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Por Esther Fischborn e Bruno Halpern — Porto Alegre


Uma dupla de remadores desistiu do sonho olímpico para ajudar a salvar vidas. Os gaúchos Piedro Tuchtenhagen, de 22 anos, e Evaldo Becker, 32, decidiram juntos deixar de lado um objetivo de vida para ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Em entrevista ao ge, eles contaram os motivos da escolha, revelaram que também foram afetados pela tragédia e projetam muitas dificuldades para a modalidade no estado.

Atletas da seleção brasileira de remo abandonam sonho de disputar as Olimpíadas para ajudar as vítimas da enchente no RS

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— A gente se olhou ao mesmo tempo e eu sabia que os dois estavam pensando a mesma coisa. Não dá para gente deixar tudo que a gente está vendo aqui e simplesmente ir lá, sabe? (...) Doeu, mas nem se compara com a dor que as pessoas tão sentindo — explicou Piedro.

— Todo mundo incentivou a gente a ir (para o Pré-Olímpico), mas nada convenceu. Até falei, nosso barco é aqui agora. Nosso barco é o Rio Grande do Sul e a gente não vai parar enquanto tudo não estiver bem — afirmou Evaldo.

O Pré-Olímpico de Remo aconteceu entre os dias 19 e 21 de maio, na Suíça. Essa não só seria a última chance para a dupla tentar presença em Paris, como também seria a última oportunidade para os dois disputarem uma Olimpíada.

— Nossa categoria não vai estar mais no programa olímpico. O Double Skiff Peso Leve vai sair para o Remo de Praia ser inserido, então será a última Olimpíada dessa nossa categoria — contou Piedro.

Desde 5 de maio, Piedro e Evaldo trocaram os treinos por outra rotinha: ajudar os atingidos pela tragédia climática no estado gaúcho. Inicialmente, usaram os barcos para ajudar pessoas que ficaram presas em casa pelas enchentes.

— No domingo eu falei: "Vamos fazer alguma coisa mais útil, vamos sair, entrar na água, vamos aproveitar que a gente não tem medo, estamos acostumados com a água". Tudo servia para resgate, desde colchão inflável, caixa d 'água, qualquer coisa que boiasse servia para ser um ponto de apoio. A gente conseguiu emprestado um barco, e um outro rapaz que a gente conheceu tinha um jet-ski. Eram famílias, cachorro, gato, bicho, tudo — contou Evaldo.

— A gente pensou: "Cara, é muita gente, não tem barco para salvar todo mundo, para tirar todo mundo, nessa velocidade". Batia um pouco de desespero, foi desesperador. Imaginar ou pensar que alguém pode estar implorando por socorro e a gente não poder fazer nada — acrescentou o atleta.

Atletas de remo ajudam no resgate de vítimas no Rio Grande do Sul

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Depois, ambos atuaram como voluntários em abrigos como o Grêmio Náutico União, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, que recebe cerca de 300 desabrigados. Piedro mora na capital gaúcha, é atleta do União e, dessa vez, não foi atingido pelas águas. Mesmo assim, carrega perda de outras enchentes.

— Logo que vim para o União eu e minha noiva morávamos na ilha. Teve a primeira enchente (em setembro de 2023), e perdemos fogão, geladeira, cama, sofá, guarda-roupa, essas coisas. Agora a gente conseguiu alugar um apartamento e sair da ilha — contou o jovem.

Com Evaldo a situação foi outra. O remador é gaúcho, mas mora no Rio de Janeiro e hoje é atleta do Flamengo. Por estar se aproximando do Pré-Olímpico, Evaldo desembarcou no Sul para treinar com Piedro e acabou precisando resgatar a própria filha, de apenas seis anos, quando a água começou a subir na casa deles na Zona Norte de Porto Alere.

— Peguei e saí com ela ali, vim caminhando e atravessei a rua com água na cintura, carregando ela nas costas. Foi complicado, ela ficou bem nervosa já que a gente não tinha transporte, não tinha como sair, se não fosse de barco — contou Evaldo.

Evaldo e Piedro, atletas do Remo — Foto: Bruno Halpern/RBS

Mais de R$ 5 milhões em prejuízos

Os dois agora tem outro desafio pela frente, dessa vez junto com outros atletas da categoria. Algumas das principais escolas de remo do Rio Grande do Sul ficam localizadas na região das ilhas. O arquipélago que é um bairro da capital gaúcha, cercado pelo lago Guaíba, hoje está quase completamente submerso.

— Nossa modalidade, por estar ali do lado das margens do Guaíba, foi 100% afetada. Foi totalmente devastada. E é um esporte que já era um pouco maltratado, um pouco esquecido, um esporte que já foi referência. Foi um baque muito grande para todo mundo, para a modalidade — contou Evaldo.

De acordo com Piedro, o barco utilizado profissionalmente pelo esporte pode custar até R$ 200 mil. Ainda segundo a dupla, o prejuízo total da modalidade na escola de remo do Grêmio Náutico União deve chegar na casa dos R$5 milhões.

— Aqui no entorno do Guaíba tem vários clubes. São clubes que vão realmente precisar de muita força, força de mão de obra, de questão de dinheiro também, para comprar mais equipamento. E esses clubes vão ter que se reerguer de novo — reforçou Piedro.

Evaldo e Piedro, remadores gaúchos, com material de trabalho tomado pela enchente — Foto: Bruno Halpern/RBS

Antes de a água começar a subir, Piedro, Evaldo junto com outros atletas visitaram a sede onde treinam, levantaram barcos e alguns materiais, mas não foi suficiente.

— Muito material quebrado, coisas que não dá pra usar mais, sala de musculação, o chão é emborrachado, completamente destruído. Alguns barcos a gente conseguiu colocar nas prateleiras mais acima, mas alguns estão embaixo d 'água, totalmente submersos, quando a gente caminha pela garagem a gente acaba até pisando neles. E como é uma coisa muito delicada, a gente pisa e quebra. E assim, por eles estarem nas prateleiras, a água sobe, eles flutuam e pressionam na prateleira de cima. E aí é perda total — revelou Piedro.

Agora, os dois permanecem em Porto Alegre até, pelo menos, a situação recuperar um pouco de normalidade. Depois, vai ser o momento de contabilizar prejuízos e repensar o futuro no esporte.

— Já tive o aval do clube, vou ficar aqui o tempo que for necessário. E rever agora os novos objetivos. Vou conversar um pouco com o Piedro também para ver quais serão os próximos passos que a gente vai dar. É um sonho que ficou para trás — finalizou Evaldo.

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