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Por Giovana Pinheiro, Kariny Dias, Luiz Novaes e Victor La Regina — São Paulo, SP


Muito se fala sobre representatividade, mas há histórias que são a definição concreta do que isso significa. Tifany Robert é uma mulher trans, professora de vôlei de praia em São Paulo e escolheu seu nome, após a transição de gênero, ao se deparar na televisão com Tifanny Abreu, que hoje atua no vôlei pelo Osasco. A jogadora, primeira atleta trans a disputar uma partida oficial da Superliga, foi conhecer essa história de perto e surpreendeu a professora a quem tanto inspirou.

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Tifany Roberts, a protagonista dessa história, entendeu ainda na adolescência que não tinha identificação com o corpo que nasceu.

- Com 11, 12 anos, eu já tinha essa percepção clara. Eu não me sentia bem com as roupas que eu utilizava. Mas, ao mesmo tempo, era uma maneira de me manter no meio da socialização de todo mundo - conta a professora de vôlei de praia Tifany Robert.

Foi mais ou menos na mesma época que o esporte apareceu na vida dela.

- Acho que o esporte salvou a minha vida. Na época da escola, foi primordial, porque eu não conseguia socializar muito com as pessoas. Eu sempre joguei vôlei, porque me sentia incluída. Eu era escolhida no vôlei, participava com todo mundo.

Amigo de vários momentos, o esporte – e a inclusão – a levou para a faculdade de educação física. Mas mesmo lá, ela percebeu que as possibilidades eram reduzidas.

Tifany Robert e Tifanny Abreu, durante gravação da reportagem em São Paulo — Foto: Luiz Novaes

- As respostas eram sempre negativas. Eu ouvi coisas como “você não tem perfil” e “acho que não vai dar certo”. Então, as ginásticas corporais e as danças se tornaram possibilidades pra mim. Foi como comecei na área de educação física, com algo que eu conseguia, não com o que eu poderia. Fui participando de outras modalidades até chegar no vôlei de vez. Porque aí teve a Tifanny, jogadora do Osasco. Foi quando eu pensei: “Tem uma possibilidade aqui”.

Tifanny é Tifanny Abreu, a primeira atleta transgênero da história do vôlei profissional do Brasil. E nessa história, ela foi fonte de inspiração para uma mudança na carreira da hoje professora de vôlei de praia.

- A Tifanny me trouxe uma força de resiliência. Enxergar ela em quadra, mesmo quando atacada em relação ao gênero dela, nunca pela qualidade dela como jogadora... Acho que isso me trouxe um suporte muito grande, me fez enxergar que sou capaz de tudo, que a gente é capaz daquilo em que acredita.

Foi inspirada pela jogadora que a nossa protagonista começou a conquistar o próprio espaço na modalidade. Procurou empregos em arenas de vôlei de praia em São Paulo e, hoje, dá aulas para quase 100 alunos na cidade, como a professora Tifany Robert Alves dos Santos.

- No processo de alteração de documentos, eu pensei: “Não tem pessoa melhor que me motivou a isso do que a Tifanny (Abreu). Então por que não dar o meu nome a ela?”. Eu tive certeza do nome durante todo o processo – afirmou a professora.

Durante a produção dessa reportagem, a Tifanny jogadora conheceu a história da Tifany professora. E fez questão de conhecer de perto o trabalho da nova xará. Mas de surpresa. Por isso, a reportagem precisou simular uma entrevista com a professora em uma das arenas que ela atua na capital. Um encontro marcante para as duas, como você pode ver no vídeo acima.

- Você é a pessoa que me inspirou a estar aqui hoje - disse a professora, ao perceber que a principal fonte de inspiração dela estava ali, na quadra, ao lado dela.

Tifanny Abreu e Tifany Robert durante gravação da reportagem em São Paulo — Foto: Luiz Novaes

Referência do Osasco, a jogadora também não poupou palavras no depoimento para a reportagem.

- Muita felicidade saber que eu estou inspirando pessoas a trabalhar e seguir o nosso trabalho. Uma pessoa, um atleta, pode receber muitos tipos de homenagens durante a carreira, mas é muito raro receber uma homenagem como essa – afirmou.

Tifanny atua no vôlei brasileiro há oito temporadas. E todo esse carinho que ela recebe hoje dos fãs é algo muito diferente do que ela vivenciou no início.

- Antes de começar no vôlei feminino, eu tinha muito medo. Comecei a sentir medo ainda no masculino, por achar que eu jamais jogaria vôlei profissional. Eu já não me sentia bem em meio aos homens e achei que seria o mesmo no feminino, que eu seria hostilizada nas quadras, que não teria carinho nem nada. E hoje é isso que eu recebo. É tanto carinho, tanto respeito, que as pessoas querem ter meu nome. Crianças que estão nascendo e os pais colocaram o nome de Tifanny... É um orgulho muito grande saber que eu estou fazendo um bom trabalho, que estou inspirando as pessoas a saírem de seus casulos e conseguirem ter a coragem de ser quem elas são – disse a jogadora.

Desde a hora em que as duas xarás foram apresentadas na reportagem, elas não se desgrudaram. Uma identificação tão genuína, tão pura, que marcou os poucos presentes na ensolarada tarde em São Paulo, em um emocionante encontro que durou pouco mais de uma hora, mas com uma verdadeira aula de importância da representatividade.

- Quando eu comecei a minha transição, eu pensava que não ia dar certo. Mas aí eu te olhava e pensava: “A Tifanny conseguiu ocupar um espaço que era tão difícil, ela consegue estar lá” – disse a treinadora para a jogadora.

- E você, a partir de hoje, também é essa inspiração para muitas outras mulheres. O seu legado também vai inspirar muitas outras Tifannys pelo mundo – respondeu a jogadora.

Em uma sociedade ainda repleta de preconceitos, mas que mostra avanços aos poucos, histórias como essa são essenciais. Tifany, a professora, é fã de O Pequeno Príncipe, livro clássico que diz que “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. Ainda que, durante uma tarde, o essencial tenha sido visível – e marcante – para a história de duas mulheres que vivem do vôlei e, claro, de muito amor.

- Quem não quer nos amar, quem é transfóbico, quem é intolerante... Que Deus abençoe e quem sabe um dia essa pessoa consiga entender que o que ela tem é preconceito. Porque nós temos muito amor para dar e muito conhecimento para passar para os mais novos - conclui a jogadora do Osasco.

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