. O França também ficou uma pancada lá, o Robson Ponte... Eram jogadores extraordinários que ajudaram a contribuir com o crescimento desses outros [jogadores]. ‘Poxa, aqui é uma liga legal, gostosa... Público fantástico, os campos maravilhosos para jogar...’ Aí eu complemento com o extracampo. É um país extraordinário para viver”, opinou.

Painel em homenagem a Lucas na estação Tobitakyu, próxima ao Ajinomoto Stadium, em Tóquio — Foto: Tiago Bontempo

Gamba Osaka: Em busca de títulos

Apesar do sucesso no FC Tokyo, faltava algo importante. O time não conseguia disputar o título da J.League e ficava sempre no meio da tabela, mais perto até do rebaixamento do que do líder. Em 2006, Lucas renovou seu contrato por mais dois anos e cobrou ativamente por reforços. A diretoria então trouxe duas estrelas para a temporada 2007: Paulo Wanchope, craque da seleção da Costa Rica (que fez até gol contra o Brasil na Copa de 2002), e Takashi Fukunishi, volante da seleção japonesa e ídolo do Júbilo Iwata. O elenco ainda tinha nomes de quem se esperava muito como o atacante Sota Hirayama e o meia Naohiro Ishikawa. Mas esse FC Tokyo não deu liga e ficou em um decepcionante 12º lugar na J.League.

Outros clubes, então, começaram a ir atrás de Lucas. “Tive uma conversa com o Urawa, tive uma conversa com o Marinos e na verdade a melhor proposta, nem financeira, mas proposta de jogo que eu achei que ia me encaixar, e não estava errado, era no Gamba, com um estilo de toque de bola... O meio de campo era sensacional. Myojin, Futagawa, Endo... Era mágico”, afirmou Lucas.

“Eu fiz a troca e todo mundo entendeu. Eu não saí com nenhuma mancha. Sempre deixei explícito que eu tinha saído porque eu era um cara muito competitivo. Eu só saí do FC Tokyo para ganhar títulos. E aconteceu. Foi uma decisão totalmente racional. Porque se fosse de coração eu acho que estaria no Tokyo até hoje, aquele lugar é sensacional.”

De fato, Lucas passou três anos sempre disputando títulos no Gamba Osaka. E ganhou duas Copas do Imperador, uma Copa Pan-Pacífico (que ele faz questão de citar) e a inédita Liga dos Campeões da Ásia, um dos títulos mais importantes da história do clube, em que ele foi decisivo na final com três gols e uma assistência nos 5x0 do placar agregado contra o australiano Adelaide United.

Momento de glória no Gamba Osaka com a conquista inédita da AFC Champions League em 2008 — Foto: DAZN

“A gente jogou muito bem o primeiro jogo, muito bem. Estádio lotado. Eu consegui fazer um gol de esquerda ali, se vocês forem olhando, eu estou levando para a minha esquerda porque eu não conseguia chutar de direita, de chapa, tinha que dar um jeito. A gente ganhando de 3x0 em casa, lá em Adelaide foi muito tranquilo. Aquela final que você fala: ‘Nosso time é melhor que os caras. Se a gente jogar normal, não levar gol...’ E aí eu faço os dois gols. Eu entro na história do clube. E o Mundial foi a cereja do bolo. Apesar de a gente ter feito um jogo contra o Manchester [United] que em determinado momento estava 5x1 e eu acredito que eles tenham tirado um pouco o pé. Mas um jogo que é 5x3, a gente conseguiu fazer a alegria do torcedor japonês. E a nossa final mesmo foi contra o Pachuca. Ali sim a gente deu a vida. Eu lembro que eu falei para eles na preleção: ‘Olha, a gente vai entrar para a história. É importante para o clube.’ E o pessoal deu a vida. Todo mundo ficou muito feliz com aquela conquista do terceiro lugar no Mundial.”

Em Osaka, Lucas conheceu torcedores de um perfil diferente que ele estava acostumado em Tóquio. “O pessoal de lá é um pouco mais bravo. Lá em Osaka eu ouvia vaias. [No Tokyo] Eu perdi clássico de 7x0 acho que para o Frontale, dei a volta no campo... Lógico que tinha gente triste, mas tinha gente aplaudindo. No Gamba, toda vez que a gente empatava, era gente vaiando e vaiando feio. E jogando coisa. É um povo que tem uma energia maior. E a rivalidade é um pouco mais pesada. Apesar de que o Gamba estava em um momento melhor. O Cerezo tinha caído para a segunda divisão, mas eles tinham uma geração de ouro, com o Kagawa, enfim, eles tinham uns moleques que iam se destacando e depois até tiveram um sucesso europeu. Mas era uma rivalidade mais pesada, inclusive de torcedores. Vou ser sincero para você, eu nunca tinha visto briga [no Japão]. E a torcida do Gamba sempre tinha uma briga ou outra. Teve uma briga com o Urawa muito feia. Teve até problemas para o clube de multa. Mas nada se compara ao Brasil, nada, nada, nada.”

“Tive momentos mágicos no Gamba. Esse time era muito gostoso de jogar. Depois vieram grandes nomes. O Usami que está jogando até hoje... Inclusive se você pegar os primeiros gols dele, a maioria é eu dando assistência para ele. Eu brinco com ele, esse menino eu vi nascer. E vi várias coisas muito bacanas no Gamba. Era um clube que tinha mais ambições de títulos.”

O Gamba Osaka no Mundial de Clubes 2008 - Em pé: Satoshi Yamaguchi (atual técnico do Shonan Bellmare), Yosuke Fujigaya, Akira Kaji, Sota Nakazawa, Lucas, Hideo Hashimoto; agachados: Ryuji Bando, Yasuhito Endo (atual assistente técnico no Gamba Osaka), Michihiro Yasuda, Tomokazu Myojin e Masato Yamazaki — Foto: Tomikoshi Photography

Lucas desiste de aposentadoria no Athletico e volta para ‘última dança’ no FC Tokyo

Depois de sete anos de Japão, Lucas retorna ao Brasil em 2011 para defender o Athletico Paranaense mais uma vez. “Eu e a minha esposa, a gente estava meio que cansado. A gente queria viver um pouquinho mais no Brasil. A gente queria curtir o Brasil como a gente não tinha curtido”, justificou. “Mas em Curitiba tinha dado tudo errado. Eu vinha de outra realidade. Japão, tudo organizado... E em quatro meses aqui eu tive quatro treinadores. Cheguei no presidente e falei: ‘Olha, eu vou parar sem ter nenhum tipo de mancha na carreira.’ Em um primeiro momento ele relutou, depois ele entendeu que eu não tinha mais motivação para jogar. Então eu parei, fiz a despedida, fui para o Nordeste, engordei uns cinco quilos... Sabe aquela coisa de comer e beber sem dor, sem pecado?”, brincou.

Enquanto isso, o FC Tokyo passava por uma forte crise. O “Ao-aka” (azul e vermelho em japonês) tinha sido rebaixado pela primeira vez e sofria no início da campanha na J2. Precisando de um novo atacante e com poucos recursos para ir ao mercado, eles logo se lembraram de Lucas. “Esse meu amigo, o Iino, me ligou. ‘Poxa, saiu aqui no Japão que você parou.’ Aí eu falei: ‘Parei, cara.’ ‘Mas 32 anos?’ ‘É, tô cansado, né? Já deu, não quero mais.’ Aí ele falou: ‘Cara, a gente tá precisando de estrangeiro. Pedro Júnior foi embora. O Roberto machucou. E só tá com o Roberto César. Eles estão querendo um estrangeiro’ Eu falei: ‘Não, esquece. Não vou voltar para Japão, não tem a mínima possibilidade.’ Aí viajei.”

O assédio do Tokyo continuou, apelando até para o lado emocional. “Aí eles pegaram pesado. Tinha um diretor lá, muito meu amigo, que me relembrou: ‘Poxa, ninguém quer vir por causa do terremoto que aconteceu, estão achando que tem radiação, mas não tem nada.’ Aquilo mexeu um pouco comigo. ‘A gente tá perdendo público, a gente tá em 13º.’ Me sensibilizou em um determinado momento, mas eu falei: ‘Não, eu estou decidido, eu não vou.’ E aí o [técnico] Okuma-san ligou, eu, ele e o Iino e ele falando: ‘Eu preciso muito. Eu te conheço, eu sei que se falar seu nome a torcida vai começar a vir.’ Para ser bem honesto para vocês: não foi por dinheiro. Tem gente que fala: ‘Ah, mas você foi ganhar dinheiro.’ Eles não tinham dinheiro. O Tokyo nem tinha condições de fazer uma contratação. Então até nisso eles pensaram. ‘Ah, o Lucas não precisa de dinheiro. Nós vamos conseguir trazer ele.’ O motivo principal foi que eu voltei a ter paixão por jogar futebol. Quando eu voltei para o Brasil eu perdi aquela paixão e quando eu volto para o Tokyo eu voltei a ter paixão”, afirmou.

A partir daí, o Tokyo não só se recuperou na temporada, como foi promovido como campeão da J2 com folga e ainda conquistou a Copa do Imperador, mais um título inédito, que ainda deu ao clube a possibilidade de disputar uma AFC Champions League pela primeira vez. Assim, o que era para ser um breve retorno de seis meses acabou durando dois anos a mais que o planejado e Lucas só se aposentou em definitivo no fim de 2013. Uma temporada em que ele jogou todos os 34 jogos da J1 e fez 11 gols. “Eu tinha plenas condições de jogar mais dois, três anos. Mas eu não sabia se seria na mesma performance. Eu não queria ter dúvidas. Eu queria parar de uma maneira que você olhe e fale: ‘Nossa, dava para você jogar [mais].’ Não você olhar e me ver ali gordinho me arrastando... Então eu parei da maneira correta. Eu queria parar bem e aconteceu da maneira que eu queria”, esclareceu.

Ilustração feita por um torcedor do FC Tokyo em homenagem a Lucas na ocasião do aniversário de 25 anos do clube — Foto: Koshu Illustrations

Artilharia histórica do FC Tokyo

Em sete temporadas, Lucas marcou um total de 95 gols oficiais pelo FC Tokyo (sem contar os jogos de pré-temporada que o atacante faz questão de lembrar), o que faz dele o maior artilheiro da história do clube na era profissional. Amaral, o “Rei de Tóquio”, tem 72 gols na era J.League, mas se contar os 109 que ele marcou na era amadora, quando o time se chamava “Tokyo Gas”, ele fica absoluto na frente com 181 gols. “Eu não chego nem próximo ao Amaral. Ninguém vai se comparar a ele. Porque tudo que esse cara fez para o FC Tokyo e para o Japão é inimaginável. Acho que eu fiz bem meu papel, mas fiquei muito longe de ser como aquela lenda lá”, declarou Lucas.

Quem está mais perto do recorde de Lucas é Diego Oliveira, atual camisa 9 do FC Tokyo, que também está na sétima temporada com o clube e já tem 84 gols. “O Diego vai me passar com certeza, é um monstro”, afirmou Lucas. “Tem muita gente que não gosta. Tem gente que fala que torce contra, ou contra a seleção ou contra o time que você passou. Eu sou o contrário. Eu falo que os números são para isso. Porque se não bate os números é porque a equipe não está crescendo. Queria tanto que o Tokyo ganhasse uma liga, justamente para ter esse crescimento. Uma equipe de capital, até para o futebol seria bom, porque ainda tem essa disparidade com o beisebol, não só de salário, mas de mídia e até de torcedores. Então eu torço cada vez mais para que o Tokyo consiga esse tão sonhado título”, completou.

Sobre o novo escudo do FC Tokyo

“Eu tenho que ser honesto. Eu preferia muito o antigo. Mas é uma coisa de saudosista. É uma questão de gostar do antigo, não que o outro seja feio.”

Atualização do escudo do FC Tokyo causou certa controvérsia — Foto: Divulgação

Relação com o vídeo game e Winning Eleven

“PlayStation 1. 1998, Athletico Paranaense, é o primeiro momento que eu tenho contato. Eu venho de uma família humilde, porém nunca passei necessidade. Mas a gente não tinha grandes luxos. E um deles era não poder ter videogames em casa. Então no primeiro momento que eu tinha o dinheiro, comprei um PlayStation 1 e o Winning Eleven. Eu sempre gostei de jogar futebol. Nunca gostei de luta. Um pouco de Street Fighter, um Mario às vezes, mas a minha paixão sempre foi futebol. Era uma distração em concentração. Eu e o Cocito, um grande volante, meu irmão, meu compadre... Nós jogamos juntos no Botafogo de Ribeirão, no Athletico Paranaense e no Corinthians. Era meu melhor amigo e companheiro de quarto e de concentração. Mas ele era horroroso. Sem brincadeira, nunca vi um cara tão ruim no vídeo game. O Cocito não sabia nem pegar no controle. Eu ensinei ele a jogar. Ele começou a gostar, mas horroroso... Mas um dia ele fez um GOLAÇO. Sabe aqueles gols de Winning Eleven, que você chutava, que não tinha que posicionar para onde ela vai? A gente estava no Atletiba. O Cocito não tem três gols na carreira. E ele faz um gol, cara... Um golaço. Pode procurar esse gol. Atletiba seletiva 1999. E a gente sai gritando atrás dele ‘Gol de Winning Eleven! Gol de Winning Eleven!’ Porque tinha sido um gol que ninguém faz. Aqueles gols que você chuta de qualquer jeito. O negócio era chutar para o gol.”

“No Japão, quando o Wanchope chega lá, ele vem da Premier League. Imagina, o Wanchope, duas Copas do Mundo... ‘Vou jogar com o cara, velho...’ Um dos caras mais simples que eu já vi na minha vida. E amava vídeo game. Amava. Só que era ruim para caramba. Só amava. Aí tem um caso muito engraçado que a gente na concentração jogando... O Rychely, era atacante, jogou no Santos campeão da Libertadores... A gente jogava, o Rychely era bom para caramba, a gente apostava muito lá. Estava eu o Paulo Wanchope. De repente, na hora que eu vou fazer o gol, o Paulo me dá uma cutucada, e aí eu erro o controle e não faço o gol, fico ‘P’ da vida com o Paulo e só de manhã, que ele vem: ‘Oh, boludo, vamos conversar’. Eu tenho muitas histórias que na concentração a gente se deliciava e o Winning Eleven. Eu sou sincero, não gosto do Fifa. Meus filhos pegaram um pouco de mim. Eles amam vídeo game. Hoje jogam só Fifa. Não posso negar, tentei me apaixonar um pouco pelo Fifa, mas eu sou saudosista, não consigo jogar na bolinha. Setinha até hoje. Então eu fiquei um pouco para trás, porque eu não gosto de perder. Eu ensinei meus filhos a jogar, depois que eles aprenderam eu jogava para ganhar. Então eu nem me arrisco porque meus filhos hoje estão craques no Fifa, jogam esses modo carreira, jogam online, jogam com cara que tá lá na Tailândia. De vez em quando eu tento ali para brincar, mas não tem nem graça. Eu fico com os tempos nostálgicos do nosso Winning Eleven.”

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